Tecnologia de Motores Líquidos no Brasil, Passado e Futuro
Olá leitor,
Segue abaixo um artigo escrito pelo graduando em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG “Victor Magno Gomes Paula” que faz uma analise histórica do desenvolvimento da Tecnologia de propulsão líquida no Brasil, apresentando também as suas novas perspectivas.
Duda Falcão
A TECNOLOGIA DE PROPULSÃO
LÍQUIDA NO BRASIL
Victor Magno Gomes Paula,
graduando em Engenharia Elétrica pela UFJF.
Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas
“Paulo Soares de Sousa”
da UFJF
victor.magno@engenharia.ufjf.br
Com base nas tecnologias desenvolvidas para os foguetes da família Sonda com destaque ao maior e mais complexo de todos, o Sonda-4, o Brasil desenvolveu sua tecnologia de propulsão utilizando combustíveis sólidos tipo composite. Tal tipo de combustível foi escolhido para equipar também os motores dos quatros estágios do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), principal projeto do Programa Espacial Brasileiro na área de lançadores.
Foi no desenvolvimento do VLS-1 que os pesquisadores brasileiros notaram que uma tecnologia primordial para os futuros nacionais ainda não era dominada em sua plenitude: a tecnologia de motores foguetes com propulsão líquida.
O Brasil e a Tecnologia de Propulsão Líquida
Imagens: INPE
JORNAL ESPACIAL CNPq/INPE
Ano XI n° 55 Abril/Maio/Junho de 1984
Jornal Folha de São Paulo – Caderno Ciência
De 18/01/1991
As pesquisas continuaram, e entre os anos de 1995 e 1996, o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), órgão vinculado ao Centro de Tecnologia Aeroespacial (CTA), em conjunto com o INPE, decidem desenvolver um motor refrigerado a água para estudos básicos para então projetar e construir uma câmara de combustão e injetores de um motor-foguete de 10kN de empuxo. Os estudos não foram adiante devido à falta de recursos financeiros na época.
Em 1999 foi criado no IAE/CTA o Grupo de Propulsão Líquida que iniciaram os estudos para a nacionalização do sistema de controle de rolamento do VLS-1 que utiliza motores-foguete de propulsão líquida de 400N de empuxo, cuja construção é russa, e iniciado também os estudos para o desenvolvimento do primeiro motor-foguete a querosene e oxigênio líquido.
Entre 2000 e 2002 foi projetado e construído um sistema ignitor para motores-foguete líquido baseado em ignitor gás-dinâmico.
Com os avanços obtidos, em 2001 o motor foguete de 400N desenvolvido para o sistema de rolamento já estava pronto para testes reais em bancos de testes do INPE que simulariam ambientes na atmosfera do espaço. Todos os testes foram realizados com sucesso entre os anos de 2002 e 2004.
Imagens IAE/CTA
Acima o sistema de rolamento do VLS-1 composto de 4 propulsores de 400N russos. Abaixo, em seu modelo de desenvolvimento e de vôo, o propulsor nacional que substituirá o importado.
Imagem: IAE/CTA
Ignitor Gás-Dinâmico para Motores a Propulsão Líquida
Paralelamente aos outros desenvolvimentos, o IAE iniciou ainda em 2001 os estudos para fabricação de um motor maior com 5kN de empuxo utilizando querosene e oxigênio líquido que substituiria o quarto estágio do VLS-1. O processo produtivo do motor foi realizado entre os anos de 2003 e 2004. Em 17 de novembro de 2005, o agora chamado “Motor-Foguete a Propelente Líquido de 5kN” (MFPL-5) realizou seu teste “a quente” com sucesso no banco de testes do IAE.
Os animadores resultados obtidos levaram o IAE em parceria com a empresa brasileira “Orbital Engenharia LTDA” a desenvolverem um motor-foguete maior chamado de “MFPL-15” que possui um empuxo de 15kN, com câmara de empuxo do tipo radiativa ou ablativa e empuxo no vácuo. Este motor já foi testado com sucesso e permitirá que a partir dele se desenvolva o foguete de sondagem mono-estágio recuperável VS-15.
Tanto o “MFPL-5” quanto o “MFPL-15” são motores que possuem seus tanques pressurizados a gás (hélio ou hidrogênio) dispensando o uso de turbobombas. Esta tecnologia é conhecida mundialmente como “pressure-fed cycle”, utilizado, por exemplo, nos motores-foguete “Kestrel”, ultimo estágio do foguete “Falcon 1” da empresa privada de lançamentos espaciais estadunidense “SpaceX”.
