Somos Responsáveis Pelas Gerações de Amanhã. Somos?
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski hoje (25/08) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Somos Responsáveis Pelas
Gerações de Amanhã. Somos?
“Quem só tem
olhos para os ouros não demorará em disparar a pergunta
fatídica: e daí?” Marcelo Leite, jornalista de Ciência (1)
José Monserrat Filho *
A humanidade costuma ser descrita como o conjunto dos
seres humanos que habitam e habitarão o planeta Terra. Ela abrange, portanto, as gerações
presentes e futuras. Os mortos não contam, por ilustres que sejam, pois
infelizmente já não atuam, embora suas vidas e obras possam ter enriquecido o
patrimônio e a evolução da espécie humana. Mas, como frisa Milton Santos,
“ficar prisioneiro do presente ou do passado é a melhor maneira para não fazer
aquele passo adiante, sem o qual nenhum povo se encontra com o futuro”.(2)
As pessoas de hoje são herdeiras ativas de tudo o que
fizeram e criaram as de ontem. Dai
que, para o pensador e internacionalista francês René-Jean Dupuy (1918-1997),
as pessoas de hoje são responsáveis tanto por suas contemporâneas, como pelas de
amanhã. Mesmo sem conhecê-las – é justo acrescentar. Por aí vai o caminho do
futuro.
A humanidade tem significado prospectivo, afirma Dupuy. É conceito interespacial e
intertemporal. Vai do aqui e agora até o depois, em qualquer lugar do globo.(3)
Essa ideia abrangente e ciclópica ganha especial destaque na histórica
Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes em Relação às
Gerações Futuras, adotada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura) em 12 de novembro de 1997.(4)
Justamente no Artigo 1 a Declaração da UNESCO reza: “As gerações presentes têm a
responsabilidade de garantir que as necessidades e os interesses das gerações
presentes e futuras sejam plenamente salvaguardados.” O compromisso enunciado
não poderia ser mais amplo.
Segundo o Artigo 3, “as gerações presentes devem
esforçar-se para assegurar a manutenção e a perpetuação da humanidade, com o devido respeito pela dignidade da
pessoa humana”. Para tanto, “a natureza e a forma da vida humana nunca devem
ser prejudicadas, sob qualquer aspecto”. Ou seja, não devemos admitir de modo algum o
fim da humanidade. Mas os perigos e ameaças que a cercam por inteiro são
cada vez maiores e mais difíceis de enfrentar. Perpetuar a nossa espécie e a riquíssima
vida na Terra – neste exato momento da história humana – é, sem dúvida, o
desafio supremo à nossa inteligência e boa fé, a maior tarefa heroica de todos
os tempos.
Pelo Artigo 4, “as gerações presentes têm a
responsabilidade de transmitir às gerações futuras um planeta não danificado de
forma irreversível pela atividade
humana. Cada geração que herda o planeta Terra deve atentar para o uso racional
dos recursos naturais e assegurar que a vida não seja afetada por modificações
prejudiciais aos ecossistemas e que o progresso científico e tecnológico em
todos os campos não prejudique a vida na Terra”.
“O aquecimento global acaba de conquistar 15 medalhas
de ouro, feito inédito em 136 anos”,
anuncia Marcelo Leite no artigo Ninguém presta atenção aos recordes de
temperatura global: “Segundo a Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos EUA,
a prestigiada Noaa, julho de 2016 foi não só o julho mais quente como foi
também o mês mais quente registrado desde 1880. Superou a marca do recordista
anterior, julho de 2015, que havia sido o ano mais quente da história,
desbancando 2014 – e 2016 deve superar ambos, já se prevê. Todos os 14 meses
anteriores a julho de 2016 quebraram os respectivos recordes mensais. Trata-se
aqui da temperatura média global, aferida com a ajuda de milhares de estações meteorológicas
e satélites.”(5)
Nossa situação, portanto, é nada menos que dramática. Precisamos recompor o planeta com máxima
urgência para poder transmiti-lo às próximas gerações em condições bem mais
seguras – tarefa ainda longe de ser devidamente encarada.
Há que impedir que o progresso científico e
tecnológico danifique a Terra e seu entorno. Danificar ou mesmo destruí-la, pois, como enfatiza o físico Marcelo
Gleiser no recente artigo Ainda podemos nos autodestruir – Risco de holocausto
nuclear continua a assombrar o mundo, “apesar de parecer coisa do passado, da
Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, a verdade é que a ameaça nuclear
persiste e continua sendo a maior que a humanidade poderá enfrentar no futuro”(6).
