ACS: a "ruivinha" do Acordo Brasil - Ucrânia que desejam que seja esquecida

Olá leitora! Olá leitor!

Todos que acompanham o Programa Espacial Brasileiro (PEB) conhecem o malfadado acordo realizado entre o Brasil e a Ucrânia nos idos do ano de 2003 para uma parceria que, em teoria, permitiria lançar o veículo lançador de satélites ucraniano Cyclone-4, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.

Como elemento principal do referido acordo para a viabilização dessa empreitada, foi criada a empresa Bi-nacional Alcantara Cyclone Space (ACS) que, de resultados, trouxe um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão de reais, sem nunca ter finalizado a infraestrutura mínima para operação no CLA, quiçá lançar qualquer coisa ao espaço.

Fora as diversas denúncias envolvendo as licitações para construção da referida infraestrutura cujas empreiteiras vencedoras, no mesmo período, participavam do chamado "Clube das Empreiteiras" descoberto pela (agora depauperada e vandalizada) operação "Lava Jato), a indicação de cargos para a ACS foi disputadíssima devido aos vultosos salários e jetons para os agraciados com cargos de gestão e de membros do conselho administrativo da referida estatal.

Além disso, a ACS foi responsável pela paralização dos esforços nacionais no desenvolvimento de uma solução de acesso ao espaço nacional, cujos reflexos percebemos hoje no nosso programa espacial, mesmo após 7 anos da denúncia do Acordo em 2015.

Se o Brasil fosse um país sério os envolvidos nesse grande fiasco seriam investigados e responsabilizados, mas, infelizmente, algo uniu gregos e troianos (sinistros, destros e ambidestros) que, mesmo com a mudança de orientação politica e alternância de poder governamental, foram ágeis o suficiente para abafar o caso. No entanto, muitos que participaram dessa história, ao invés de prestarem contas das suas ações e/ou omissões, continuam desfilando por ai e, provavelmente, em alguns casos, ainda devem estar definindo os destinos do PEB.

Inclusive, quando pedimos aos entes responsáveis pelas informações sobre a lista de gestores, membros do conselho de administração e empregados da ACS, recebemos a conveniente (friso conveniente, não conivente) resposta que o Acordo com a Ucrânia está sob sigilo, tendo em vista a denúncia feita pelo Brasil.

Como diria o poeta, isso aqui é Brasil e "o Brasil não é para amadores"!

No entanto, muitos desses fatos de conhecimento público não passaram em branco e o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou (em 2017) um relatório técnico e um acórdão tratando do tema do referido acordo, documentos que trazemos aqui para reavivar a memória dos leitores do "Brazilian Space" (clique aqui).

O mote da referida auditoria foi responder as seguintes perguntas:

Questão 1: Os procedimentos de celebração, aprovação e promulgação do Tratado entre a República Federativa do Brasil e a Ucrânia sobre cooperação de longo prazo na utilização do veículo de lançamento Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) atenderam aos preceitos legais? 

Questão 2: A denúncia do Brasil referente ao Tratado entre a República Federativa do Brasil e a Ucrânia sobre cooperação de longo prazo na utilização do veículo de lançamento Cyclone-4 no CLA atendeu aos preceitos legais e sua execução foi regular?

Principais Achados da Auditoria

Dentre as principais fragilidades encontradas pelo TCU tem-se:

lacunas e fragilidades nos estudos que demonstravam a viabilidade técnica, econômico-financeira e comercial do projeto, que contribuíram para o insucesso do acordo e, por consequência, para a sua denúncia;

inexistência de acordo prévio de salvaguardas tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos da América, o que restringiria drasticamente a possibilidade de lançamentos comerciais a partir do CLA, já que cerca de 80% dos satélites comercializados no mundo possuem componentes norte-americanos;

ausência de cláusula que permitisse a transferência ao Brasil da tecnologia para fabricação e montagem do veículo lançador, limitando o desenvolvimento do setor aeroespacial nacional;

celebração do Tratado sem que houvesse estudo de viabilidade econômico-financeira do empreendimento, que só foi elaborado cerca de dois anos após a assinatura do acordo;

• previsão de utilização de propelente para o veículo lançador não alinhado com o que existe de vanguarda em termos de propulsores aeroespaciais, implicando riscos de impactos ambientais severos.

