Ondas de Matéria do Universo Jovem
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo publicado na edição
de fevereiro de 2017 da “Revista Pesquisa FAPESP”, destacando que o Radiotelescópio BINGO a ser construído no Uruguai
com participação brasileira deve examinar os efeitos da interação entre o
hidrogênio e a radiação eletromagnética.
Duda Falcão
POLÍTICA C&T
Ondas de Matéria do Universo Jovem
Radiotelescópio a ser construído no Uruguai deve examinar
os efeitos
da interação entre o hidrogênio e a radiação
eletromagnética
CARLOS FIORAVANTI
Revista Pesquisa FAPESP
ED. 252 | FEVEREIRO 2017
© BENJAMIN WINKEL / HI4PI COLLABORATION
Após três anos de planejamento e a liberação de
financiamento de agências do Reino Unido e do Brasil, deve começar neste ano,
no norte do Uruguai, a construção de um radiotelescópio com o qual se planeja
identificar uma frequência específica da radiação eletromagnética emitida pelo
hidrogênio há bilhões de anos. Com esse novo equipamento, físicos brasileiros,
ingleses, suíços, uruguaios e chineses pretendem obter mais informações sobre a
distribuição das galáxias e fenômenos ocorridos quando a matéria se separou da
radiação eletromagnética, 370 mil anos depois da explosão que teria originado o
Universo, o Big Bang, ocorrida cerca de 13,7 bilhões de anos atrás.
As partículas atômicas formavam um plasma, com uma
temperatura de cerca de 3 mil graus Celsius na época da separação entre matéria
e radiação, segundo os especialistas. “No plasma primordial havia ondas de
matéria formadas pela interação entre matéria e radiação eletromagnética. Após
a separação de matéria e radiação, as ondas que se propagavam no espaço
congelaram, gerando correlações na distribuição de matéria”, explica o físico
Élcio Abdalla, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo
(IF-USP) e coordenador do projeto, ao lado do físico Carlos Alexandre Wuensche,
pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
O radiotelescópio ganhou o nome de Bingo, sigla de Baryon
Acoustic Oscillations in Neutral Gas Observations ou observações de gás neutro
(neste caso, o hidrogênio) das oscilações acústicas bariônicas, que são as
ondas geradas pela interação dos átomos (ou matéria bariônica) com a radiação.
O objetivo é medir uma radiação típica do hidrogênio, elemento mais comum do
Universo, em uma linha de emissão eletromagnética com um comprimento de onda de
21 centímetros, o equivalente, em frequência, a 1,421 gigahertz (GHz), que
chega à Terra com frequências entre 0,9 e 1,2 GHz, por causa da distância em
que essa radiação foi emitida.
Colaboração
Na construção dos equipamentos e montagem do telescópio,
os brasileiros, por meio da FAPESP, participam com R$ 12 milhões e os ingleses
com cerca de US$ 850 mil, enquanto os suíços se comprometeram a produzir e
enviar equipamentos orçados em US$ 800 mil e os chineses asseguraram um financiamento
mínimo de US$ 300 mil, segundo Abdalla. “Há várias razões para o Brasil
participar e liderar um projeto como o Bingo”, ele afirma. Segundo o físico, a
construção do radiotelescópio proporcionará “uma transferência maciça de
conhecimento técnico para o Brasil”, por meio da interação com equipes de
outros países, para a construção de novos tipos de equipamentos. Como exemplo,
ele citou o grupo da Universidade de Manchester, na Inglaterra, que lidera a
construção de radares desde a Segunda Guerra Mundial. Por sua vez, a
colaboração com os suíços pode resultar no aprimoramento das equipes
brasileiras em instrumentação e observações de micro-ondas. “Esta é a primeira
grande colaboração internacional liderada pela equipe de São Paulo e certamente
terá consequências muito positivas para nossa área no Brasil, principalmente
também por testar teorias que foram formuladas no país”, enfatiza Abdalla.
“Do ponto de vista científico, esse é um projeto de
primeira linha, que investigará um dos mais profundos mistérios da natureza: o
fato de que uma parte escura e desconhecida do Universo é responsável por 95%
de sua constituição”, afirma Abdalla. Um dos membros do comitê supervisor do
projeto do radiotelescópio no Uruguai, Steve Torchinsky, físico do Observatório
de Paris, disse a Pesquisa FAPESP: “Dizemos que o Universo está em
expansão acelerada, mas não sabemos por quê. Chamamos esse mistério de energia
escura, mas não conhecemos sua natureza nem como funciona. É possível que o
Bingo ajude a desvendar o mistério da energia escura, fazendo uma imensa
contribuição para nossa compreensão do Universo, a um custo bastante
acessível”.
