Conflitos no Espaço e Estado de Direito
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante artigo do Sr. José Monserrat
Filho postada ontem (08/01) pelo companheiro André Mileski em seu Blog
“Panorama Espacial”.
Duda Falcão
Conflitos no Espaço e
Estado de Direito
José Monserrat Filho *
“Sejam
quais forem as novas conquistas do direito internacional, espero que ajudem
minha geração a proporcionar a meus filhos um mundo mais pacífico e próspero.” Andrew T. Guzman1
Sobre este
tema sempre atual, o Instituto de Direito Aeronáutica e Espacial, o
Centro de Pesquisa em Direito Aeronáutico e Espacial e a Faculdade de Direito
da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, promovem, em 27 e 28 de maio
próximo, a 4ª Conferência Internacional Manfred Lachs. Há muito a discutir e
esclarecer a respeito, se quisermos conquistar um sistema sólido de paz,
segurança e cooperação no espaço – que o mundo inteiro hoje tanto necessita.
O espaço
tem sido lugar de conflitos desde os primeiros foguetes V1 e V2,
construídos na Alemanha nazista por mão de obra escrava, quase no fim da
II Guerra Mundial (1939-1945). Nenhum deles foi ao espaço, como queria seu
criador, o engenheiro e Major SS do exército de Hitler Wernher von Braun. O V-2
acabou usado para bombardear a Antuérpia, a Bélgica e o Reino Unido, sobretudo
Londres, a partir de setembro de 1944, com milhares de vítimas e centenas de
prédios destruídos. Braun nunca foi julgado por seus crimes de guerra. Vencido
o nazismo, ganhou bom emprego nos Estados Unidos (EUA). Foi até Diretor de
Mísseis Balísticos do Exército.
Também o
Sputnik-1 não foi fruto de cooperação científica pacífica.
Primeiro satélite artificial da Terra, lançado em 3 de outubro de 1957 pela
ex-União Soviética (URSS) como parte do Ano Geofísico Internacional (1957-58),
resultou na realidade num grande avanço da Guerra Fria deflagrada em 1947 entre
EUA e URSS.
Qual deles
construiria primeiro um míssil balístico intercontinental? A Guerra Fria
preparava outra Guerra Quente, para exterminar com o rival. Dez anos depois, em
1957, a URSS logrou lançar o primeiro míssil balístico intercontinental. Antes
dos EUA. Era o R-7, logo apelidado de “Semiorka” (o grande sete).
Foi o R-7,
usado como veículo lançador de satélite, que colocou em órbita o Sputnik-1,
em 4 de outubro de 1957. Simples e inofensiva esfera de alumínio com cerca de
50 cm de diâmetro e 83,6 kg de peso, ele era equipado com apenas quatro antenas
e dois transmissores de rádio (20,007 e 40,002 MHz), que emitiam o som de
“bip-bip-bip”, sintonizado por qualquer rádio amador. Orbitava a Terra a cada
96,2 minutos, a uma distância entre 938 km e 214 km. A análise de seus sinais
de rádio continha dados sobre a concentração de elétrons na ionosfera que
indicavam pela temperatura e a pressão se ele tinha sido perfurado por um
meteorito.
Essa não
era, porém, sua única missão. Também não servia apenas para revelar que voava
num espaço inteiramente novo para os humanos. Muito acima do espaço aéreo. Lá
orbitou até 4 de janeiro de 1958, quando se incinerou ao reentrar na atmosfera.
O “bip-bip-bip” calou-se em menos de um mês. A bateria dos transmissores
acabara. Ainda assim, o Sputnik-1 teve a suprema honra de inaugurar a Era
Espacial e tornar-se uma referência histórica para todo o sempre.
Aos bons
entendedores nos EUA, o modestíssimo satélite artificial pioneiro
anunciava o surgimento de um míssil intercontinental capaz de atingir o outro
lado do mundo, ou seja, o território americano, que deixava de ser
invulnerável. Suas ogivas nucleares já não eram as únicas e ainda tinham de ser
transportadas em aviões, como em Hiroshima e Nagazaki, em agosto de 1945.
