[Artigo] O espaço exterior e os desafios geopolíticos
Olá, entusiasta!
Segue abaixo o artigo publicado no portal Contexto Brasil em 21 de julho de 2025 (veja aqui) pelo Coronel Aviador da Reserva da Aeronáutica, Carlos Eduardo Valle Rosa. O texto aborda a exploração espacial como um eixo estratégico global, destacando o congestionamento orbital, a competição tecnológica e as disputas geopolíticas que a caracterizam. O autor questiona diversas inconsistências e incompletudes desse ecossistema e analisa a necessidade de o Brasil se posicionar diante dos riscos, oportunidades e desafios que se apresentarão até 2045 nesse cenário.
O espaço exterior e os desafios geopolíticos
A exploração espacial tornou-se eixo um estratégico global, marcado por congestionamento orbital, competição tecnológica e disputas geopolíticas. O Brasil precisa se posicionar frente aos riscos, oportunidades e desafios até 2045
O lançamento da obra “Cenários Brasil 2045”[1] deve ser considerado como um dos eventos acadêmicos mais importantes do ano. Trata-se de uma coletânea de diagnósticos que traça desafios, riscos e oportunidades para o Brasil, agora e nos próximos anos, em diversos setores e temas.
Este Ensaio de opinião tem por propósito sintetizar as principais conclusões do Capítulo 17 – Espaço Exterior, uma das áreas de risco consideradas pelas Nações Unidas no Relatório sobre Riscos Globais de 2024[2], onde se aponta que eventos originados no espaço estão entre os cinco maiores riscos nos próximos 15 anos, e aquele que a sociedade estaria menos preparada para lidar.
O Espaço Exterior, portanto, assume uma relevância e protagonismo nos estudos de futuro e seus cenários, pois o risco de colapso dos serviços providos pelos sistemas satelitais pode reverter nossa sociedade global aos patamares tecnológicos anteriores à década de 1950, além das questões existenciais em si, como a colisão de corpos celestes em nosso planeta. A perspectiva é destacar desafios e reflexões necessárias que cobrem um espectro pouco estudado em nosso país, que é o espectro do estudo geopolítico do espaço exterior.
Em grande parte essas questões são caracterizadas e evidenciadas a partir de três palavras, que encerram as questões gerais: a) a palavra CONGESTIONADO, que busca apresentar o espaço exterior, apesar de sua imensidão, como um espaço geográfico finito; b) a palavra COMPETITIVO, pois a alteração do patamar econômico de competição em torno das atividades espaciais caracteriza uma nova fase; e c) a palavra CONTESTADO, que reflete a natureza conflituosa de um domínio que já pertence ao espectro das ações militares e transforma-se, cada vez mais, pelo processo de armamentização.
O ESPAÇO CONGESTIONADO
A primeira questão em torno dessa palavra é de natureza geográfica. Devemos considerar o espaço exterior como uma continuidade da atmosfera terrestre? Qual é o papel da tecnologia na direção de aproximar esses dois segmentos do ambiente aeroespacial? Há sentido, portanto, em se configurar o espaço cislunar como um domínio geográfico, haja vista que esse conceito integra a Terra e a Lua em um continuum?
No escopo dessas indagações essenciais, há que se considerar que ainda não existe Lei ou instrumento jurídico internacional que estabeleça a separação, ou o limite, entre a atmosfera terrestre e o espaço exterior.
Uma segunda questão é de natureza política. É pertinente se afirmar que os instrumentos legais internacionais relativos ao espaço exterior estão desatualizados? A legislação espacial é suficiente para lidar com os desafios econômicos, sociais, tecnológicos e de segurança relativos a esse domínio geográfico? Qual é o posicionamento político do Brasil quanto aos diversos temas que estão hoje em discussão nesses fóruns internacionais?
Alinhada com esse tema, há a crítica quanto à caducidade dessa legislação internacional, o que leva determinados Estados a tomar inciativas isoladas, no escopo da territorialização, da soberania ou da exploração econômica privada.
Aspectos relevantes devem integrar a agenda em torno desse debate, em especial no tocante ao lixo espacial, conhecido como debris. Como lidar com a questão da poluição nas órbitas terrestres derivada de debris espaciais? Como mitigar os efeitos dos debris gerados pelas atividades humanas no espaço?
A questão dos debris está relacionada com a própria ocupação das órbitas terrestres, fazendo florescer elementos clássicos da geopolítica, em especial a expansão das fronteiras na direção de regiões politicamente valiosas. Por esse motivo precisamos indagar como se dá o acesso às órbitas, considerando que elas são espaços geográficos finitos? Órbitas podem ser consideradas recursos naturais? Órbitas são objeto de territorialização e soberania? O espaço exterior é um espaço estratégico, uma região politicamente valiosa e, nesse sentido, objeto de expansão da fronteira estatal?
