A Farra dos cursos na AEB! (Parte III)

Olá, Leitora! Olá, Leitor!

Depois de passados 9 meses desde a publicação das nossas matérias "A farra dos cursos na AEB! (Parte I)" e "A farra dos cursos na AEB! (Parte II)", publicadas respectivamente em 19 de janeiro e 16 de fevereiro deste ano, considerando que as farras estão cada vez maiores e refinadas na Agência Espacial Brasileira (AEB), voltamos aqui, agora com mais informações, para dar continuidade e detalhar o que apuramos sobre esses desmandos que continuam a acontecer dentro da AEB.
Imagem: https://www.bancariosparanagua.org.br/noticia/dez-casos-absurdos-de-desperdicio-de-dinheiro-publico

Já na época das 1a e 2a partes da matéria, tivemos conhecimento e apuramos os fatos envolvendo mais uma benesse para dois gestores da AEB, pois além de se auto-beneficiarem com o Mestrado encomendado junto a Universidade de Brasília (UnB), mestrado esse patrocinado por esses "gestores" que ocupam a Diretoria de Planejamento, Orçamento e Administração (DPOA/AEB) e a Chefia de Gabinete (GAB/AEB), esses mesmos agentes promoveram (com a complacência e anuência do Presidente da AEB) mais uma turbinada nos seus currículos, se candidatando e sendo indicados pelo Presidente da AEB ao Curso Superior de Inteligência Estratégica - CSIE/2021, promovido pela Escola Superior de Guerra (ESG), na sua unidade de Brasília - DF.

Não que não seja louvável as pessoas buscarem seu aprimoramento pessoal e profissional, mas fazer isso às custas do erário e sem a garantia do retorno de tal investimento (de tempo e recursos financeiros) aos cofres públicos, com pessoas ocupantes de cargos comissionados e, portanto, com vínculo temporário com a Administração Pública, é, no mínimo, irresponsável.

Quando somado o conjunto da obra, esses mesmos gestores trainees criaram um Mestrado para melhorarem seus fracos currículos (veja aqui e aqui) e estão frequentando, em paralelo ao referido Mestrado, o Curso Superior de Inteligência Estratégica - CSIE/2021 da ESG, que tem duração de 05 (cinco) meses, EM TEMPO INTEGRAL e no horário do expediente!

Ou seja, os dois principais cargos de assessoramento administrativo do Presidente da AEB estão cursando um Mestrado e fazendo um curso em tempo integral e não cumprem o expediente da AEB, tudo às custas do erário! Tudo isso com pagamento de salários integrais, sem compensação total dos horários ausentes ao expediente e com despesas de viagens que previstas na grade de atividades do curso da ESG.

Essa situação está em total descompasso com normas de capacitação e de gestão de pessoas do Governo Federal (vide DECRETO Nº 9.991, DE 28 DE AGOSTO DE 2019 que "Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e regulamenta dispositivos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, quanto a licenças e afastamentos para ações de desenvolvimento") e da própria AEB (vide PORTARIA Nº 274, DE 24 DE OUTUBRO DE 2019 que "Regulamenta a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP) no âmbito da Agência Espacial Brasileira, e dá outras providências"). Por exemplo, servidores podem ser liberados para cursos durante o expediente, desde que compensem as horas de afastamento do local de trabalho, o que não vem ocorrendo no presente caso.

Além disso, para a indicação ou aprovação de um servidor para um curso pelo seu órgão de lotação, deve ser analisada e demonstrada a afinidade da ementa com as atividades funcionais do candidato(a) e deve ser analisado também se este servidor já foi "beneficiado" em outros cursos, inclusive, como forma de promover um rodízio e oportunidades para todos.

Agora, se para servidores que tem vínculo permanente com a Administração essa regra é aplicada, como para comissionados a mesma é desconsiderada? Será por que esses comissionados ocupam funções que tem poder de decidir sobre essas questões?

Sobre o curso e a disponibilização de vagas para a AEB

Como pode ser visto na página da ESG na web (aqui), o Curso Superior de Inteligência Estratégica - CSIE/2021 tem como público alvo "civis e oficiais superiores das Forças Armadas, dos Estados e do Distrito Federal" e tem como objetivo geral "preparar civis e militares para o exercício de funções de Inteligência Estratégica na administração pública e, em especial, nos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)".

O curso é divido em 2 (duas) fases: Básica e Específica. A Fase Básica apresenta fundamentos e conceitos básicos sobre o Poder Nacional, Informação em Redes e Metodologia da Pesquisa. A Fase Específica aborda os conceitos de Inteligência Estratégica, com ênfase no SISBIN e seus subsistemas, integrando os conhecimentos de relações internacionais, geopolítica e das atividades de inteligência.

Além de ser "planejado para ocorrer em turno integral", no Campus Brasília, estão previstas as realizações de Visitas Institucionais e uma Viagem de Estudos em território nacional (guardem esse tópico, pois viagem paga pelo erário é coisa que muita gente gosta).