O entorno da Terra, por sua vez, já está atulhado de
lixo espacial, problema grave e
complexo ainda não enfrentado com a determinação e o senso de responsabilidade
proporcionais às ameaças que só fazem aumentar. Desde 1957, quando a União
Soviética lançou o primeiro satélite artificial Sputnik-1, a intensa atividade
espacial vem acumulando gigantesca quantidade de detritos de todos os tamanhos.
Estima-se milhões de fragmentos e pedaços de satélites, sondas e foguetes voam
desvairados pelo espaço, multiplicando-se através de contínuas colisões. São
500 milhões de detritos de até 1 cm, 500 mil de até 10 cm, e 21 mil maiores de
10 cm.(7)
O teste sobre o impacto de projétil hiperveloz contra escudos idênticos aos instalados na
Estação Espacial Internacional (ISS), realizado pela Agência Espacial Europeia
(ESA) em 10 de junho passado, foi revelador: a esfera de alumínio de 7,5 mm de
diâmetro lançada à velocidade de 7 km por segundo (25.200 km por hora)
atravessou os escudos, produzindo um buraco de 50 mm de espessura. Até hoje,
nenhuma estrutura defensiva suportou o choque de detritos espaciais com 2 cm de
tamanho. A colisão com detritos maiores de 10 cm gera consequências
catastróficas. O dano pode causar a fragmentação total dos objetos colididos,
criando milhares de detritos adicionais.(8)
Um total de 6.700
toneladas de objetos gira hoje em torno da Terra contra 5.000 de dez anos
atrás. 100 toneladas de detritos espaciais caíram na Terra só em 2015. São
dados da NASA.(9)
É imperioso também impedir que os corpos celestes – a começar pela Lua, os asteroides e os
planetas mais próximos da sistema solar – sejam explorados industrial e
comercialmente antes de serem submetidos a profunda análise de risco ecológico,
sob pena de cometermos lá no espaço os clamorosos erros e crimes que
cometemos aqui na Terra. Isso só iria piorar a vida na Terra.
Quantas pessoas no mundo conhecem a Declaração da
UNESCO, que em 2017 completará 20 anos? E quantas delas – sobretudo autoridades e representantes públicos – estão
dispostas a cumprir seus princípios?
A pressão dos
povos ainda não chegou à luta pela sobrevivência da humanidade.
*
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial
(SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial,
Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da
Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Do artigo
Ninguém presta atenção aos recordes de temperatura global, publicado na
Folha.com., em 21 de agosto de 2016. Marcelo Leite, repórter especial da Folha
de S. Paulo e colunista da Folha.com, especializou-se em jornalismo científico
e já lançou inúmeros livros: A Floresta Amazônica (2001), Amazônia – Terra com
Futuro (2005), Meio Ambiente e Sociedade (2005), Pantanal – O Mosaico das Águas
(2006), Brasil – Paisagens Naturais (2007) e Ciência – Use com Cuidado (2008),
entre outros.
2) Santos, Milon,
, O Espaço do Cidadão, São Paulo, Edusp, 2014 [1987], p. 161.
3) Dupuy, René-Jean, Avenir du Droit International
dans un monde Multiculturel, in Dupuy, René-Jean, Dialectiques du droit
international, Paris: A. Pedone 1999, p. 245. Citado por Matias, Eduardo Felipe Pérez, A humanidade e suas fronteiras:
do Estado soberano à sociedade global, São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 507.
4) Ver texto
completo em: . As responsabilidades das gerações presentes em relação às
futuras gerações já foram mencionadas em outros instrumentos: Convenção para a
Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da UNESCO, adotada pela
Conferência Geral da UNESCO em 16 de novembro de 1971; Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Convenção sobre Diversidade Biológica,
adotadas no Rio de Janeiro, em 5 de junho de 1992; Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 14 de junho de 1992; Declaração e Programa
de Ação de Viena, adotados pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em
25 de junho de 1993; e as Resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas
relativas à proteção do clima global para as presentes e futuras gerações,
adotadas desde 1990.
5) Ver referência
1.
6) Folha de S.
Paulo, Ilustríssima, 14 de agosto de 2016.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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