Pesando quatro toneladas, o míssil “Semiorka” fora criado para lançar ogivas
nucleares.
A
construção do primeiro satélite espião, de codinome Corona, foi decidida em 1955,
nos EUA, dois anos antes do lançamento do Sputnik-1. O programa entrou em ação
em 1959 e, com versões aperfeiçoadas, funcionou até 1972. O programa do
primeiro satélite espião soviético, o Zênit, lançado em 1961, prolongou-se até
os anos 90.2 Os satélites de reconhecimento (espionagem espacial) foram
legalizados como “meios técnicos nacionais de verificação” do cumprimento de
acordos sobre controle de armamento e desarmamento firmados entre EUA e URSS,
inclusive o Tratado ABM, de 25 de maio de 1972, que limita os sistemas
antimísseis – posteriormente denunciado pelo Presidente dos EUA, George W.
Bush, em 13 de dezembro de 2001.³
As
negociações de paz e certa cooperação só vieram depois do Sputnik-1,
para amenizar o sinistro espectro de conflitos espaciais que poderia causar
danos e perdas mundiais inestimáveis.
A criação do
Direito Espacial nos anos 60 e 70 foi um progresso notável. Pelo “novíssimo
direito”, na expressão de Haroldo Valladão4, os conflitos seriam resolvidos
pelo caminho da paz, do entendimento, do acordo, do direito. Em apenas 12 anos,
de 1967 a 1979, aprovaram-se os cinco tratados espaciais básicos destinados a
todos os países do mundo5. São tratados comprometidos com a solução pacífica
das controvérsias – como reza a Carta das Nações Unidas –, a começar pelo
Tratado do Espaço, o código maior do espaço e das atividades espaciais,
ratificado por 103 países.
A criação
dos fundamentos do Direito Espacial em velocidade cósmica,
como se disse à época, não logrou, porém, construir um regime de
segurança duradoura e cooperação profunda nas atividades espaciais. No fim dos
anos 70, EUA e URSS começaram a criar armas antissatélites6, até agora não
usadas em conflitos, mas que continuam a ser desenvolvidas ainda hoje, prontas
para entrar em cena. Em 1983, os EUA lançaram a Iniciativa Estratégica de
Defesa (SDI), conhecida como “Programa Guerra nas Estrelas”7, que prevê a
instalação de armas no espaço e existe ainda hoje, embora em menor escala.
Após longo
período de Guerra Fria, aparentemente concluída no fim dos anos 80, assistimos
agora ao que muitos chamam de “nova Guerra Fria”8,
com EUA, China e Rússia armando-se incessantemente para um conflito do qual
ninguém sabe se sairá vencedor e que poderá causar males indizíveis à
humanidade. Enquanto isso, a opinião pública mundial tem dois projetos para
debate sobre o tema: a proposta do Tratado Sobre a Prevenção Contra a
Instalação de Armas no Espaço, e a Ameaça ou Uso de Força Contra Objetos no
Espaço9, apresentado por Rússia e China, em 2008, à Conferência sobre o
Desarmamento, em Genebra, bem como o Código Internacional para Atividades
Espaciais10, proposto pela União Europeia e destinado a prevenir a crescente
militarização do espaço, mas que admite o direito de autodefesa, capaz de justificar
conflitos bélicos no espaço, como tem ocorrido na Terra.
Apesar da
intensa militarização do espaço, muitos têm sido os benefícios científicos,
tecnológicos e práticos trazidos à humanidade por sua exploração e uso pacífico
desde o início da Era Espacial. Produtos e serviços produzidos por satélites
tornaram-se indispensáveis em áreas essenciais, como as de comunicações,
agricultura, transportes, sistemas de saúde, previsão do tempo, enfrentamento
de desastres naturais, monitoramento das mudanças climáticas, funcionamento dos
bancos e instituições financeiras, segurança nacional e global, controle
internacional de armamentos, entre outras.
