O que aconteceu (vai acontecer) com o Congresso Aeroespacial Brasileiro?

Olá, leitora e leitor do Brazilian Space! 

Olá, em especial, você pesquisador, acadêmico, (aero/astro)empresário e entusiasta da temática aeroespacial no Brasil!

O Congresso Aeroespacial Brasileiro (CAB) foi um evento acadêmico, científico e tecnológico que teve a sua primeira edição realizada no ano de 2018 (01 a 03 de novembro), tendo sido sediado pelo Centro Universitário Uniamérica na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná (veja aqui).

Imagem: Capa do site do III CAB.

A sua segunda edição ocorreu, também com grande sucesso, no ano seguinte, tendo sido sediado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul.

Com o sucesso das duas primeiras edições, a comunidade aeroespacial nacional votou e aprovou a candidatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por intermédio dos representantes do seu curso de Engenharia Aeroespacial, como sede da 3a edição do evento, que deveria ter ocorrido em setembro de 2020, conforme divulgado à época (veja aqui).

Seguindo a linha de busca pelo diálogo e sinergia das instituições ligadas aos setores aeronáutico e astronáutico do país, o III CAB foi idealizado para promover o contato e trocas entre as partes interessadas do nosso setor, por meio de diferentes espaços para abordagem das temáticas (guiados por grandes nomes nos assuntos tratados), tais como: palestras, sessões técnicas, mesas-redondas, feira de oportunidades, visitas técnicas, competições científicas, mostra tecnológica e minicursos.

No entanto, com o avanço da pandemia no ano de 2020, os organizadores do evento postergaram a sua realização e, segundo o site oficial do mesmo, que ainda encontra-se ativo (vide aqui), o congresso deveria ter sido realizado em setembro de 2021, o que evidentemente, como todos sabemos, não ocorreu.

Os dois primeiros CAB

Primeiro evento de grande porte idealizado e realizado pela comunidade acadêmica dos cursos de engenharia aeroespacial do Brasil, sem ter sido sediado ou patrocinado exclusivamente por entes governamentais, o I CAB se propôs a expandir o debate sobre o Programa Espacial Brasileiro (PEB) para além dos portões dos entes governamentais, através de "Diálogos entre Academia, Indústria e Política Pública em prol de um Programa Espacial Brasileiro (PEB) sustentável e impactante", mote do evento.

Tendo como seu coordenador-geral o prof. Dr. Oswaldo Loureda (a época docente da UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-Americana), o evento foi marcado pela presença do então nomeado Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Astronauta Marcos Pontes, e pela elaboração e aprovação pelos membros do congresso da "Carta de Foz Iguaçu", entregue em mãos ao futuro ministro, documento em que a comunidade aeroespacial nacional apresenta, em 24 tópicos, os principais pontos de atenção para a mudança do setor espacial brasileiro (governo, mercado e academia), de modo a torná-lo sustentável e impactante, como vemos acontecer em todos os países de destaque nesse tema (veja os anais do I CAB aqui e os tópicos da Carta de Foz do Iguaçu, em destaque, aqui).

Além dos excelentes trabalhos acadêmicos, apresentações e debates do evento, o espírito de colaboração e de visão de futuro do congresso pode ser muito bem compreendido pelas brilhantes palavras da introdução dos anais no evento, de autoria do Dr. Oswaldo Loureda:

"... 

A última década tem sido especialmente pouco produtiva em termos do PEB, com diversas iniciativas nobres no campo acadêmico, e no ambiente das startups, porém com pouquíssimo apoio governamental, inclusive com órgãos beirando a paralização pela falta de pessoal. Em paralelo, no Brasil, vivemos uma explosão de grupos universitários dedicando-se no projeto e construção de foguetes e cansats/cubesats, assim como um aumento linear no número de bacharelados em engenharia aeroespacial, chegando a 6 ativos no momento.

Também é notável o fervor NewSpace que tem surgido globalmente nessa última década, muito motivado por um ímpeto de democratização do espaço inaugurado pela SpaceX, mostrando que até as startups podem desempenhar um papel de destaque nesse cenário, como a exemplo de RocketLab, ISIS, GomSpace, Vector e outras centenas que tem surgindo mundo a fora. 

Pensando nesse momento ímpar de desenvolvimento aeroespacial global, e principalmente no grande número de engenheiros aeroespaciais brasileiros que estarão buscando oportunidades muito brevemente, um conjunto de profissionais do setor iniciaram discussões para estabelecer um evento periódico com o fim principal de aproximar os 3 principais pilares do desenvolvimento; academia, indústria e governo.

O 1º CAB foi modelado de forma a trazer ao debate temas de grande relevância acadêmica e industrial, porém, devido ao delicado momento de transição do final de 2018, diversos temas de viés organizacional e estratégico também foram contemplados, com a presença de gestores estratégicos do SINDAE, inclusive com diversos colaboradores internacionais, de forma a somar com sugestões e discussões de novas políticas e processos metodológicos para nosso PEB. Nesse cenário, dezenas de profissionais e alunos independentes da comissão organizadora dessa edição do CAB, trabalharam na construção de uma carta aberta, a Carta de Foz do Iguaçu, entregue ao recém indicado Ministro do MCTIC, Cel. Marcos C. Pontes, com diversas sugestões gerais de melhorias para o PEB.