As informações obtidas com o radiotelescópio devem também
servir para testar a hipótese do grupo da USP de que a energia escura – uma forma
hipotética de energia que responde atualmente por cerca de 68% da energia do
Universo e seria responsável por sua contínua expansão – poderia interagir com
a matéria escura – supostamente responsável por cerca de 27% da massa do
Universo, mas ainda não observada diretamente –, explicando a formação e
distribuição de massa no universo.
Por meio do novo radiotelescópio, se funcionar como
esperado, “poderemos conhecer a história da expansão do Universo com bastante
precisão”, disse a Pesquisa FAPESP Mark Birkinshaw, físico da
Universidade Bristol, do Reino Unido, que participa do projeto. Ele ressaltou
uma das dificuldades a serem enfrentadas: o sinal de rádio do Bingo é bastante
fraco e, por isso, “uma grande quantidade de dados precisa ser tomada”. Segundo
Birkinshaw, outro desafio será remover ou evitar interferências externas, já
que a faixa de frequência em que o radiotelescópio vai operar é próxima à de
aparelhos como celulares, televisões, aviões e satélites – exatamente para
reduzir os ruídos é que o radiotelescópio deverá ser construído em um lugar
pouco povoado do norte do Uruguai.
“A construção do Bingo será de grande relevância para a
comunidade científica do Uruguai”, comenta o físico Gonzalo Tancredi, da
Universidade da República, em Montevidéu. “Temos um grupo forte de astronomia
em ciências planetárias e outro de física teórica em gravitação quântica, mas
não há pesquisa em cosmologia observacional”, conta. “O Bingo nos permitirá
entrar em contato com os líderes internacionais nessa área. Será também uma
oportunidade para aprender sobre o estado da arte nas técnicas de detecção e
análise de ondas de rádio.” Segundo ele, o Departamento de Telecomunicações do
Ministério da Indústria está muito interessado no projeto.
De acordo com o projeto, o Bingo terá dois espelhos, um
de 48 metros (m) de diâmetro com uma inclinação de 45º e outro vertical de 40
m, o equivalente a um prédio de 16 e outro de 13 andares. Os espelhos serão
sustentados por uma estrutura de metal com uma massa que Clive Dickinson, físico
da Universidade de Manchester, estimou em 80 toneladas e um custo próximo a US$
1 milhão. Sustentadas por uma estrutura semelhante, a cerca de 10 m da base,
estarão 50 caixas com as chamadas cornetas, cones com 4,7 m de altura por 1,7 m
de diâmetro. Formadas por sucessivos anéis de alumínio com diâmetros diferentes
e com um peso estimado em 380 quilogramas cada uma, as cornetas deverão captar
os sinais no segundo espelho.
Corrida Mundial
Diferentemente de outros radiotelescópios, cuja antena se
move para varrer o céu, o Bingo será fixo e observará uma área de 15° em busca
da radiação de 1 GHz das nuvens de hidrogênio neutro de aglomerados de
galáxias. “A equipe do Bingo está tentando, ao mesmo tempo que outros grupos,
fazer algo difícil e com outros equipamentos”, observou Birkinshaw. “Há uma
corrida interessante acontecendo.”
O Bingo será menor que os similares em construção em outros
países para analisar as oscilações bariônicas e estudar a energia escura, mas
terá um custo menor. Segundo Abdalla, o Bingo será menos eficiente que o Square
Kilometer Array (SKA), cujos espelhos devem ser construídos na África do Sul e
as antenas na Austrália, e o tamanho do radiotelescópio do Uruguai será próximo
ao do Canadian Hydrogen Intensity Mapping Experiment (Chime), em construção no
Canadá, e ao Tianlai, da China.
Em Cachoeira Paulista, um radiotelescópio do INPE chamado
Mapeamento da Emissão Galáctica (GEM, em inglês), em operação desde o início
dos anos 2000, com uma antena de 5,5 m, cobre 47% do céu e registra a radiação
da Via Láctea em frequências de 0,4 GHz a 5 GHz. Segundo Thyrso Villela, físico
do INPE que integra a equipe brasileira, um dos mapas celestes mais recentes
gerados por esse radiotelescópio, definindo a variação da intensidade da
radiação de 1,465 GHz de nossa galáxia, deve ajudar a equipe do Bingo a
entender melhor as informações vindas, ao mesmo tempo, de milhões de galáxias.
Projeto
O Telescópio BINGO: A nova janela de 21 cm para
exploração do Universo Escuro e outras questões astrofísicas (nº 14/07885-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador
responsável Elcio Abdalla (USP); Investimento R$ 12.232.307,59.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 252 - Fevereiro
de 2017
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