Olá, Leitora! Olá, Leitor!
Há alguns dias venho criando coragem para ter de abordar o tema do novo Edital de Chamamento Público do Edital Nº 7/2021, publicado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) no seu site no último dia 15/04/2021 (veja aqui), para interessados em operar lançamentos a partir do Centro Espacial de Alcântara (CEA).
Imagem da Torre Móvel de Integração (TMI) do CEA, adaptada.
Em meio à notícias tão interessantes do setor espacial mundial e dos feitos históricos realizados por missões como as que estão em Marte, ter de noticiar que entra ano e sai ano e a AEB e o nosso PEB (Programa Espacial Brasileiro) continuam teimando em não querer mudar (veja aqui), essa busca de coragem se dá pela obrigação moral de ver a AEB tornar publico um documento tão questionável quanto o primeiro Edital publicado no ano de 2020 (veja aqui), ainda que tenha corrigido uma ilegalidade flagrante no documento anterior.
Isso se deve ao fato do novo Edital referenciar a Lei de Licitações (Lei 8.666/93) em seu fundamento, o que havia sido ilegalmente omitido na versão anterior (veja aqui e aqui), mesmo que basicamente o novo instrumento convocatório padeça da maioria das mazelas do seu predecessor, quais sejam:
- referencia uma nota técnica, que é um documento interno da AEB. Caso essa nota técnica tivesse tanta relevância o Presidente da AEB deveria transformá-la em uma Portaria (documento de domínio público) ao invés de basear um Edital tão importante em um documento interno da AEB. Posteriormente à publicação do Edital da AEB, uma Portaria abrangendo parte das informações da nota técnica foi publicada, mas o edital permaneceu referenciando a nota técnica ao invés da Portaria que regulamenta o processo de licenciamento para operação de lançamentos no Brasil;
- deveria ter sido publicado conjuntamente entre a AEB e o COMAER (Comando da Aeronáutica), pois o processo de licenciamento e contratualização para lançamentos no CEA é um procedimento que envolve os dois entes, existindo uma interdependência das ações que demanda tal abordagem, sob pena de um contrato firmado entre o COMAER com um operador referenciar um instrumento convocatório emanado por outro Órgão, o que seria uma aberração legal, dado o princípio da vinculação do contrato ao instrumento convocatório;
- referencia Acordo de Cooperação da AEB com o COMAER e não cita como obter tal documento que, a princípio, não foi publicizado nem pela AEB, nem pelo COMAER, sendo portanto cláusula secreta de um chamamento público;
- omite a relação de bens e dos serviços a serem ofertados para o uso da iniciativa privada, bem como os respectivos custos, ou seja, o operador só vai saber o que vai operar e quanto custa, no momento da contratação. Esses bens e serviços foram custeados e mantidos pelo erário e os valores relativos ao seu uso comercial deveriam estar explícitos para os interessados na contratação e para a sociedade; e
- referencia a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016 e o Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018, mas tais instrumentos não podem ser aplicados nesse caso, pois o uso comercial do Centro Espacial de Alcântara (CEA) é uma atividade de exploração comercial e não uma atividade de desenvolvimento tecnológico ou de transferência tecnológica, até mesmo porque o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas impede que as empresas que venham a operar de Alcântara possam transferir tecnologias para o Brasil.
Sobre a óbvia necessidade de corrigir a falta de subordinação do instrumento anterior ao império da Lei de Licitações (Lei 8.666/93), com a incorporação do diploma legal de licitações no instrumento ora publicado, resta patente e assumida a ilegalidade do instrumento anterior, motivo pelo qual, salvo melhor juízo, todos os atos administrativos e instrumentos dele derivados são alcançados pelo efeito do princípio legal do "Fruto da Árvore Envenenada", ou seja: todos esses atos são inócuos perante a lei.
Imagens das epígrafes, ementas, autorias e fundamentos dos editais de 2021 (com destaque para a Lei 8.666/03) e 2020, respectivamente, para fins de comparação.
Fonte: Site da AEB.
É importante destacar que apesar da Lei nº 14.133/21 (nova Lei de Licitações), ter sido sancionada em 1º de abril de 2021, o enquadramento e aplicação da Lei 8.666/93 é possível, tendo em vista que o novo diploma de licitações e contratos prevê um prazo máximo (vacatio legis) de 2 anos para a sua incorporação nos processos de contratação de todos os entes da Administração Pública.
