Cientistas Têm Que Mostrar Eficiência, Diz Diretor Científico da FAPESP
Olá leitor!
Segue abaixo uma
entrevista com o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP), Carlos Henrique de Brito Cruz, postada ontem (15/12) no site do
jornal “Folha de São Paulo”, tendo como destaque a atual crise de financiamento
da Pesquisa Científica Brasileira.
Duda Falcão
CIÊNCIA
Cientistas Têm Que
Mostrar Eficiência,
Diz Diretor Científico da FAPESP
GABRIEL ALVES
FERNANDO TADEU MORAES
DE SÃO PAULO
Jornal Folha de
São Paulo
15/12/2017 - 02h03
Fotos: Karime
Xavier/Folhapress
O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique
de Brito
Cruz, em seu escritório.
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A atual crise de
financiamento da pesquisa científica é um dos temas mais discutidos no ambiente
acadêmico brasileiro. O orçamento minguou e muitos grupos não têm conseguido
manter suas atividades normais.
Para o engenheiro
eletrônico e diretor da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo, maior agência estadual de fomento do país), Carlos Henrique de Brito
Cruz, 61, além de lutar por mais recursos, os cientistas deveriam se preocupar
também com a eficiência no uso deles. "Quando há escassez cresce a
cobrança por resultados imediatos do dinheiro proveniente de impostos."
Em entrevista à Folha,
concedida em seu gabinete, ele defende mensurar essa eficiência com, por
exemplo, o número de empresas gestadas dentro de uma universidade ou criadas
por seus egressos.
*
Folha - Como
caracterizar a crise de financiamento da ciência?
Brito Cruz -
Há uma crise de financiamento de tudo que depende de arrecadação de impostos no
Brasil –ciência, saúde, educação, segurança, rodovias, energia .
Há despesas não
eletivas, como folha de pagamento e aposentadoria. E a constituição manda
gastar um percentual com educação, com saúde. Na área de ciência e tecnologia
existe um descompasso entre a grande restrição orçamentária nas despesas do
MCTIC com a restrição orçamentária no MEC, menor.
Como a maior
parte do gasto federal com ciência e tecnologia vem do MEC, a maior parte desse
gasto está menos comprimida, e a menor parte, do MCTIC, mais comprimida.
Do lado do MEC
garante-se o salário dos professores de universidades, mas para eles fazerem
pesquisa é necessário verba do CNPq ou da FINEP. O sistema fica desequilibrado.
Há uma
participação importante do setor privado nos investimentos no país, não?
No Brasil, a
participação do setor privado no gasto com pesquisa e desenvolvimento é de
cerca de 40% do total. Com a crise, porém, ela foi prejudicada: continua 40%,
mas são 40% de um valor menor que os R$ 70 bilhões gastos em 2014 (R$ 28 bi).
A crise de
financiamento não é uniforme em todas as regiões do país, certo?
No Estado de São
Paulo, onde o gasto federal é a menor parte, o efeito da crise é menor. Aqui
60% do gasto é das empresas e 23% do Estado. Só aí já deu 83%.
Nos demais
Estados, analisados em conjunto, o gasto federal chega a dois terços. Aí o
efeito da crise é enorme.
Há modelos de
financiamento que atenuem essa situação?
Em SP, onde o
governo tem uma política previdente sobre os gastos estaduais, as crises são
atenuadas. Em vez de uma baixa de 30% nos recursos, a queda é de 3% ou 4% –aí é
possível acomodar as finanças. Em outros Estados, a responsabilidade fiscal dos
governos poderia atenuar a crise. A FAPESP continua recebendo 1% da receita
tributária de SP.
O
desenvolvimento de parcerias para cofinanciamento também pode ajudar. Um
projeto que iria custar X, pode custar a metade disso porque você está fazendo
em conjunto com alguma agência de outro país, com uma empresa que vai custear a
outra metade.
Essas ideias são
medidas paliativas, não soluções. A situação criada no Brasil está gerando
sofrimento.
A demanda por
recursos deveria vir com uma discussão sobre eficiência no uso deles?
É um ponto muito
importante. A ciência merece ser financiada quando é boa, quando tem bom
impacto intelectual, econômico, social ou os três.
Está na hora de
buscarmos mais qualidade na pesquisa e em seus resultados e caminharmos de
métricas baseadas na quantidade para aquelas baseadas na qualidade.
Isso inclui, por
exemplo, ter uma discussão sobre quantos doutores precisam ser formados no
Brasil por ano e qual é a qualidade da formação que está sendo oferecida.
De que
maneiras é possível mensurar essa eficiência?
Você pode medir
quantos artigos publicados tem ao menos um autor numa universidade e outro numa
empresa. Isso mostra a intensidade dessa interação. Em São Paulo o crescimento
desse número nos últimos anos é exponencial.
Outra
possibilidade, muito usada por universidades no exterior, é aferir quantos dos
egressos criam empresas em setores mais modernos, que poderão ajudar a renovar
o ambiente industrial do país. Ao se comparar a UNICAMP com universidades
americanas nesse quesito, ela não fica mal.