O interessante é que na época em que a ESG disponibilizou as vagas (do Curso Superior de Inteligência Estratégica - CSIE/2021) para a AEB, em meados de 2020, o qual, por ser majoritariamente presencial, teve o seu início adiado por mais de 6 meses por causa da pandemia, o à época Diretor da Diretoria de Inteligência Estratégica e Novos Negócios (DIEN/AEB), Brig. R/1 PAULO EDUARDO VASCONCELLOS, analisou a ementa do referido curso e se pronunciou categoricamente afirmando que: "apesar de ser o tema específico do curso em tela, identificou na sua grade programática apenas um módulo mais específico do interesse das atividades da AEB, que justificassem o afastamento do servidor em tempo integral, pelo período de 5 meses." (OFÍCIO No 3805/2020/DIEN/AEB de 30 de setembro de 2020, obtivo via Lei de Acesso a Informação - LAI, pedido 01217.000775/2021-45 (SEI no 0100342))

Imagem do OFÍCIO No 3805/2020/DIEN/AEB de 30 de setembro de 2020.

Ou seja, se o Diretor de 
Inteligência Estratégica e Novos Negócios da AEB, unidade que possui regimentalmente maior afinidade com o tema / ementa do curso, não identificou a relação de pertinência e o custo benefício que justificassem o afastamento de servidor(es) durante 5 meses, por que cargas d'água o Diretor de Planejamento, Orçamento e Administração e a Chefe de Gabinete da Presidência poderiam, eles mesmos, se candidatarem e se afastarem das atividades por esse longo período?

Ainda segundo apuramos via LAI, tivemos acesso aos pareceres (PARECER No 2/2020/DPOA | PROCESSO No 01350.001673/2020-21 e PARECER No 3/2020/DPOA | PROCESSO No 01350.001673/2020-21), os quais são basicamente uma cópia um do outro, assinados eletronicamente pelo Presidente da AEB, justificando e avalizando a indicação dos Diretor da DPOA e da Chefe de Gabinete, conforme mostrado abaixo:


Imagem do PARECER No 2/2020/DPOA | PROCESSO No 01350.001673/2020-21.

Imagem do PARECER No 3/2020/DPOA | PROCESSO No 01350.001673/2020-21.


Cabe aqui um parênteses na exposição do assunto para destacar que,  estranhamente, os dois pareceres (que são basicamente uma cópia um do outro) tem como origem a DPOA (veja marcação em azul), quando, na verdade, deveria referenciar PR (de Presidência) ou GAB (de Gabinete), local de onde deveria partir o parecer, já que o mesmo é prerrogativa do Gestor Máximo do Órgão que está indicando os candidatos ao curso. Isso nos faz inferir que o DPOA elaborou os dois pareceres e os levou para o Presidente somente assinar ou ainda, sendo o referido DPOA o substituto oficial do Presidente da AEB, que ele mesmo tenha assinado eletronicamente os pareceres, em algum momento de substituição.

Se esse for o caso, sendo o DPOA um dos beneficiados com a indicação ao curso, apresenta-se ai não só um erro formal elementar, mas uma materialização da violação ao princípio da impessoalidade no referido "processo seletivo / indicativo" e um claro conflito de interesse.

Voltado ao cerne da questão, observa-se nos dois pareceres que em nenhum momento se explicitou a relação funcional dos dois servidores (DPOA e a Chefe de Gabinete) com o tema do curso, restando somente vagas e mal elaboradas transcrições / citações a  Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE) que, em essência e no caso concreto, não justificam nada, considerando que pela Estrutura Regimental da AEB (DECRETO Nº 10.469, DE 19 DE AGOSTO DE 2020) a DPOA e a Chefia de Gabinete não são "órgãos específicos singulares", responsáveis pela atividades finalísticas da AEB e de consecução da PNDAE, tais como a Diretoria de Governança do Setor Espacial, a Diretoria de Gestão de Portfólio e a Diretoria de Inteligência Estratégica e Novos Negócios.

Caso essas afinidades fosse verdadeiras, considerando o princípio da administração pública da devida motivação (que sustenta os atos administrativos), o correto seria justificá-las, principalmente, correlacionando-as às atribuições de cada um dos gestores previstas nos Arts 5o e 10 da Estrutura Regimental da AEB:
                     ...
Art. 5º  Ao Gabinete compete: 
I - assistir o Presidente da AEB em sua representação política e social;
II - preparar o despacho do expediente pessoal do Presidente da AEB; 
III - coordenar as atividades de ouvidoria e de corregedoria; 
IV - assessorar as unidades integrantes da estrutura organizacional da AEB sobre os temas de interesse transversais; 
V - coordenar o levantamento, a consolidação e o encaminhamento de informações solicitadas por entidades externas à AEB; e 
VI - assistir o Presidente da AEB na supervisão e na coordenação das atividades das unidades integrantes da estrutura organizacional da AEB.

