Arqueólogos Galácticos, e Entre Eles um Brasileiro, Identificam Uma das Estrelas Mais Pobres em Metais Já Encontradas no Universo
Caros leitores e leitoras do BS!
No dia de ontem (11/09), o portal do Jornal da USP anunciou que arqueólogos galácticos — entre eles um pesquisador brasileiro — identificaram uma das estrelas mais pobres em metais já encontradas no universo. A descoberta levanta questionamentos sobre os atuais modelos astronômicos e pode redefinir o entendimento sobre a formação estelar nos primórdios do cosmos.
Foto: European Space Agency//Wikimedia Commons
De acordo com a nota do portal, em colaboração internacional, astrônomos de dez universidades espiam o Universo de 13 bilhões de anos atrás e buscam descrever os momentos que sucederam o Big Bang. A identificação de uma nova estrela, apelidada de GDR3_526285, fez com que os pesquisadores percebessem que não entendem tanto quanto imaginavam sobre a formação dos astros primordiais, já que a descoberta coloca em xeque as hipóteses atuais sobre a evolução desses corpos celestes.
A estrela apresenta uma das menores quantidades de “metais” já observadas. Na astronomia, metais são quaisquer substâncias além do hidrogênio e do hélio – do carbono ao plutônio. Essa característica a classifica como descendente direta das primeiras estrelas. É um fóssil cósmico vivo – até onde se sabe. Localizada há cerca de 80 mil anos-luz do nosso sistema solar, a estrela ocupa a periferia da Via Láctea. Isso significa que, entre o momento de sua morte e seu desaparecimento no céu terrestre, 80 mil anos já teriam se passado – um piscar de olhos na história do Universo.
O astro acompanha o halo de nossa galáxia – a região que circunda o sistema e abriga corpos celestes agregados pela gravidade ou incorporados por colisões. A estrela descoberta difere das que brilham por lá: é tão pobre em metais que nem se detecta o carbono – um dos elementos mais comuns do Universo conhecido.
No espaço primordial, as estrelas não tinham muitas escolhas. Um Universo recém-criado não possui muita diversidade de elementos: os astros, então, eram compostos de hidrogênio e hélio. As substâncias ganharam mais cores e formas à medida em que o material já existente era processado e fusionado.
Foto: Arquivo pessoal
Doutor pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Guilherme Limberg explica que as primeiras estrelas eram gigantes – e, por isso, tiveram uma existência breve. Quanto maiores eram, maior a luta contra a gravidade, que busca implodi-las, conta. “A partir do momento em que não se consegue mais queimar hidrogênio para formar a energia necessária para se manter viva, ela se torna instável, colapsa e explode como supernova.”
Primeiro autor do artigo publicado na revista The Astrophysical Journal Letters, ele explica que as mortes estelares promovem o surgimento de novos elementos. Através das gerações de estrelas, ocorre um aumento gradual na diversidade de substâncias – e é isso que chama atenção no astro novo.
Genealogia Estelar
A ciência divide as estrelas em três grupos, cada um com uma concentração de metais – uma metalicidade – diferente. Essas populações classificam esses corpos celestes por composição química e, consequentemente, por idade ou período de formação. “É como a taxonomia da biologia: uma forma conveniente de se organizar esses astros,” elucida Limberg.
A convenção astronômica define, primeiro, estrelas como o Sol. A População 1 é composta de estrelas novas, com maior diversidade de elementos e que, em geral, habitam o disco da Via Láctea – a espiral central que contorna o buraco negro da galáxia. Os registros arqueológicos, então, começam a partir da População II.
Foto: Event Horizon Telescope - European Southern Telescope/Wikimedia Commons
![]() |
| Sagittarius A* é o buraco negro supermassivo que governa o movimento orbital de toda a Via Láctea. Na imagem, é possível observar o campo magnético do astro. |
Pobres em metais, o segundo grupo é formado por estrelas mais velhas. Geralmente encontradas nos halos, são o penúltimo degrau na escala de proporção de metais, que se diversifica pouco a pouco através das gerações estelares.
Mas ainda se diferenciam de um terceiro grupo de astros ultrapobres em metais, e estudar essa classe é uma forma moderna de inferir propriedades das gerações estelares iniciais.
A População 3 é, muitas vezes, encarada como uma hipótese. A classe descreve os corpos celestes que primeiro habitaram o espaço, formadas à medida que as primeiras galáxias resfriavam e colapsavam.
Há apenas um problema: sua análise direta é impossível. Essas estrelas tiveram uma vida curta e não são encontradas atualmente pelos telescópios. Resta aos cientistas traçar sua genealogia – as identificando pelos “genes,” a metalicidade das descendentes.
