Aplicações de Projeto Sobre Redes Complexas Vão da Meteorologia ao Estudo de Epidemias
Olá leitor!
Segue abaixo uma nota postada hoje (22/11) no site do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), destacando que uma colaboração internacional Brasil-Alemanha, da qual participa o INPE e a Universidade de São Paulo (USP), trabalham na aplicação de Projeto de Redes Complexas que vão da Meteorologia ao estudo de Epidemias.
Duda Falcão
Aplicações de Projeto Sobre Redes Complexas
Vão da Meteorologia ao Estudo de Epidemias
Terça-feira, 22 de Novembro de 2016
Uma infinidade de redes permeia nosso mundo e algumas são
constituídas por bilhões de componentes - a rede de computadores, a rede de
telefonia, a rede elétrica, a rede de amigos no Facebook, a rede de neurônios
etc. O que existe em comum entre a rede que liga seus amigos no Facebook e a
que conecta seus neurônios? Apesar das duas redes serem realmente muito
diferentes, suas estruturas serão muito parecidas.
Uma colaboração internacional Brasil-Alemanha, da qual
participa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Universidade
de São Paulo (USP), trabalha justamente com os princípios e fundamentos em
redes complexas mais gerais.
Tendo como exemplo a relação entre a rede social e o
cérebro, cada pessoa no Facebook ou cada neurônio seria transformado em um
ponto. Cientistas de redes complexas poderiam avaliar as relações e conexões
que existem entre cada pessoa (são amigas ou não?) e também entre cada
neurônio. A seguir, representariam essas conexões por meio de retas.
O que os cientistas criam quando transformam essas redes
em pontos no espaço e os interligam por meio de retas é chamado, tecnicamente,
de grafo. Um grafo é um prato cheio para qualquer pesquisador, porque eles
podem extrair desse tipo de objeto matemático uma série de informações que, se
olhássemos para uma rede complexa de outra forma, seria humanamente impossível
analisar. Em um grafo, fica mais fácil identificar os pontos que têm mais
conexões e, portanto, são mais centrais naquela rede.
"Se você analisa um neurônio isoladamente, não
consegue explicar a memória, a consciência, nada disso. Você precisa olhar como
eles estão conectados, ou seja, o todo. Só assim podemos compreender como o
nosso cérebro funciona", explica Francisco Rodrigues, do Instituto de
Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. Essa é outra
característica que conecta a rede de seus amigos no Facebook à rede de seus
neurônios: eles não podem ser compreendidos de forma isolada, mas somente em
relação ao todo.
"O que acontece se eu tenho uma doença e uma parte
dos meus neurônios são eliminados? Qual a consequência do desmatamento na
Amazônia para o transporte de umidade ao Sudeste do Brasil? Precisamos de
ferramentas que nos respondam esse tipo de pergunta, que levem em consideração
os diversos agentes que interagem de forma complexa nesses sistemas, formando
redes", acrescenta Elbert Macau, do INPE.
Há cinco anos, Elbert coordena, pelo lado brasileiro, o
projeto Fenômenos Dinâmicos em Redes
Complexas, que une matemáticos, biólogos, cientistas da
computação, meteorologistas, físicos, engenheiros e químicos provenientes de 10
diferentes instituições de pesquisa, sendo seis delas do Brasil e quatro da
Alemanha. Entre o fim de setembro e o início de outubro, esses cientistas
realizaram um evento no ICMC, a quarta edição do ComplexNet
– Workshop and School on Dynamics, Transport and Control in Complex Networks.
A iniciativa marcou o fim da primeira
jornada do projeto e o começo de um novo ciclo,
quevai durar mais cinco anos.
Financiado conjuntamente pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Sociedade Alemã de Amparo à
Pesquisa (DFG), o projeto temático já produziu bons resultados como vários
artigos publicados em revistas científicas de alto fator de impacto, como a
Nature, e promete ir além. Ao propiciar uma melhor compreensão sobre diversos
fenômenos, a iniciativa está ajudando a fortalecer um novo campo do
conhecimento, que pode gerar impactos relevantes na vida de todos nós.
