As Lições de Ets a Um Planeta Autodestrutivo
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo do Sr. José Monserrat Filho
postada ontem (01/02) pelo companheiro André Mileski em seu "Blog Panorama
Espacial".
Duda Falcão
As
Lições de Ets a Um Planeta Autodestrutivo
“Tais extraterrestres teriam entendido que, para
garantir sua sobrevivência a
longo
prazo, precisariam erradicar a desigualdade social.” Marcelo Gleiser (1)
José
Monserrat Filho *
Que civilização, que valores, que mentalidade,
que tipo de vida estamos levando para o espaço cósmico, desde que aprendemos a construir foguetes,
satélites e naves espaciais, nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX? Quando
usaremos o espaço somente para fins pacíficos?
Já no século XXI, em 25 de janeiro de 2017, o
Relógio do Apocalipse – criado há 70 anos, em 1945, por cientistas do Projeto
Manhattan que inventaram as primeiras bombas atômicas – passou a marcar apenas
dois minutos e meio para a meia-noite, a hora estimada do colapso global da
Terra. Quais foram as razões da histórica decisão do Conselho de Ciência e
Segurança do Boletim dos Cientistas Atômicos (fundado e editado nos EUA), que,
antes, consultou o Conselho de Patrocinadores do Boletim, integrado também por
15 laureados com o Prêmio Nobel? (2) O Conselho assim resolveu com base em
declarações sobre o uso e a proliferação de armas nucleares de uma única pessoa
– o novo Presidente dos EUA, Donald Trump, no perigo das mudanças climáticas e
em desenvolvimentos na Coreia do Norte, Rússia, Índia e Paquistão?
A declaração conclusiva do Conselho de Ciência e
Segurança do Boletim afirma: "Em 2016, o panorama da segurança global
piorou. A comunidade internacional não logrou enfrentar com eficácia as ameaças
mais urgentes da humanidade, as armas nucleares e as mudanças climáticas. (…) A
situação mundial, por si já ameaçadora, foi o pano de fundo para o aumento do
nacionalismo estridente no mundo todo, inclusive na campanha presidencial dos
EUA. Nela, o vencedor, Donald Trump, fez comentários perturbadores sobre o uso
e a proliferação de armas nucleares e manifestou descrença no consenso
científico sobre as mudanças climáticas.” E acrescenta: "EUA e Rússia têm,
juntos, mais de 90% das armas nucleares do mundo, e discordam em várias
questões, da Síria à Ucrânia até as fronteiras da OTAN. Ambos continuaram
modernizando amplamente suas forças nucleares, e não houve em parte alguma
negociações sérias sobre o controle de armas. A Coreia do Norte realizou seus
4º e 5º testes nucleares subterrâneos e deixou claro que seguiria desenvolvendo
capacidades de produzir armas nucleares. As ameaças da guerra nuclear
perduraram, enquanto Paquistão e Índia se enfrentaram cautelosamente através da
linha de controle em Caxemira, após militantes atacarem duas bases indianas do
Exército.
Por que não são citadas a grave situação no
Oriente Médio e a corrida armamentista de que
participam ativamente os EUA, de um lado, e a China e a Rússia, de outro?
David Titley, Contra-almirante aposentado, membro
do Conselho de Ciência e Segurança do Boletim, Professor de Meteorologia da
Universidade Estadual da Pensilvânia e diretor fundador do Centro de Soluções
para o Clima e o Risco Climático, EUA, comentou: "A mudança climática não deve ser questão
partidária. A física bem estabelecida do ciclo de carbono da Terra não é nem
liberal nem conservadora em caráter. O planeta continuará a se aquecer a níveis
extremamente perigosos e o dióxido de carbono seguirá sendo bombeado para a
atmosfera – independentemente da liderança política. A atual situação política
nos EUA é especialmente preocupante. O governo Trump precisa declarar clara e
inequivocamente que aceita como realidade a mudança climática causada pela
atividade humana. Nenhum problema pode ser resolvido a menos que sua existência
seja reconhecida pela primeira vez. Não há ‘fatos alternativos’ aqui".
O General John Hyten, Chefe da Força Aérea e do
Comando Estratégico (Stratcom) dos EUA, falou sobre “dissuasão no espaço” no Centro de Segurança e
Cooperação da Universidade de Stanford, em 26 de janeiro, e disse que a Rússia
e a China representarão, em breve, uma ameaça às naves espaciais dos EUA, por
desenvolverem capacidades anti-satélite, inclusive armas a laser, e que “a
melhor maneira de evitar a guerra é estar preparado para a guerra”, como
informou o próprio DoD News, do Departamento de Defesa (Pentágono). A resposta
russa veio de Konstantin Sivkov, especialista militar e vice-presidente da
Academia de Assuntos Geopolíticos de Moscou, como noticiou a Agência Sputnik de
Washington em 30 de janeiro: a declaração do Gal. Hyten de que a Rússia e a
China logo serão uma ameaça às naves espaciais dos EUA mais parece uma
tentativa de justificar a instalação de armas no espaço pelo Pentágono (com o apoio
do Presidente Trump). (3)
Diante desse quadro de caos planetário, que
inclui partes crescentes do espaço cósmico, embora infelizmente pouca gente
saiba disso, o citado físico Marcelo Gleiser imaginou um
“projeto alienígena em escala global de proteção aos recursos naturais e
justiça social”, que, a seu ver, pode ser chamado de “socialismo natural” (4).
