CENTRO ESPACIAL DE ALCÂNTARA (CEA)

Olá Entusiasta do BS!


Segue abaixo o texto em português do artigo "RAUMFAHRTZENTRUM ALCÂNTARA (CEA)", de minha autoria, publicado pela revista alemã "RAUMFAHRT CONCRET" na sua edição 131, de 10 de janeiro de 2024 (adquira aqui).

Com a aproximação do lançamento do veículo Hanbit-Nano da Sul-coreana INNOSPACE, em julho próximo, resolvi compartilhar o conteúdo do artigo original, traduzido e com algumas atualizações, com todos os nossos entusiasta.


CENTRO ESPACIAL DE ALCÂNTARA (CEA)


HISTÓRICO

O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) foi fundado em 1º de março de 1983 e está localizado estrategicamente no Maranhão, próximo ao Equador (aproximadamente 2° 20' 22" S). Renomeado como Centro Espacial de Alcântara (CEA), está intimamente ligado ao ambicioso Programa Espacial Brasileiro (MECB) da década de 1980.

Páginas do Artigo da Revista Revista Raumfahrt Concret (Crédito: RC)

O nome "Alcântara" (do município onde o CEA está situado) é uma adaptação portuguesa da palavra árabe al-qantara (ou al-kântara), que significa "ponte". Portugal e Espanha foram ocupados por muçulmanos árabes por mais de 700 anos (711 a 1492 d.C.), razão pela qual muitas palavras portuguesas e espanholas têm origens etimológicas no árabe.

A localização privilegiada do CEA — atualmente o centro de lançamento mais próximo do Equador no mundo — oferece vantagens únicas. Sua posição permite lançamentos para órbitas de alta e baixa inclinação, direção geral norte, com foco em órbitas específicas, geralmente alcançadas por foguetes de médio e grande porte. Isso aumenta a eficiência operacional e reduz custos. Desde sua fundação, o CEA foi projetado para fornecer infraestrutura ao desenvolvimento de veículos lançadores nacionais (inicialmente o VLS e posteriormente o VLM, ambos de pequeno porte) e foguetes de sondagem. Possui instalações técnicas, de controle, montagem e integração, além de estruturas de apoio, incluindo uma plataforma de lançamento para foguetes pequenos e áreas adequadas para lançamentos suborbitais.

Uma tragédia marcante na história do CEA foi o acidente de agosto de 2003, que matou 21 engenheiros e especialistas brasileiros devido à ignição acidental dos motores do VLS V03. O desastre danificou gravemente a Torre Móvel de Integração (TMI), e abalou a moral e a reputação do cosmódromo.

DESENVOLVIMENTO

Ao norte das instalações destruídas, planejava-se construir uma nova plataforma para o foguete ucraniano Cyclone - 4 (Zyklon-4), fruto de uma parceria Brasil-Ucrânia iniciada em 2003. Essa cooperação, no entanto, não produziu resultados e foi dissolvida em 2016, deixando apenas ruínas.

A assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) com os EUA em 2019 marcou um ponto de virada para o CEA. O acordo abriu portas para parcerias internacionais e operações comerciais a partir de Alcântara, posicionando o Brasil como potencial ator global no setor de lançadores.

Em maio de 2021, a Força Aérea Brasileira (FAB) anunciou que o CEA receberia empresas como Hyperion (EUA), Virgin Orbit (EUA), Orion AST (EUA) e C6 Launch System (Canadá). Cada uma exploraria áreas específicas do centro, como a Plataforma de Lançamento Orbital (SISPLAT), a Plataforma Suborbital e o aeroporto local.

A Hyperion, porém, faliu e foi substituída pelo consórcio sul-coreano Innospace, que realizou um voo teste suborbital bem-sucedido em março de 2022 — o primeiro lançamento comercial do CEA. Apesar do avanço startup sul-coreana, nenhuma outra empresa conseguiu lançar de Alcântara desde então. A Virgin Orbit também fracassou, encerrando atividades em 2023 após investimentos significativos da FAB na modernização do aeroporto.


Lovalização do CEA (Crédito: BS)

Após o lançamento do suborbital Hanbit-TLV, a Innospace investiu fortemente no projeto do seu primeiro veículo lançador, o Hanbit-Nano e, apesar da não realização do 1o lançamento previsto para março de 2025, ao que tudo indica, a empresa sul-coreana está em vias de conseguir esse feito em julho próximo. Esse feito será histórico para a empresa, mas, também, para o Brasil, que alcançará o status de Estado Lançador.

No entanto, o CEA ainda enfrenta limitações técnicas: sua infraestrutura não suporta foguetes pesados, restringindo-se a lançadores pequenos para nanosatélites em órbitas baixas, equatoriais, médias ou polares (somente para o Norte). Assim, a vantagem da proximidade com o Equador para lançar para órbitas geoestacionárias, como acontece em Korrou (na Guiana Francesa) não pode ser alcançada, devido a essas limitações. 

Além disso, recentemente, essas capacidades potenciais (que poderiam ser desenvolvidas futuramente) foram muito impactadas pelo resultado de uma decisão do Tribunal Interamericano de Direitos Humans em favor de Comunidades Quilombolas (descendentes de africanos que habitavam a região mais de um século antes da construção do CEA) e Rurais da região (veja aqui). Nesse veredito, foi decido a devolução de cerca de 2/3 da área do CEA (que futuramente poderiam abrigar pads para veículos médios e pesados) à essas comunidades que foram retiradas das suas terras, quando da implantação do centro na década de 1980. 

Também rescentemente, uma Lei Espacial Nacional (veja aqui), que deveria garantir segurança jurídica para atividades espaciais, foi aprovada com um foco estatizante e bem dissonante do movimento mundial do New Space. Combinada com a criação de uma empresa estatal (veja aqui) que detém o monopólio sobre uma boa parte da exploração de atividades espaciais no Brasil, essa norma ao invés de atrair e ampliar a participação privada, também impacta no pleno desenvolvimento do centro. Isso ocorre porque, ao investir em um monopólio estatal, esse movimento acaba por restringir a entrada de investidores privados nacionais e internacionais,  que poderiam aportar recursos no desenvolvimento e exploração do potencial máximo do CEA, dada a atual baixa capacidade de invetimento do Governo.


CONCLUSÃO

Além dos desafios técnicos, questões legais persistem e ainda limitam o potencial pleno e futuro do CEA. A situação das comunidades quilombolas, a legislação espacial mal-concebida e uma visão estatizante / desenvolvimentista são tópicos preocupantes no avaço do desenvolvimento do CEA e sua ampliação.

Apesar dos obstáculos e diversas incongurências, o Centro Espacial de Alcântara ainda permanece como um pilar estratégico para a exploração espacial brasileira. Sua trajetória reflete a persistência do país em buscar, aos "trancos e brarrancos", um lugar no cenário internacional de lançamentos orbitais. Enquanto o Brasil enfrenta desafios políticos, técnicos e sociais, o CEA simboliza uma "ponte" para o futuro — desde que consiga superar suas contradições.


Rui Botelho
Versão atualizada em 24/05/2025



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