Assim, qualquer publicação, ato, declaração, licença e seus direitos e deveres não tem amparo no mundo da lei e não podem surtir efeito legal. Esse risco legal (de uma insegurança jurídica patente) foi por por mim destacado e esmiuçado, ainda que verbalmente, no episódio nr 01 do Podcast Espacial Brasileiro (PEB).
Se já não fossem óbvias as deficiência e incompletudes do instrumento de 2020, dada a importância e complexidade operacional, técnica e legal de tal empreitada, esse tipo de situação só faz com que os investidores (exceto os com muito apetite a riscos, os aventureiros) não se sintam confortáveis e confiantes para se apresentarem como candidatos a operadores licenciados do CEA, e isso é muito ruim e contraproducente para o objetivo de tornar o CEA operacional e internacional, o mais rápido possível.
Portanto, não adianta nenhum tipo de vantagem de lançar a partir de Alcântara se coisas elementais como essa não são tratadas com competência e seriedade. Esse amadorismo, macula a imagem do Pais e das nossas instituições ligadas ao PEB, e provoca o desinteresse das empresas com grande potencial para desenvolver as atividades no CEA.
O que mais impressiona é como todos os alertas foram dados e a AEB e, por tabela, o COMAER (Comando da Aeronáutica), insistiram em manter o Edital de 2020 e o processo como um todo sem promover as correções necessárias, pois rever os próprios atos (autotutela) é um dos princípios mais nobres da Administração Pública e deve ser usado justamente para evitar que situações como essa se materializem.
Agora, o que será dos "operadores" que se "credenciaram" em 2020 e, efetivamente, possuem licenças sem nenhum valor legal?
Fora os pontos itemizados anteriormente, todos passíveis de questionamentos legais, eu recomendaria fortemente à essas empresas que, por via das dúvidas, se submetam novamente ao processo do Edital deste ano, de modo a evitar futuros questionamentos de potenciais concorrentes ou interessados em garantir seus direitos de operação de lançamento no CEA.
Caso a AEB tente convencer os "licenciados" de 2020 do contrário, basta que esses renunciem (mesmo que seja paradoxal renunciar a algo que não existe legalmente) ao processo do ano anterior e submetam toda a documentação novamente ao processo do presente ano, para que essas empresas não fiquem nesse limbo legal provocado pela AEB. Salvo alguma perseguição ou birrinha (ilegalidade pela afronta ao princípio da impessoalidade), os prepostos ou gestores AEB não tem como justificar uma potencial não concessão para esse ano, se as cláusulas editalícias são praticamente as mesmas.
No mais, vendo que a AEB teve 1 ano para elaborar um documento e um arcabouço infralegal atinente a tal processo mais robustos e transparentes, preferiu manter a forma e a fórmula medíocre e preguiçosa do modelo anterior, quase na sua totalidade.
Imagem da nova fachada da AEB.
Fonte: Redes Sociais de domínio público.
Dito isso, ao ver uma publicação de um diretor da AEB em uma rede social destacando a nova fachada do prédio da autarquia, eu me pergunto: Quando a AEB vai se reformular internamente (de verdade) e deixar de viver de fachada?
Rui Botelho
(Brazilian Space)
Além do que, virou uma marmota. Uma favelinha, como sempre foi a AEB e seus anexos DCTA e INPE.
ResponderExcluirPrezado Professor Rui,
ResponderExcluirDadas essas inconsistências legais, e a novidade da nova lei de licitações (porque não usaram suas inovações?) , só posso pensar que a turma vai no "by default", mesmo. Mesma burocracia, mesmos despachos planejados para as mesmas ações darem errado.
Enfim nada de novo. Piloto automático, rumo ao nada.
Tomara que essas empresas, pelo menos, dotem a base de Alcântara com as infraestrutura necessárias que tanto precisa, único modo de nada disso não ter sido em vão, pois para a indústria nacional de satélites e de foguetes, nada disse se tem utilidade.
ResponderExcluirNem é preciso dizer, Marcelo, que se colocarem uma boia de sinalização ali por perto irão levá-la de volta quando o contrato acabar. Só vão se servir do que já está feito. Para trás só ficará o lixo produzido. "Eles não podem conosco, somos espertos demais para eles."
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