... 

Art. 10.  À Diretoria de Planejamento, Orçamento e Administração compete: 
I - planejar, coordenar e supervisionar a execução das atividades relacionadas aos Sistemas Federais de Orçamento, de Administração Financeira, de Contabilidade, de Gestão de Recursos Humanos, de Serviços Gerais, de Planejamento, de Modernização e Organização Administrativa e de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação; 
II - prestar apoio logístico à promoção de ações de sustentabilidade e de eliminação de desperdício de recursos; 
III - acompanhar a execução de planos e programas, no âmbito de sua competência, para subsidiar o processo de tomada de decisão dos órgãos de deliberação superior e de assistência direta e imediata ao Presidente da AEB; 
IV - supervisionar os atos de gestão orçamentária, financeira, patrimonial e contábil da AEB; 
V - coordenar as ações administrativas de apoio às unidades descentralizadas; e 
VI - coordenar, executar e supervisionar as ações de planejamento institucional, de modernização administrativa e dos recursos de tecnologia da informação e gestão de processos internos.

                              ... 

Confrontando as atribuições regimentais com a Estrutura Curricular do curso (veja aqui), percebe-se que, do total geral de 714 horas de Carga-Horária dessa capacitação, com muito boa vontade e salvo melhor juízo, somente 51 horas (7,14%) teriam algum tipo de ligação com as atribuições dos referidos cargos, conforme destacado no extrato do Estrutura Curricular abaixo:

...
...
Imagem do Extrato das Estrutura Curricular das Unidades de Estudos Relacionadas com os Cargos DPOA e CH GAB da AEB.

Nesse sentido, se o alerta do Ex-Diretor da DIEN (diretoria que teria maior interesse nesse programa de capacitação) quanto a pouca aderência do curso com a sua unidade e a AEB já não fosse o bastante, o mesmo, oficial da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB), se prontificou com suas credenciais a "realizar contato com a ESG para verificar a possibilidade de customizar a participação do(s) servidor(es) no módulo indicado ou eventualmente solicitar um curso expedito na própria AEB" (vide imagem do ofício acima).

Portanto, preocupado com os custos envolvidos (já que o órgão de origem do indicado ao curso tem de se comprometer a bancar os custos da capacitação) e considerando a indisponibilidade do recurso humano por um tempo considerável, o Ex-Diretor propôs, razoavelmente, que os servidores participassem de módulo(s) específico(s) ou que se fizesse uma parceria com a ESG para um curso customizado on-site, na própria AEB.

No entanto, como já sabemos, o DPOA e a CH GAB (com a anuência e complacência) do Presidente da AEB estão realizando o referido curso, em paralelo com o Mestrado já mencionado, recebendo vencimentos integrais, sem compensar a carga-horária do expediente e tendo todos os custos pagos pela AEB, inclusive de  Viagem de Estudos em território nacional, conforme pode ser conferido na autorização do Boletim Interno da AEB de 18/10/2021:

Imagem Extrato do Boletim Interno da AEB de 18/10/2021.

Cabe destacar que os valores acima são de transporte e diárias no deslocamento em Foz do Iguaçu (PR). As passagens aéreas Brasília - Foz do Iguaçu / Foz do Iguaçu - Brasília foram adquiridas pela AEB, mas não conseguimos ainda as informações sobre os custos das mesmas. Em valores de hoje, essas passagens custariam algo em torno de R$4.000,00 reais por pessoa, ou seja, R$8.000,00 reais no total.

Se já não fosse pouco, durante todo o período do curso em que os dois gestores ficaram afastados do expediente da AEB e dois servidores foram nomeados substitutos, despachando com os mesmos em horários fora do período laboral do órgão.

The "Farra" never ends!

Como bom baiano que sou, por conhecimento de causa, sei que se deixarem, o carnaval de Salvador não acabaria na quarta-feira de cinzas e poderia durar o ano todo. Fazendo uma analogia, podemos dizer que nesse caso que na AEB "The 'Farra' never ends!". Essa frase pode ser perfeitamente aplicada nesse caso, não só pela Farra do Mestrado e pela Farra do Curso de Inteligência, mas, também, pela Farra em Dubai que repercutimos recentemente aqui no BS ("Farra em Dubai", "Farra em Dubai (II)", "E o foguete da alegria de Marcos Pontes para Dubai aumenta para 20 aspones (sic)", etc.).

Pois é, advinha quem está na Farra de Dubai? Advinha quem vai faltar ao Mestrado e ao Curso de Inteligência?

Quem? Quem? Quem?

Não é Raimundo Nonato, pode ter certeza!

Confira aqui.

Com isso, encerro por aqui, pois é muita farra para uma AEB tão pequena e sem recursos para tocar o PEB, mas cheia de oportunidades para quem gosta de esnobar com recursos públicos!

Rui Botelho
Brazilian Space

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