A Era
Espacial é contraditória. Utilidades pacíficas imprescindíveis convivem
com seríssimos riscos, ameaças, perigos, desastres e desacordos em distintos
campos. O explosivo desenvolvimento do uso militar do espaço impulsiona sempre
mais a capacidade destrutiva de grandes potências. Mas ainda há outros
conflitos e litígios direta ou indiretamente vinculados a este último, sem
dúvida o pior de todos.
São seis,
por ora, os subtemas do debate sobre Conflitos no Espaço e Estado de Direito:
Desenvolvimentos Tecnológicos e Novas Ameaças; Questões Espaciais Estratégicas
Emergentes – Áreas de Conflitos Potenciais; Conflitos em Torno da Explotação
dos Recursos Naturais do Espaço (como, por exemplo, a nova lei sancionada pelo
Presidente Obama, em 25 de novembro passado, que estabelece o direito de
propriedade privada para as empresas dos EUA sobre os recursos naturais que elas
extraírem de asteroides, de outros corpos celestes e do espaço em geral);
Diferentes Formas de Uso da Força no Espaço; Conflitos no Espaço e Direito
Internacional Humanitário; e O Caminho a Seguir.11 Novas questões poderão ser
sugeridas para enriquecer o encontro. A ideia é promover uma discussão
efetivamente contemporânea, esclarecedora e construtiva.
*
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial
(SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial,
Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da
Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Guzman, Andrew T., How international law works: a
rational choise theory, United States, New York: Oxford University Press, 2008,
p. XI.
2) Riechelson, Jeffrey T., A Century of Spies –
Intelligence in the Twentieth Century, United States, New York: Oxford
University Press, 1995. pp. 295-301.
3)
Legislação Internacional, organzação Ricardo Seitenfus, São Paulo: Manole, 2ª
ed., 2009.
4)
Valladão, Haroldo (1901-1987), Direito Interplanetário e Direito Inter Gentes
Planetárias, in Paz, Direito, Técnica, Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1959, pp. 399-431.
5) Tratado
sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do
Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes (Tratado do Espaço),
de 1967; Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e
de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, de 1968; Convenção sobre Responsabilidade
Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais (Convenção de
Responsabilidade por Danos), de 1972; Convenção Relativa ao Registro de Objetos
Lançados no Espaço Cósmico (Convenção de Registro), de 1976; Acordo que Regula
as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes (Acordo da Lua),
de 1979.
6) Ver
www.globalsecurity.org/space/systems/asat-overview.htm, www.space4peace.org/asat/asat.htm,www.ucsusa.org/nuclear-weapons/space-security/a-history-of-anti-satellite-programs#.Vo59u2HC1z.
7) Buzan, Barry, e Hansen,
Lene, Tradução de Flávio Lira, A evolução dos estudos de segurança
internacional, São Paulo: Ed. Unesp, 2012; The
Star War Controversy – An International Security Reader, Edited by Steven E.
Miller and Stepahn Van Evera, United States, New Jersey, Princeton University
Press, 1986. Ver www.atomicarchive.com/History/coldwar/page20.shtml.
8) Ver https://dinamicaglobal.wordpress.com/2015/06/26/a-estrategia-de-confrontacao-dos-eua-e-a-nova-.
9) Ver
https//www.reachingcriticalwill.org/images/documents/Disarmament-fora/cd/2008/documents/Draft PPWT.p.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
é por certo que tanto a URSS quanto os EUA , se apossaram de V1 e V2 da derrotada Alemanha , além de Roubar também uma parte dos seus Cientistas que criaram os V1 e o V2 , isso é uma Gigante começo, no entanto a determinação de duas verdadeiras potências Mundiais fez toda diferença a humanidade.
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