Imagens: IAE/CTA
LOX + Querosene (mcc= 1,57 kg/s; mo= 1,08 kg/s ; mf= 0,49 kg/s)
Empuxo vácuo = 5 kN (Pcâmara= 10 atm)
Impulso específico= 321 s
Esquemas do Motor-Foguete MFPL-5
MFPL-5 em Testes “a quente” no IAE em 2005
Motor-Foguete MFPL-15 em Bancada de Testes
Foguete de Sondagem VS-15 que Futuramente
Utilizará o Motor-Foguete MFPL-15
Os próximos passos do projeto são mais ambiciosos. Está projetado o motor-foguete a propelente líquido “MPFL-75” (ou L-75) que será mais complexo que os motores anteriormente descritos.
O “MPFL-75” será movido a oxigênio liquido e querosene, terá 75kN de empuxo e será provido de turbobomba com câmara de empuxo regenerativa e empuxo no vácuo. Este motor-foguete terá características semelhantes ao RD-0109 russo.
Pretende-se com este motor-foguete substituir os estágios 3 e 4 do atual VLS-1, dando origem ao VLS-1B ou na denominação do Programa Cruzeiro do Sul (PCS), VLS-Alfa. Além do “Alfa”, os demais veículos da série de lançadores “Cruzeiro do Sul” (VLS-Beta, Omega, Gama e Epsilon) farão o uso do MPFL-75 em conjunto com o maior motor (ainda não projetado) MPFL-1500 (ou L-1500) de 1500kN de empuxo, em diversas configurações.
Imagens: IAE/CTA
Dois Esquemas do MPFL-75 do IAE/CTA
Imagem: IAE/CTA
Programa de Lançadores “Cruzeiro do Sul”
Infra-Estrutura de Testes: Aqui Se Garante o Sucesso
Baseados em seus mais importantes centros de pesquisas, em parceria com Universidades nacionais, Industria e cooperação internacional, o IAE é hoje o principal gestor do processo para a obtenção da tecnologia de propulsores líquidos no país. Para tal, este centro de pesquisa decidiu implantar o Laboratório de Propulsão Líquida (LPL) objetivando ter uma adequada infra-estrutura de testes, através de bancos para experimentos com componentes hidráulicos e injetores, de sistema pneumáticos, de turbobombas, de motores-foguete de até 20kN de empuxo e de motores foguete de até 400kN de empuxo.
Dentre a infra-estrutura já instalada, é possível citar:
- Banco de Testes em Condições Atmosféricas (Cachoeira Paulista - Estado de São Paulo) que possui condições de ensaiar câmaras com empuxo de até 2000 N, operando com tetróxido de nitrogênio e hidrazina e seus derivados (UDMH, MMH2);
- Banco de Testes com Simulação de Altitude (Cachoeira Paulista - SP) que possui capacidade para testar motores monopropelentes, em geral a hidrazina, até 150 N e, bipropelentes utilizando tetróxido de nitrogênio e MMH, até 200 N;
- Banco de Provas para Propulsão Líquida de 20kN (IAE/CTA) que possui capacidade de ensaiar câmaras de empuxo, operando com oxigênio líquido e querosene (ou álcool), de até 20 kN de empuxo;
- Recentemente foi contratada a companhia russa “Konstruktorskoe Buro Khimavtomatiky” - OSC KBKhA, como o objetivo de elaborar um complexo de testes e banco de testes para os motores-foguete a propelente líquido de até 400kN, no valor de € 850 mil. Esta é uma medida concreta em relação a parceria internacional Brasil-Russia na área de foguetes com propulsão líquida;
- Banco de ensaios hidráulicos no Laboratório de Propulsão do IAE/CTA para ensaios “a frio” de pressão-vazão, homogeneidade do jato de injetores bipropelentes, razão de mistura, dentre outros testes;
- Para o teste e o desenvolvimento de turbobombas, a proposta do IAE é adaptar seu Laboratório de Turbinas que possibilitará a realização de diversos ensaios necessários no desenvolvimento destes sistemas.