Esquizofrenia e Epidemias
"O cérebro, o clima, as interações biológicas, as
cidades, as redes sociais, os terremotos… O que esses sistemas têm em comum?
Você pode representar a estrutura deles como um grafo e pode usar um mesmo
conjunto de ferramentas para resolver os diversos problemas que surgem nesses
contextos. Uma rede complexa nada mais é do que a estrutura de um sistema complexo",
descreve Francisco.
As redes complexas têm ajudado o professor na identificação
das diferenças entre os cérebros de pessoas saudáveis e daquelas que apresentam
esquizofrenia, um transtorno mental que dificulta a distinção entre as
experiências reais e imaginárias, interfere no pensamento lógico e tem causas
ainda desconhecidas. "A partir de um scanner de ressonância magnética,
mapeamos o cérebro e analisamos os dados das redes corticais. Quando a pessoa
tem a doença, o cérebro é menos organizado em determinadas regiões do que o de
uma pessoa que não tem", relata Francisco. Para identificar essa
desorganização cerebral, o modelo matemático desenvolvido na pesquisa extrai e
analisa 54 características das redes corticais e consegue identificar, com 80%
de precisão, qual ressonância pertence a um paciente que tem o distúrbio. Agora,
o próximo passo é aplicar o mesmo método para diagnosticar outros tipos de
transtornos como o autismo (assista ao vídeo).
Esse é apenas um exemplo do tipo de trabalho que vem
sendo realizado no campo da neurociência com as redes complexas e que poderá,
por meio da criação de modelos matemáticos computacionais, facilitar o
diagnóstico médico futuro de uma série de distúrbios. Na biologia, as redes
complexas também têm sido empregadas para construir mapas que ajudam a
compreender as interações entre nossos genes, as proteínas, os processos
metabólicos e outros componentes celulares.
Agora imagine o que acontece quando uma epidemia se
propaga. Nesse caso, também existe toda uma rede complexa que precisa ser
melhor compreendida pela humanidade para que possamos conter a disseminação de
uma doença contagiosa, por exemplo. "Nesse caso, entender os tempos
corretos de diagnóstico e isolamento é fundamental para a saúde da
população", conta o professor Tiago Pereira, do ICMC. Ele coorientou a
pesquisa de doutorado do matemático alemão Stefan Ruschel, da Universidade de
Humboldt, em Berlim. Utilizando bases de dados da Organização Mundial da Saúde
sobre a gripe H1N1, os pesquisadores estudaram como extinguir a doença. A
população foi dividida em três grupos: saudáveis, doentes e isolados. A partir
de modelos matemáticos, foi calculado o tempo ideal para identificação da doença
bem como o tempo de isolamento necessário para a cura (assista ao
vídeo).
"O mais importante, nessas doenças, é o tempo de
identificação. Se você consegue rastrear todos os doentes em nove dias e
curá-los ou colocá-los em quarentena, a epidemia será controlada", revela
Stefan. "No caso da H1N1, depois de 30 dias não há mais chance de se
controlar a doença", acrescenta o alemão. "O prazo de nove dias é
economicamente inviável porque você teria que diagnosticar muita gente em pouco
tempo", pondera Tiago. Ele explica que, considerando-se a inviabilidade
desse diagnóstico em tão pouco tempo, passa a ser decisivo, para o controle da
epidemia, manter os doentes isolados no tempo ideal. "Se você isolar a
pessoa por um tempo ideal, a doença é extinta, mas se você isolar a pessoa além
desse tempo, a doença vai reaparecer", conclui.
Secas, Chuvas e Ventos
Pense agora na atmosfera terrestre. "Ela é um
fluido, não tem nenhuma fronteira a não ser a superfície e o espaço. O que
acontece no Oceano Pacífico ou no Índico pode nos influenciar", conta o
pesquisador Gilvan Sampaio, do INPE. Na opinião dele, o ferramental das redes
complexas possibilita avançar na compreensão dos fenômenos climáticos e
meteorológicos em comparação com as técnicas tradicionais que são usadas, há
pelo menos 30 anos, pelos cientistas que atuam nessa área.
