Brasil propõe lançamento de satélites com a China a partir de Alcântara, mas proposta esbarra em barreiras tecnológicas dos EUA

Olá, entusiastas!


A recente proposta do governo brasileiro para viabilizar lançamentos espaciais em parceria com a China a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão (veja aqui), reacendeu o debate sobre os riscos e implicações geopolíticas e tecnológicas dessa aproximação. A proposta foi discutida durante a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim na semana passada, e tem como pano de fundo a longa cooperação sino-brasileira no programa CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), iniciado em 1988.

O Brasil e a China trabalham atualmente para o lançamento de dois novos satélites em parceria: o CBERS-6, previsto para 2028 e equipado com radar de abertura sintética (SAR) de tecnologia chinesa, capaz de operar em qualquer condição climática, e o CBERS-5, programado para 2030, que será o primeiro da série em órbita geoestacionária e terá foco na observação climática. Ambos os satélites devem ser lançados a partir de um veícuio lançador e do território chinês, assim como os seus antecessores. Ao que parece a "ideia" é que no futuro, esses lançamentos e de outros artefatos espaciais pudessem ser realizados  da base de Alcântara, a partir de foguetes chineses.

No entanto, o plano esbarra em obstáculos significativos que vão além da cooperação bilateral.

Acordo com os EUA limita lançamentos com a China

Desde 2019, o Brasil mantém com os Estados Unidos um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que permite o uso comercial da base de Alcântara por empresas estrangeiras, inclusive norte-americanas, para lançamentos espaciais. Em contrapartida, o Brasil se comprometeu a proteger tecnologias espaciais de origem americana, proibindo o acesso de países terceiros — especialmente China, Irã, Coreia do Norte e Cuba — a sistemas, componentes e instalações sensíveis dos EUA.

Esse tipo de cláusula é padrão em acordos de salvaguardas tecnológicos com os EUA e busca assegurar que tecnologias militares ou de uso dual (civil e militar), cuja exportação é restrita sob a International Traffic in Arms Regulations (ITAR), não sejam repassadas a países considerados adversários estratégicos por Washington.

Isso significa que, mesmo que o satélite CBERS seja majoritariamente chinês-brasileiro, se algum componente dos sistemas de lançamento, rastreio ou infraestrutura em Alcântara contiver tecnologia norte-americana — o que é altamente provável — o lançamento pode ser automaticamente vetado.

Monopólio tecnológico dos EUA é obstáculo adicional

O desafio se amplia ainda mais quando se considera o domínio tecnológico dos Estados Unidos no setor espacial. De acordo com dados recentes de propriedade intelectual, os EUA detêm mais de 75% das patentes globais em tecnologias espaciais, o que confere ao país um poder de veto indireto sobre diversos sistemas e aplicações utilizados em foguetes, satélites e infraestruturas associadas.

Na prática, isso implica que mesmo sistemas desenvolvidos por países como o Brasil e a China podem conter subsistemas licenciados, licenciáveis ou inspirados em patentes americanas, o que exige autorizações específicas para exportação ou uso conjunto com terceiros.

Riscos geopolíticos e consequências para o programa espacial brasileiro

A proposta brasileira de lançar satélites com a China a partir de Alcântara, embora pareça natural e estratégica do ponto de vista de autonomia tecnológica e de cooperação Sul-Sul, coloca o país em uma encruzilhada diplomática e técnica. Por um lado, poderiar reforçar o protagonismo brasileiro no cenário espacial global e ampliar as possibilidades de uso soberano da base de Alcântara. Por outro, compromete a confiança dos EUA e de seus parceiros comerciais, prejudicando acordos já em curso e potenciais contratos com empresas privadas norte-americanas e globais que usam tecnologia do Tio Sam.

Além disso, caso o Brasil insista em abrir Alcântara para operações com a China sem um aditamento ao AST ou novo acordo com os EUA, corre o risco de sanções diplomáticas e exclusão de programas internacionais que envolvam transferência de tecnologia.

Alternativas e caminhos possíveis

Ainda que no campo das hipóteses, o deslocamento de sistemas de lançamento ou a construção de infraestrutura em Alcântara financiada pela China fosse logística e e economicamente viável, justificada pela proximidade do Centro Espacial brasileiro com a linha do Equador, a possibilidade do governo chinês investir em sítios de lançamento equatoriais mais próximos, como o Centro Espacial Internacional de Pahang, na Malásia (veja aqui), as vantagens do CLA seriam anuladas.

Por outro lado, ainda que com chances extremamente remotas, em tese o Brasil poderia explorar opções diplomáticas para negociar cláusulas específicas com os EUA que permitam lançamentos não-comerciais com a China, como no caso de missões científicas ou ambientais. Outra alternativa seria a construção de uma ala totalmente segregada em Alcântara, sem qualquer tecnologia americana, dedicada exclusivamente a lançamentos com países não alinhados com Washington — uma solução cara e logisticamente complexa.

Em uma visão macro, ainda que careça de fundamentação realista para sua operacionalização, o episódio parece reforçar um anseio do Brasil de investir em independência tecnológica e em parcerias diversificadas, de modo a evitar que interesses externos limitem sua atuação soberana no setor espacial.

Conclusão

A proposta de lançar satélites com a China a partir de Alcântara representa uma ambição legítima, mas carente de fundamentaçõa prática, de ampliar a presença brasileira no espaço e consolidar o centro de lançamentos como ativo estratégico. No entanto, sem equacionar as restrições impostas pelo acordo com os Estados Unidos e pelo domínio tecnológico norte-americano, a iniciativa pode se revelar mais simbólica do que viável.


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Comentários

  1. Relembrar os fatos, especialmente os erros do passado, pode ter um impacto positivo na saúde mental. O que ocorreu em 1958 permanece atual, sem alterações, após 67 anos.

    Permita-me compartilhar um LIVRO: Coronel Lage
    o mestre dos foguetes - Autor: Bernardino Coelho da Silva

    SINOPSE:
    Esta obra relata a vida e obra do coronel Manoel dos Santos Lage, que foi oficial do Exército Brasileiro, professor da antiga Escola Técnica de Engenharia (ETE), atualmente o Instituto Militar de Engenharia (IME), situado no Rio de Janeiro e o maior especialista, em sua época, em foguetes, tendo projetado e construído, com alunos e auxiliares, diversos artefatos bélicos, sendo o mais famoso trabalho do grupo, o foguete de sondagem construído em 1958 e que ficou conhecido como Félix I. Infelizmente, tal foguete não foi lançado ao espaço, devido a problemas políticos que envolveu todo o projeto. É um pedaço da história que estava encoberta e que apresenta fatos e acontecimentos em torno do Félix I que precisava chegar ao conhecimento público.

    Fonte: https://lnkd.in/eEm6cCvq

    -> "Atualmente, essa possibilidade é remota, novamente devido a questões políticas que afetaram todo o projeto do Programa Espacial Brasileiro." - "contra fatos não há argumentos".
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    #Mindset #Metanoia #Educação #Conhecimento #Realidade

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