“Estrelas, em geral, são só grandes bolotas de gás,” conta o astrônomo. “Elas basicamente são feitas de hidrogênio e hélio, mas também têm traços de elementos pesados.” Segundo ele, quanto maior a presença de metais, mais recente é o astro. E, quanto mais pobre em metais, mais a estrela diz sobre o Universo primordial.
Foto: Kevinmloch/Wikimedia Commons
![]() |
| As estrelas da Via Láctea são organizadas em três populações com características químicas diferentes. À direita, a Nuvem de Magalhães. |
“O que aprendemos na graduação é que cerca de 2% da massa do Sol é composta de elementos mais pesados do que o hélio,” Limberg explica. “E pobre em metal é qualquer estrela que tenha menos de um décimo disso,” continua.
A metalicidade da GDR3_526285 é extremamente baixa: ela apresenta menos de 1/50.000 da concentração de metais do Sol. É uma das estrelas mais pobres em metais já registradas – comparável apenas com a Estrela de Caffau, encontrada em 2011, do outro lado da galáxia.
Um é Pouco, Dois é Bom
“Poderia ser só uma curiosidade: uma estrela nova foi descoberta. Mas essa estrela mostra que deve existir um processo físico ainda não identificado que possibilita sua formação,” destaca Limberg.
A dobradinha galáctica não passa despercebida. O astrônomo explica que a descoberta de uma segunda estrela ultrapobre em metais na Via Láctea sustenta o argumento da equipe: existe um mecanismo físico que consegue resfriar o gás para sua criação, mesmo com poucos elementos pesados – ele só precisa ser identificado. “Processos similares devem ter ocorrido nos dois ambientes. Existe uma ‘universalidade’ no processo de formação dessas estrelas tão extremas,” explica.
Foto: Pablo Carlos Budassi//Wikimedia Commons
![]() |
| Limberg afirma que a estrela deve ter chegado ao halo da Via Láctea depois de se desprender da Grande Nuvem de Magalhães, galáxia anã e satélite da nossa |
“Estamos descartando alguns modelos, certas hipóteses para o resfriamento,” afirma o cientista. O processo de formação de estrelas é bem conhecido: “Sabemos muito bem como se resfriam os gases na presença de metais, de elementos pesados. Mas esses fenômenos exigem uma fração de metais do que a que encontramos na estrela descoberta”. Na visão de Limberg, modelos que englobam a criação desses astros devem ser favorecidos.
“O processo físico que existe na literatura e permite com que isso aconteça é o dust cooling.” O que o cientista propõe é o resfriamento da nuvem gasosa a partir de trocas térmicas com grãos de poeira que a cruzam. “Se a formação desses grãos é possível, também se consegue produzir estrelas de baixa massa – mesmo que a metalicidade seja baixa,” conclui.
Mapa do Tesouro
Foto: Guilherme Limberg/Acervo Pessoal
Limberg se dedica à astronomia observacional – área em que planetas, estrelas e galáxias são identificados por telescópios e sondas espaciais. Neste campo, baixa-se o lápis – os cálculos, aqui, calibram as bússolas.
O astrônomo seguiu um mapa do tesouro: a missão espacial Gaia, promovida pela Agência Espacial Europeia, explorou os limites da Via Láctea. “Navegando os dados, conseguimos encontrar essas estrelas raras,” explica. Para ele, a investigação amplia o conhecimento em astronomia, astrofísica e cosmologia — o estudo da origem do Universo.
Foto: Jan Skowron//Wikimedia Commons
![]() |
| Os Telescópios Magalhães formam um conjunto para observação do espaço distante. A dupla chilena se encontra no deserto do Atacama. |
Raras, essas estrelas não aparecem ao acaso: só são encontradas por um bom navegador. No mar de dados espaciais, deve-se estar atento aos indicadores. Para enxergar além do alcance, cientistas recorrem a telescópios espectroscópicos para “fotografar” o céu. Dessa vez, os Telescópios de Magalhães do Observatório Las Campanas, no Chile, foram as câmeras. Em cada “foto,” a espectroscopia – técnica que permite analisar a interação entre a luz e a matéria – possibilita ao astrônomo trazer a estrela ao laboratório.
Estrelas são descritas de longe. Cada elemento químico deixa uma assinatura própria na radiação que emite ou reflete. Esses sinais revelam a composição dos astros e ajudam a identificar padrões incomuns, que denunciam a presença de estrelas raras. No pós-doutorado, Limberg indica que segue “escavando” a galáxia em busca de fósseis extraplanetários.
O artigo Discovery of an [Fe/H] ∼ −4.8 Star in Gaia XP Spectra* pode ser lido aqui.
Mais informações: limberg@uchicago.edu, com Guilherme Limberg.
Brazilian Space
Brazilian Space
Espaço que inspira, informação que conecta!







Comentários
Postar um comentário