O professor Henrique Barbosa, do Instituto de Física da
USP, diz que os primeiros artigos científicos que tratam da aplicação das redes
complexas no contexto da climatologia e da meteorologia são bastante recentes,
datam de cerca de 10 anos atrás. Ele dá um exemplo para explicar como essas
redes podem ser empregadas para capturar a complexidade do clima no mundo.
Comece analisando a quantidade e a distribuição das chuvas em todo o planeta
nos últimos anos. Uma maneira de estudar se há uma relação entre esse índice
pluviométrico e a variação de temperatura na superfície do mar em todo o mundo
é considerar que cada posição no globo é um nó em uma rede complexa, um
pontinho no papel: "Eu só vou ligar um par de pontos se houver uma
correlação alta entre a precipitação em um e a temperatura do mar no outro. No
final, eu tenho muitos pontos, com muitas linhas conectadas. Então, passo a estudar
esse objeto matemático".
Esse objeto, que representa a relação entre a quantidade
de chuva e a variação de temperatura na superfície do mar em todo o globo, pode
ajudar os cientistas a entenderem se essas chuvas estão conectadas a fenômenos
como o El Niño, que consiste na mudança da temperatura da superfície da água do
Oceano Pacífico. Note que esse objeto é também um grafo e que as ferramentas
empregadas para analisá-lo são as mesmas que outros cientistas usaram para ver
como funcionam as redes que conectam os neurônios do seu cérebro e também seus
amigos no Facebook.
"Nós usamos a técnica de redes complexas para
entender os eventos extremos de precipitação da América do Sul. Tem uma vasta
literatura científica a respeito da umidade que vem da Amazônia, que é
transportada pelos jatos de baixos níveis para a região do Sudeste, os quais
são ventos bem acelerados que vêm da Amazônia em direção ao Sudeste. Quando
isso está acontecendo, detectamos mais chuvas e tempestades por aqui",
revela Barbosa. "Nós então construímos uma rede complexa para representar
os eventos extremos de precipitação. O que descobrimos foi que esses eventos
extremos se propagam de sul para norte (da Bacia do Prata em direção aos Andes
Bolivianos), em direção contrária ao fluxo de umidade que vem da Amazônia. Essa
análise também nos permitiu criar um modelo que, com 24 horas de antecedência,
prevê a ocorrência de chuva extremas no planalto Andino", completa o
professor. As conclusões estão
destacadas no artigo Prediction of extreme floods in the eastern Central Andes based
on a complex networks approach, publicado em 2014 na Nature Communications.
Henrique cita, ainda, diversas outras pesquisas em que as
redes complexas têm contribuído para o avanço do conhecimento, tal como o
trabalho do grupo mostrando que 25% das chuvas na região sudeste é de água da
floresta Amazônica, publicado em 2014 na revista Atmospheric Physics and
Chemistry (On the importance of cascading
moisture recycling in South America). "As redes
complexas permitem a você quantificar e analisar problemas que são
intrinsecamente não lineares. Por meio da análise das redes você consegue
inclusive determinar se as equações que estão regendo os fenômenos observados –
ainda que você não as conheça – são lineares ou não lineares. Isso é algo que a
gente não consegue quando usa os métodos tradicionais", explica o
professor.
Para Gilvan, um dos maiores desafios dos pesquisadores
envolvidos no projeto é "falar a mesma língua": "Tanto nós da
área de meteorologia e climatologia precisamos entender mais sobre redes
complexas, quanto os matemáticos, cientistas e engenharias de computação
precisam entendem mais sobre clima". Como as questões que esses
pesquisadores querem compreender são muito complexas, não é de se surpreender
que somente uma rede interdisciplinar seja capaz de capturá-las.