Imagens: IAE/CTA/INPE
Banco de Ensaios Hidráulicos - Laboratório de
Propulsão - ASE/IAE/CTA
Banco de Testes em Condições Atmosféricas para
Motores de Até 2000N - INPE
Banco de Provas para Motores-Foguete à Propulsão
Líquida de Até 20kN de Empuxo - IAE
Banco de Testes com Simulação de Altitude - INPE
Considerações Finais
Após anos de pesquisa e desenvolvimento de foguetes utilizando motores de propelente sólido, é fato que a tecnologia de motores a propelentes líquidos nunca foi ignorada por parte das entidades de pesquisas ligadas ao Programa Espacial Brasileiro (PEB). Tal importância se materializa hoje em pesquisas e construções de protótipos, ainda que a nível acadêmico, indicando um caminho inicial a trilhar. O importante apoio de instituições russas por meio de formação de mão-de-obra e transferência de tecnologia também não deve ser esquecido.
É interessante destacar que este tipo de tecnologia nos remete à década de 30 quando foram realizados os primeiros estudos do emprego de propelentes líquidos em foguetes, amadurecendo o conceito nos anos 40 durante a Segunda Guerra Mundial e os foguetes alemães A-4, mais conhecidos como V-2.
A estratégia que hoje se propõe em adotar o IAE/CTA, comprando um projeto russo de motor-foguete e posteriormente o nacionalizando se mostra acertada, principalmente quando tomamos como base os programas espacial chinês e indiano que foram baseados exatamente nestes moldes, obtendo sucessos relevantes. O uso de um motor-foguete como o RD-0109 russo, mesmo sendo este um projeto empregado nos foguetes na família R-7 soviéticos dos anos 50, pode ser vantajoso para o país, uma vez que os métodos que poderão ser empregados para a fabricação dos componentes destes motores não significariam maiores problemas dada a evolução dos processos industriais presentes no Brasil, possibilitando um desejado aperfeiçoamento desse engenho e assim antecipando etapas que fazem diferença em um programa já bastante atrasado.
O domínio de um processo tão complexo não poderia avançar sem uma base sólida de experimentações e para isso estão sendo instalados bancos de testes para vários sistemas específicos deste sistema. É destacada a participação da indústria nacional neste sentido, provendo tais sistemas quando possível e em parceria com os centros de pesquisa nacionais.
Os passos seguintes marcarão o futuro de PEB. O sucesso do VLS-1B (Alfa no PCS) previsto para 2013, marcará o futuro das pesquisas na área nos próximos anos, e pelo que se nota a parceria com a Federação Russa não ficará em segundo plano dado o bom histórico de cooperação entre os dois países no setor espacial. Logicamente, sem os devidos aportes de recursos não será possível o cumprimento das metas e prazos previamente estabelecidos.
Um programa espacial bem estruturado tem reflexos em diversos setores da sociedade civil. Muitos produtos em uso em nosso cotidiano são frutos de pesquisas realizadas para o setor espacial. No Brasil, além de importantes benefícios civis, não é possível dissociar a contribuição que o desenvolvimento das tecnologias associadas dariam à área de defesa, com novos produtos específicos para o imediato emprego operacional.
Referencias Bibliográficas
CTA - Ciência e Tecnologia para Defesa Nacional, Brig. Eng. Venâncio Alvarenga Gomes - 62° Fórum de Debates Projeto Brasil / Dezembro 2008.
O Desafio da Propulsão Líquida no Brasil - CTA/IAE - 1° SBPL/Associação Aeroespacial Brasileira, Cel. Av. José Carlos Argolo. http://www.aeroespacial.org.br
Capacitação em Propulsão Líquida no IAE, Ten. Cel. Av. Fausto Ivan Barbosa - CTA/IAE - 1° SBPL/Associação Aeroespacial Brasileira. http://www.aeroespacial.org.br
A infra-estrutura para testes de motor foguete a propelentes líquidos, Maj. Av. Avandelino Santana Junior - CTA/IAE - 1° SBPL/Associação Aeroespacial Brasileira. http://www.aeroespacial.org.br
OBS: Devido ao artigo esta protegido, nem todas as fotos são as originais.
Fonte: Site da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG
Comentário: Grande e esclarecedor artigo escrito por esse aluno da UFJF, demonstrando que o Brasil encontra-se no caminho certo nessa área de propulsão líquida. Espero sinceramente que os planos apresentados nesse artigo sejam alcançados no menor espaço de tempo possível, mas para que isso possa acontecer será necessário um apoio incondicional do Governo e do Congresso brasileiro. Gostaria de agradecer de público ao leitor José de Arimatéia Fontainha de Carvalho que me enviou por e-mail esse artigo esclarecendo de vez para os leitores o que foi feito e o que ainda será feito no Brasil na área de propulsão líquida.
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