Sendo assim, o capítulo gera algumas inferências a partir do debate das evidências coletadas: a crescente ocupação das órbitas por satélites e o aumento de detritos espaciais amplia a competição pelos slots orbitais; caracteriza-se uma falta de equidade no acesso às órbitas, concentrando em poucos países e empresas o benefício dos sistemas espaciais; e isso gera disputas políticas e econômicas, evidenciando desafios futuros na governança espacial.
O ESPAÇO COMPETITIVO
A questão econômica é crucial. Ela está relacionada ao próprio futuro da exploração espacial e os estados que se omitirem a participar dessa atividade podem ficar definitivamente dependentes de produtos e serviços de terceiros. Por esse motivo há que se indagar se a exploração de recursos naturais nos corpos celestes e nas órbitas é um empreendimento estatal ou privado? Como compatibilizar essas inciativas isoladas com a acepção de res communis, bens que pertencem a todos, conforme preconizam os tratados internacionais?
Nesse cenário econômico que segue a tendência disruptiva e inovadora da tecnologia, surge o conceito de New Space, uma forma que agrega atividade empreendedora de natureza privada ao tradicional investimento governamental.
Associada à ideia de um espaço competitivo está a questão tecnológica, pois ela determinará o futuro do país no setor espacial. Quais seriam as prioridades de desenvolvimento tecnológico para o Brasil? Qual caminho devemos seguir: a independência tecnológica ou as parcerias internacionais?
De forma semelhante à seção anterior, evidências foram apresentadas para levar às inferências que o capítulo registrou: o fenômeno New Space amplia os setores beneficiados pelos sistemas espaciais e reforça sua importância para o desenvolvimento socioeconômico e para a segurança; empresas privadas têm participação crescente nas atividades espaciais essenciais, levando à redução de custos e maior popularização do acesso ao espaço, embora permaneça a necessidade de investimentos públicos; parcerias público-privadas demonstram o novo modelo de cooperação no setor espacial.
O ESPACO CONTESTADO
A armamentização do espaço exterior nos leva à questão da Segurança & Defesa. Especificamente, precisamos indagar se o espaço exterior é um domínio da guerra? Quais são as principais iniciativas das grandes potências espaciais quanto ao desenvolvimento de capacidades counterspace? Devemos segui-las? Até que ponto uma guerra no espaço é factível?
Pode parecer que esse é um tema de ficção científica. Mas não é. Na Guerra da Ucrânia a interferência eletrônica nos satélites da constelação GPS, por parte da Rússia, foi uma realidade. Além do mais, a mídia internacional e os sites especializados diuturnamente tratam dessas capacidades militares no espaço, como por exemplo os satélites que realizam operações de encontro e proximidade (RPO) com outros satélites. Nessas operações há a possibilidade de captura ou neutralização da funcionalidade do satélite que é objeto passivo da operação RPO.
A geopolítica no espaço exterior tem um matiz realpolitik, cuja origem é o pensamento Realista, e o geopolítico norte-americano Everett Dolman deixa isso claro quando cria uma expressão análoga à geopolítica clássica da era de Mackinder, afirmando: “Quem controla a órbita baixa da Terra, controla o espaço próximo à Terra. Quem controla o espaço próximo à Terra, domina a Terra. Quem domina a Terra, determina o destino da humanidade.”
No escopo desse tema está a questão do soft power. Todas as potências espaciais têm se dedicado a essa vertente desde a Guerra Fria. O soft power é sobre influenciar a própria população e a opinião pública internacional. É possível conceber a existência de um soft power espacial? Quais são os instrumentos utilizados pelas grandes potências espaciais na exploração dessa capacidade nas questões relativas ao espaço? Soft power está relacionado ao fortalecimento de nosso sistema de ensino para conscientização da importância da exploração espacial?
As inferências que traz o capítulo nesse tema são as seguintes: o espaço exterior tornou-se um território geopolítico disputado, com países desenvolvendo e expandindo capacidades militares, incluindo testes de armas antissatélite; a rivalidade espacial inclui disputas por recursos orbitais e frequências, refletindo o potencial de confrontos militares; as assimetrias tecnológicas e a entrada de novos atores privados e estatais intensificam a corrida espacial, aumentando tanto as incertezas quanto a complexidade da governança internacional desse domínio.
Esperamos que a leitura do Capítulo possa ajudar na melhor compreensão dessas questões e a forma como o Brasil poderá lidar com os desafios, riscos e oportunidades na atividade de exploração espacial até 2045.
[1] Disponível em: https://brasil2100.com.br/estudos-prospectivos/
[2] Disponível em: https://unglobalriskreport.org/UNHQ-GlobalRiskReport-WEB-FIN.pdf
As informações e opiniões expressas neste Ensaio não expressam, necessariamente, a posição oficial da Universidade da Força Aérea ou do Comando da Aeronáutica.

Comentários
Postar um comentário