Satélites, Energia, Lasers e Inovação
"Estamos vivendo em um mundo em que a palavra que
permeia tudo é interação", diz Elbert Macau. Além de coordenar o projeto Fenômenos Dinâmicos em Redes
Complexas, ele estuda como tornar nossos sistemas de
observação mais potentes: "Quando você coloca um conjunto de instrumentos
de observação, quer sejam telescópios ou radiotelescópios, cada um em um
satélite, tem-se um conjunto deles que precisam se deslocar no espaço mantendo
uma determinada formação para que você possa, virtualmente, compor uma antena
imensa a partir dessas pequenas antenas". Lembre-se de que a distância
entre esses satélites pode ser de centenas até milhares de quilômetros. Nesse
contexto, aparecem diversos problemas. "Essa geometria tem que poder ser
alterada, porque você às vezes tem que substituir um satélite, alterar a
resolução, dividir a formação para observar outros lados da Terra ou do universo.
Para isso, tenho que saber como essa rede se estrutura e o acoplamento entre os
satélites é fundamental".
Depois de falar do que podemos enxergar a partir do
acoplamento de satélites, Elbert mergulha no sistema de distribuição de
energia: "No modelo tradicional, você tem geradores e consumidores
estruturados em uma determinada rede. Por si só, isso já é uma coisa
complicada". A questão é que, atualmente, essa estruturação em rede está
se tornando ainda mais complexa porque não existe apenas uma central elétrica
geradora de energia: "Você pode ter uma fazenda que seja alimentada por um
gerador eólico. Nesse caso, quando tem vento, há geração de energia para o
local, mas quando não tem, a fazenda se torna consumidora. Há, ainda,
residências com células fotovoltaicas e estamos começando a instalar sensores
piso elétricos em pontes, estradas, viadutos, estádios para que possam gerar
energia. Isso tudo cria um sistema de redes que altera a sua configuração ao
longo do tempo".
A inovação trazida para a ciência por esses pesquisadores
de redes complexas é difícil de mensurar. O mestrando Felipe Eltermann, da
Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, ingressou na área
meio por acaso. Formado em Engenharia de Computação, ele começou a atuar em uma
consultoria que realiza serviços de prospecção tecnológica. "Coletar dados
relacionados a patentes não é algo simples", diz. A partir dessa
experiência, ele começou a se interessar por realizar uma pesquisa científica
e, em conjunto com uma professora da área de economia, passou a atuar em um
projeto que tem como objetivo construir um mapa da evolução da inovação
tecnológica no Brasil: "A economia evolucionária compreende a economia
como um sistema em constante evolução, que se transforma por dentro, e tem a
inovação tecnológica como o que guia e possibilita seu crescimento econômico.
Desse ponto de vista, a gente analisa a rede de patentes. Assim, você tem as
patentes, as empresas e as pessoas, tudo interconectado ao longo do
tempo".
Para Felipe, o campo das redes complexas parece muito
promissor. Há muitos indícios de que ele está certo. "As redes estão no
coração de algumas das mais revolucionárias tecnologias do século XXI,
empoderando tudo, do Google ao Facebook", escreve o professor Albert-László
Barabási no livro Network Science.
Ele lidera um centro de pesquisa em redes complexas na Universidade
Northeastern, em Boston, nos Estados Unidos. Para o professor, as redes
permeiam a ciência, a tecnologia, os negócios e a natureza em um grau muito
mais elevado do que podemos imaginar à primeira vista e, consequentemente, nós
nunca vamos entender os sistemas complexos a menos que sejamos capazes de
desenvolver uma profunda compreensão sobre as redes que existem por trás deles.
Não é à toa que há tantos cientistas tentando capturar o mundo com essas redes.
(ICMC/USP)
Mais informações: http://www.inpe.br/redes_complexas_e_dinamica/
Elbert Macau, do INPE, coordenador do projeto Fenômenos
Dinâmicos em Redes Complexas.
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Participantes
do ComplexNet - Workshop and School on Dynamics,
Transport and Control in
Complex Networks.
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Fonte: Site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE)
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