O resultado do projeto ele considera “revolucionário”: os alienígenas
“entenderam que uma relação predatória com o seu planeta e com outras formas de
vida levaria, mais cedo ou mais tarde, à sua própria destruição” e que “seu
planeta, mesmo sendo muito grande e fértil, tem recursos limitados” e “uma
exploração irracional dele o transformaria num deserto”. E mais: “Os
alienígenas teriam aprendido a viver com – e não contra – o seu planeta,
respeitando seus recursos e planejando cuidadosamente como explorá-los de forma
sustentável.” E mais ainda: “Os alienígenas teriam entendido a
interconectividade de todas as criaturas vivas; saberiam que ocupar o topo da
cadeia alimentícia significa ter a reponsabilidade de preservar a biosfera, de
modo a entender o uso de seus recursos por períodos ilimitados. Teriam
aprendido que, para viver, precisariam encontrar encontrar meios de respeitar a
diversidade da vida. Isso só poderia ocorrer se houvessem redefinido sua
relação com outras criaturas vivas.”
A utopia de Marcelo Gleiser vai além, como já
realçamos: “Tais extraterrestres teriam entendido que, para
garantir sua sobrevivência a longo prazo, precisariam erradicar a desigualdade
social; teriam entendido que a disparidade financeira (se tivessem uma
economia) e a exploração cultural levam à pobreza e à instabilidade social,
ambas causas dominantes da predação planetária. Para assegurar sua
sobrevivência como espécie, teriam criado valores morais que garantissem a
igualdade social, dividindo recursos de forma justa e equilibrada.” Eles
igualmente teriam entendido que as metas socioecnonômicas pedem pelo
“sacrifício dos que detém mais recursos, mas saberiam também que esses
sacrifícios seriam temporários, garantindo a sobrevivência de todos”.
Sobre o polêmico tema da competição entre as
pessoas, Marcelo Gleiser conta que os alienígenas “não
teriam erradicado a competição, pois saberiam que ela é essencial para a inovação
e a felicidade individual e coletiva, mas teriam criado mecanismos para
assegurar que todos tivessem as mesmas oportunidades de atingir o sucesso”.
Talvez fosse melhor falar em “ser bem sucedido” ou “ficar plenamente
satisfeito”, pois “atingir o sucesso” está muito ligado à “conquista do
estrelato”, que alimenta o vício da egolatria, nem sempre digno e respeitável.
No caso, tem-se em vista certamente a competição justa, a ação de disputar ou
concorrer de maneira honesta, generosa, construtiva e socialmente benéfica,
como costuma ocorrer, por exemplo, nas atividades esportivas. Por outro lado, a
competição nos negócios, sobretudo nos negócios milionários e bilionários, pode
ser devastadora. Basta ver o que escreve um renomado economista norte-americano
(5): “Maximizing shareholder value displaced problems of competitiveness in a
new and a Darwinian environment.” (“A maximização do valor das ações dos
acionistas desloca o problema da competitividade para um terreno novo, o do
darwinismo”, em tradução livre, sendo o darwinismo interpretado como luta
desenfreada em que vence o mais apto, forte e/ou poderoso). Trata-se da
competição selvagem, que desumaniza a nossa espécie.
Marcelo Gleiser conclui com um convite memorável: “Esses alienígenas teriam sobrevivido por
milhões de anos, criando uma sociedade que mal podemos imaginar. Temos muito
trabalho pela frente.” Ou seja, precisamos urgentemente mover para trás os
ponteiros do Relógio do Apocalipse. Não há mais tempo a perder.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de
Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto
Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de
Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB).
E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) O que aprendi com os ETS – A Cartilha do
“socialismo natural” dos alienígenas, artigo de Marcelo Gleiser, professor de
Física, Astronomia e Filosofia Natural no Dartmouth College, EUA, publicado no
caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo, de 29 de janeiro de 2017. Gleiser é
autor de inúmeros livros, entre os quais A Simples Beleza do Inesperado, A Ilha
do Conhecimento, O Fim da Terra e do Céu, A Dança do Universo.
2) Ver texto completa da Declaração da Comissão
de Ciência e Segurança do Boletim no site: Http://thebulletin.org/sites/default/files/Final%202017%20Clock%20Statement.pdf
. Em janeiro de 2015, o Relógio do Apocalipse avançou de cinco para três
minutos para a meia-noite, o mais próximo desde a corrida armamentista dos anos
80. Em janeiro de 2016, seguiu marcando três minutos para a meia-noite. E
agora, em janeiro de 2017, avançou 30 segundos.
4) Ver artigo mencionado na primeira referência.
5)
Cioffi, John W., Public Law and Private Power – Corporate Governance Reform in
the Age of Finance Capitalism, USA: Cornell University Press, 2010, p. 85. Cioffi é Professor Assistente de Ciência Política na
Universidade da Califórnia, Riverside. Vale ler também o livro Pilhagem –
Quando o Estado de Direito é Ilegal, de Ugo Matei e Laura Nader, São Paulo:
Martins Fontes Editora, 2013. Ugo Matei é Professor de Direito Internacional e
Comparado da Universidade da Califórnia, Hastings, EUA, e da Universidade de
Turim, Itália, e Laura Nader é Professora de Antropologia da Universidade da
Califórnia, Berkeley, EUA.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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