Deliberações do TCU 

Dentre determinações e recomendações do TCU, destaca-se a recomendação à Casa Civil da Presidência da República, ao Ministério do Planejamento, ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e ao Ministério das Relações Exteriores que atuem de forma integrada e coordenada para que, em tratados internacionais que versem sobre cooperação, aquisição e/ou investimentos em projetos que envolvam risco tecnológico de alto custo, façam constar: 

a. previamente à execução de desembolsos financeiros, estudos detalhados e tecnicamente fundamentados acerca de aspectos técnicos, econômicos, financeiros, comerciais, socioambientais, político-diplomáticos e jurídicos, consoante particularidades de cada projeto, com vistas a melhor avaliar os riscos dos acordos, explicitando-os claramente aos tomadores de decisão; 

b. no exame de viabilidade técnica do projeto, justificativa minudente de que a opção escolhida foi a mais vantajosa para o Estado brasileiro; e 

c. na análise econômico-financeira do projeto, estimativa de custo e cronograma de desembolso realísticos e coerentes com os estudos técnicos do projeto.

Considerações finais

Do que é de conhecimento público sobre esse vexaminoso e desastrado acordo, agora sob a luz do opinativo técnico do TCU resta clara a incompetência e amadorismo (não sendo possível até então classificar como má fé) de todos os envolvidos.

Muitas das justificativas dadas em diversos grupos de discussão sobre o assunto vem, ao longo do tempo, classificar esse fiasco como uma "decisão política", o que, em tese, faria com que os menos esclarecidos entendesse ou se resignassem como uma má decisão de governo.

No entanto, as falhas encontradas pelo TCU e as recomendações emanadas apontam claramente que houve falha (conivente ou conveniente) na elaboração de estudos técnicos que municiaram a tomada de decisão pelo alto escalão governamental.

Essa situação se assemelha muito claramente à compra da refinaria de Pasadina pela Petrobras, que, em apurações posteriores isentou de responsabilidade a ex-presidente Dilma Rousseff (à época da compra da refinaria, Presidente do Conselho de Administração da empresa petrolífera nacional), pois, segundo o julgamento do Processo, a decisão pela compra da refinaria emanada pelo conselho da Petrobras (posteriormente comprovada como extremamente desvantajosa e prejudicial para a Petrobras) foi fruto de análises, pareceres e fundamentações técnicas (propositalmente) incompletas ou adulteradas.

Muitos dos responsáveis por esses pareceres foram denunciados, julgados e condenados nos processos do "Petrolão", não cabendo aqui nominar esses personagens, já que são parte de fatos de domínio público.

Por outro lado, fazendo uma analogia com o caso da compra de Pasadina (a refinaria chamada de "ruivinha", dada a cor de ferrugem predominante nos equipamentos e instalações da mesma), se a responsabilidade claramente não foi imputada ao mais alto nível de gestão e de governança, por que no caso do Acordo Brasil - Ucrânia e a criação da ACS poderiam ser cunhados, exclusivamente, como um erro político / de governo, se o TCU demonstrou que todos os erros advieram de falhas nos estudos técnicos e de viabilidade legal, técnica, econômica e ambiental?

No entanto, diferentemente do que ocorreu com a Petrobras (mesmo sendo prejuízos financeiros, de imagem e legais altos, mas de ordem de grandeza muito inferiores ao da nossa petrolífera), quem realizou os estudos e emitiu os pareceres e as justificativas para a realização de tal acordo nunca foi(foram) chamado(s) para se explicar(em).

Como dito antes, muitos desses atores que deveriam estar se explicando e sendo responsabilizados (no mínimo, administrativamente), pela incompetência fortuita ou planejada, nunca foram procurados. Ao invés disso, sob o manto do sigilo e sob as benção de gregos e troianos, de destros, sinistros e ambidestros, devem seguir flanando como se não tivesse cometido a maior demonstração de incompetência e o maior prejuízo infligidos ao nosso combalido PEB.

De tudo que pode ser apresentado aqui, pode se dizer que a ACS é a "ruivinha" do PEB que estão tentando nos fazer esquecer.

Rui Botelho
Editor do Brazilian Space

Comentários

  1. Realmente, um projeto que nada agregou. Perda de recursos e de tempo preciosos. Será que os responsáveis serão efetivamente responsabilizados?

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  2. Sabe o que me desperta atenção vendo essas recomendações do TCU para acordos internacionais do MCTI? O Acordo entre o DLR e o IAE.

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