Dá para saber
o prejuízo causado pela atual crise?
As cifras que aparecem
são muito desencontradas. Se pensarmos na economia, talvez um número crível
seja o PIB per capita do Brasil, que voltou ao valor de 2009 ou 2010.
Não parece
que a ciência sempre perde na briga por verba?
É mais difícil
para a ciência e tecnologia do que para um hospital demonstrar os benefícios
que ela traz.
Hoje se produz
mais alimentos porque há anos houve investimento em pesquisa na área da
agricultura; se mais impostos são recolhidos porque fabricamos aviões, é porque
houve pesquisa que ajudou o país a fabricá-los. Em casos como esses, houve
pesquisa e esforço. Se há uma cisão no aporte financeiro, há grandes chances de
haver sofrimento no futuro.
Não fica a
impressão de que só vale a pena investir em pesquisas aplicáveis, em detrimento
da pesquisa básica?
Quando há
escassez cresce a cobrança por resultados imediatos do dinheiro proveniente de
impostos, inclusive aquele que vai para ciência e tecnologia. É natural.
Um matemático
que recebe a medalha Fields, por exemplo, traz orgulho para seu país.
Sim, ele mostra
que a gente é capaz. A ciência tem essa complicação, ela não pode ser valorada
de uma maneira exclusivamente utilitária.
O fato de
existir atividade científica competitiva em nível mundial mesmo em temas nos
quais os benefícios não vão aparecer na semana que vem, favorece também
pesquisas e treinamentos em áreas mais práticas e imediatas.
Não é "uma
causa e um efeito", simplesmente. São causas difusas e efeitos que só
virão dali um tempo.
A razão pela
qual o contribuinte aceita que se use o dinheiro dele para financiar pesquisa é
que ele espera algum tipo de benefício: 1) a pesquisa melhora a vida na
sociedade, 2) faz a economia funcionar melhor, e/ou 3) traz conhecimentos que a
sociedade brasileira ou internacional valorize, tornando-a mais sábia, por
exemplo.
A questão é ter
um equilíbrio dessas três coisas, e ele pode ser diferente de acordo com a
época.
O que o sr.
pensa de iniciativas como as Marchas pela Ciência?
Acho legítimo,
como outras várias iniciativas de organizações científicas e de pesquisadores
para tornar a atividade científica mais visível.
Mas acho que tem
de haver equilíbrio nas ações em defesa da ciência e de seu financiamento
público. Não se deve exagerar ou criar uma perspectiva de catástrofe para
amedrontar pessoas visando o financiamento.
Pode acontecer o
efeito contrário, as pessoas podem dizer: "Se está tão ruim isso aí, para
que pôr mais dinheiro?".
Além de
evitar o catastrofismo, como esse debate poderia ser conduzido?
Valorizar e
demonstrar de maneira eficaz as realizações passadas ajuda. Ajuda mais se isso
for feito continuamente –não só na época de crise, mas também na de bonança.
Mas é uma
discussão na qual nem sempre os atores conseguem manter equilíbrio e
racionalidade. Tem gente vendo o salário não vir e o laboratório ao qual se
dedicaram anos e anos ser sucateado sem manutenção. É difícil
Como o sr. vê
iniciativas como o Instituto Serrapilheira e o fundo privado recentemente
anunciado pelo governo para financiar pesquisas de ponta?
Acho muito
positivas. Quanto mais você aumenta a diversidade de fontes de financiamento,
mais sólido fica o sistema. Se uma sofre, outra pode compensar.
O Serrapilheira
é uma ótima iniciativa. Sobre o fundo da Capes, eu não conheço os detalhes, mas
buscar outras maneiras de ter recursos para financiar a pesquisa é sempre uma
boa coisa.
Em abril, a FAPESP
anunciou que iria bloquear recursos para universidades que não tivessem órgãos
dedicados a promover a integridade científica, como está essa questão?
Está avançando.
Estabelecemos no documento de financiamento à pesquisa que os pesquisadores e
as instituições assinam com a FAPESP o compromisso de que as universidades
tenham esses órgãos. Estamos trabalhando com as instituições para incentiva-las
e ajudá-las a criar tais órgãos
A UFABC foi a
primeira a ter um. A USP acabou de definir uma sistemática muito avançada para
esse fim e a UNESP deve anunciar em breve.
Também
incentivamos as universidades a criarem escritórios cuja função é ajudar o
pesquisador a montar um projeto de pesquisa e a geri-lo quando este for
aprovado. A ideia é que o pesquisador não tenha o seu tempo onerado com tarefas
que não sejam científicas, que é o que todas as boas universidades do mundo
fazem.
Raio-X
Nascimento
19 de julho de
1956, no Rio
Formação
Graduação em
engenharia eletrônica pelo ITA, mestrado e doutorado em física pela UNICAMP
Trajetória
Foi pesquisador
nos Laboratórios Bell, da AT&T, entre outras entidades. Foi reitor da
Unicamp de 2002 a 2005 e presidente da FAPESP entre 1996 e 2002. Desde 2005 é
diretor científico da entidade
Fonte: Site do Jornal
Folha de São Paulo - 15/12/2017
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