..." (Oswaldo Loureda, 2018 - Anais do I CAB)

Sobre como as sugestões apresentadas foram aproveitadas pela atual gestão do PEB, vale a pena ler a matéria (Um Balanço dos 100 Dias do Governo Bolsonaro Para o Setor Aeroespacial à Luz da Carta de Foz do Iguaçu) e comparar a com situação atual do PEB.

A preferência ou ênfase dada ao segmento espacial do I CAB se deveu ao fato (de domínio público) do mesmo ser o mais atrasado e desprivilegiado, quando comparado com o setor aeronáutico, por exemplo, como bem defendido pelo coordenador do evento na sua apresentação.

Com o sucesso do primeiro CAB, em 2019 (16 a 19 de setembro) o 2o CAB foi realizado na cidade de Santa Maria - RS, tendo sido sediado pela UFSM (veja aqui). Mais amadurecido e equacionando melhor as atenções para os dois segmentos (aeronáutico e espacial), o congresso contou com a diferenciada infraestrutura acadêmica, de pesquisa, industrial, aeronáutica e de defesa do município de Santa Maria para prever atividades com temáticas aeronáuticas e aeroespaciais, dentro da UFSM e da Unidade Regional Sul do INPE, na Base Aérea de Santa Maria, entre outros.

Contando com a breve presença do já empossado Ministro Marcos Pontes e de integrantes da nova gestão do PEB, esse segundo evento foi ainda maior que o primeiro e, sob a brilhante coordenação do prof. Dr. André Luís da Silva e demais integrantes da UFSM, ampliou o número de trabalhos apresentados, de palestras e dos Debates e Diálogos entre os Atores do Setor Aeroespacial Brasileiro” (tema do evento).

Seguindo a linha de interlocução do I CAB, além do aumento do número e da qualidade dos trabalhos acadêmicos, o II CAB conseguiu estabelecer um ambiente para discussão de parcerias, projetos e colaboração entre as instituições, de modo a propiciar uma melhor interação entre as áreas de aeronáutica e astronáutica. Somado a isso, percebeu-se a clara ideia de promover a sinergia dos participantes com o Programa Espacial Brasileiro (PEB), promovendo a integração com estudos estratégicos e a análise sobre o contexto estratégico e geopolítico (nacional e internacional), bem como a a  discussão sobre temas tecnológicos e produtivos, com uso das tecnologias aeroespaciais na defesa e segurança e de novos modelos de produção e de inovação, expandindo o escopo do evento para muito além da visão acadêmica e da pesquisa científica.

Dessa forma, o evento também ajudou a fomentar a cultura de trabalho da engenharia aeroespacial nas instituições, através da sua natureza interdisciplinar, o que propicia que trabalhos de diversos setores possam ser aproveitados em oportunidades do setor aeroespacial.

Vamos deixar o CAB morrer?

Portanto, considerando o sucesso das duas edições do Congresso Aeroespacial Brasileiro e diante dos desafios e oportunidades que o setor aeroespacial vem vertiginosamente experimentando nos últimos anos, principalmente fora do Brasil, não realizar esse evento e deixar que o mesmo, por ventura ou conveniências de momento, definhe é um atentado ao futuro da pesquisa, do desenvolvimento e da produção do setor aeroespacial nacional.

Cabe lembrar que, por mais que a pandemia tenha, sem sobras de dúvidas, impactado muito as vidas de todos, muitos outros eventos nacionais e internacionais foram realizados nesse período de forma virtual / on-line. Como exemplo, tivemos workshops no INPE com extensa programação e o próprio IAC (International Astronautical Congress), um dos maiores eventos mundiais do setor, ambos realizados on-line.

Assim, diante desse triste cenário e do silêncio da comunidade espacial brasileira, nos cabe perguntar*:

- O que aconteceu ou vai acontecer com o Congresso Aeroespacial Brasileiro?

- A comunidade aeroespacial brasileira não quer mais discutir, debater, criticar e propor novos caminhos para o setor espacial nacional (academia, mercado e governo), de forma autônoma e independente?

- Por ventura, estaria o setor aeroespacial do Brasil tão bem que já não precisa do CAB?

- Vamos deixar o CAB morrer?

- Não seria possível se pensar e organizar um evento on-line?

Então, mesmo entendendo alguns aspectos da excepcionalidade do momento diante da pandemia, é preciso que a comunidade espacial brasileira reaja e não deixe o CAB se extinguir.


Rui Botelho
Editor do Brazilian Space

* O Editor do Brazilian Space entrou em contato com a UFMG por 2 vezes em 2020, quando obteve parte das informações acima. Antes da publicação da presente matéria, foi realizado um novo contato, mas sem respostas.

Comentários

  1. Bom dia amigos do BS!

    Concordo em gênero, número e grau com as colocações do Prof. Rui Botelho. E realmente não podemos deixar o CAB morrer. A comunidade espacial do país precisa se unir e se manifestar buscando uma solução para está questão. De minha parte não vejo motivo nenhum para que o evento não seja presencial (eu mesmo participei de um evento recente aqui em Salvador), porém se a própria comunidade achar que ainda não é o momento, não há razão nenhuma para não realizá-lo online como sugerido pelo Prof. Rui Botelho.

    Duda Falcão

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  2. Porque então não criamos um evento de um dia, entre o Natal e o Ano Novo, para registrar um evento em 2021! Juntamos todas as universidades de graduação e pós-graduação que ofereçam cursos de Eng. Aeroespacial e propomos palestrantes e temas para divulgação do que tem sido desenvolvido!

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