Mais uma audiência pública sem o público!

Olá, entusiasta!


Nesta quarta-feira (11), uma audiência pública promovida pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT) no Senado Federal foi realizada com o objetivo de debater o fortalecimento do Programa Espacial Brasileiro - PEB (veja aqui). Embora revestida de solenidade institucional e repleta de belos discursos sobre ciência, inovação e soberania, a audiência passou longe de cumprir um requisito essencial em qualquer política pública que pretenda, de fato, se tornar um projeto de país: a participação ativa da sociedade brasileira.

Audiência pública, sem o público.

A nota publicada pela própria Agência Espacial Brasileira (AEB) não deixa dúvidas. Estiveram presentes figuras técnicas e institucionais importantes — como o presidente da AEB, o diretor substituto do INPE, um representante da Finep e um diretor do SindCT. Todos falaram sobre "realizações", planos futuros e o papel estratégico do setor. Mas a audiência se resumiu a um debate entre "compadres" especialistas e gestores públicos, sem a presença ou voz de representantes da sociedade civil organizada, de universidades, startups do setor, estudantes, comunidades impactadas por projetos espaciais ou mesmo das populações que vivem no entorno das bases de lançamento e demais ativos do setor.

Em outras palavras, foi uma audiência pública sem o público.

O evento, apesar de formalmente aberto e transmitido pela internet, não teve qualquer estratégia de mobilização para garantir a presença efetiva da sociedade. Tampouco houve sinal de um processo de divulgação participativo prévio ou posterior — como uma consulta pública aberta, um fórum ampliado com diferentes atores sociais ou um canal público de coleta de contribuições.

Esse padrão de exclusão não é novo no setor espacial brasileiro. Ao longo das últimas décadas, o PEB vem sendo conduzido como um programa técnico / setorial de governo's, sem ser verdadeiramente transformado em um programa de Estado com engajamento nacional. Assim foi na "discussão" do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) 2022-2031, que o Brazilian Space defende que seja feito no Congresso Nacional, inclusive com a definição de metas orçamentárias mínimas, bem como no processo tratorado da falsificada "Lei Geral do Espaço" (veja aqui) e na criação da anacrônica e despropositada Alada (veja aqui).

Da esquerda para direita: Acioli Antonio de Olivo, Marco Antonio Chamon, Marcos Pontes e Adenilson Silva. (Crédito: AEB)

Ainda que a retórica da “soberania” e da “visão de futuro” esteja sempre presente nos discursos e nos powerpoints, falta ao Brasil, na prática, uma política espacial que seja realmente inclusiva e mobilizadora da sociedade, que desperte o interesse da juventude, que envolva as comunidades científicas e técnicas de forma democrática, que dialogue com o setor privado emergente e, sobretudo, que dê voz ao povo brasileiro.

Em vez disso, continuamos a assistir a reuniões com os mesmos de sempre — meia dúzia de representantes institucionais, discutindo entre si um programa que dizem ser estratégico para o país. Estratégico para quem? Para qual projeto de Brasil? Com quais prioridades definidas democraticamente?

Um programa espacial sério, no século XXI, precisa ser mais do que uma coleção de alguns satélites, projetos de foguetes e parcerias internacionais. Ele precisa ser um catalisador de sonhos, uma ferramenta de mobilização e transformação nacional, um elo entre o desenvolvimento tecnológico e a justiça social. E isso só é possível com ampla participação pública, transparência, mecanismos de controle social e processos deliberativos que vão muito além de uma audiência simbólica no Senado.

Se o Brasil quiser mesmo fortalecer seu Programa Espacial, precisa começar ouvindo quem está fora da sala: a sociedade brasileira, os empresários que enfrentam burocracias para inovar, e as populações afetadas direta ou indiretamente pelas ações espaciais. Não basta repetir que "aqui tem espaço"  que o espaço é "estratégico". É preciso que o espaço — e as decisões sobre ele — pertençam a todos.

Enquanto isso não acontecer, as audiências continuarão sendo de "meia-dúzia de 06", e o Brasil seguirá tendo um programa espacial que até olha para o alto, mas se esquece de olhar ao redor.


Rui Botelho
Brazilian Space

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Comentários

  1. Já na República Federativa do Brasil.

    A Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT) do Senado Federal realizou uma audiência pública com o propósito de discutir a consolidação do Programa Espacial Brasileiro - PEB.

    "Audiência pública", que nunca contou com a presença do público! Podemos empregar o viés de confirmação, a dissonância cognitiva, a câmara de eco ideológica e a alegoria da caverna, isto é, "Só eles" possuem a habilidade de habitar um mundo de falsidade. Pensando que a sociedade está alheia aos acontecimentos".

    -> Alice: Como você sabe que eu sou louca, "Aqui tem espaço"?
    -> Gato: Só pode ser. Se não,não teria vindo pra cá, na audiência pública, né Alice.
    Alice no País das Maravilhas

    ---> "Eu não sou louco, minha realidade é apenas diferente da sua".
    Alice no País das Maravilhas.

    "As regras são simples: eles mentem para nós, sabemos que estão mentindo, eles sabem que sabemos que estão mentindo, mas continuam mentindo, e continuamos fingindo acreditar neles." Elena Gorokhova.
    A Mountain of Crumbs (2010).

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