À Espera do Inesperado no Espaço

Olá leitor!

Segue abaixo mais um interessante artigo escrito pelo Sr. José Monserrat Filho e postado pelo companheiro André Mileski hoje (22/01) em seu no Blog Panorama Espacial.

Duda Falcão

À Espera do Inesperado no Espaço

José Monserrat Filho *

“Para sermos honestos, temos de perguntar a nós mesmos o que estamos deixando de perceber em nossa própria época.” Joshua Cooper Ramo (1968-), em “A Era do Inconcebível”1

Se você disser que o espaço é caixinha de surpresas, como o futebol, estará errando apenas no diminutivo. O espaço é a maior caixa de surpresas que se pode imaginar. São surpresas próprias da natureza e agora também causadas pelos terráqueos. Desde 1957 – há quase 60 anos, portanto – nós, os humanos, liderados por grandes potências, nos lançamos à conquista do espaço, seja próximo ou distante do nosso planeta. Isso tem produzido avanços muito importantes e úteis, mas também um sem-número de repentinas ameaças e sustos. A questão que fica dessa experiência toda é: Como enfrentar o inesperado? Ou melhor, como estar preparado para o inesperado?

A última pergunta foi formulada por Skot Butler, vice-presidente da Intelsat para Redes de Satélites e Serviços Espaciais, perante o 17º Simpósio Anual Global MilSatCom2 (Satélites Globais de Comunicação Militar), reunido em Londres, de 3 a 5 de novembro de 2015. Segundo notícia de 7 de janeiro de 2016 sobre esse evento, “a comunidade de satélites comerciais vem se preparando há anos para o inesperado, em parceria com os militares”3.

A informação cita três exemplos: Frota Skynet, parceria público-privada com sede no Reino Unido; a joint venture SES-Luxembourg para construir e operar satélites comerciais com frequências militares; e a carga útil de UHF da Intelsat para a Força de Defesa da Austrália.

Mas, até onde se sabe e até agora pelo menos, nada ocorreu de inesperado – nenhum ataque, e nem sequer ameaça de ataque. Ocorreu exatamente o que já se previa e pretendia de antemão: o incremento da indústria espacial militar. O que confirma a dúvida de sempre: as notícias sobre planos e ações de impiedosos vilões internacionais são verdadeiras ou apenas campanhas midiáticas sobre perigos e tensões alarmantes para justificar as encomendas milionárias indispensáveis ao faturamento das imensas corporações da indústria de armamentos e equipamentos afins, que garantem seu permanente crescimento?4

Isso sem falar que as vendas de armas e serviços militares pelas 100 principais empresas do setor andam em torno de 400 bilhões de dólares – informou o respeitável Instituto Internacional de Pesquisa da Paz, de Estocolmo, Suécia (Stockholm International Peace Research Institute – SIPRI5), em 14 de dezembro de 2015. É um negócio fabuloso. O único problema é que você tem que estar o tempo todo criando inimigos, incitando focos de tensão e estimulando rivalidades, conflitos e guerras. A paz e a solução pacífica das controvérsias põem todo esse comércio a perder.

Considerações morais e sobre direitos humanos também não ajudam. Natalie J. Goldring, pesquisadora da área de segurança da Universidade Georgetown, em Washington, revelou que os Estados Unidos (EUA) documentam há anos os abusos da Arábia Saudita em direitos humanos, mas que, mesmo assim, continuam fornecendo armas em quantidades ilimitadas ao governo saudita. Entre 2010-2014, os principais provedores de armas à Arábia Saudita foram o Reino Unido, com 36%, e EUA, com 35%, ficando a França num distante 3º lugar, com apenas 6%. Nos últimos anos, a venda de armas ao Oriente Médio atingiu níveis sem precedentes. A Arábia Saudita encabeça a lista de clientes com compras que superam os 49 bilhões de dólares6. Quem se atreverá a falar em direitos humanos diante de tal fortuna? O atrevimento é que seria inesperado.

Princípios democráticos igualmente não funcionam quando “big businesses” estão em jogo, como exemplifica Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia (2001), professor da Universidade de Colúmbia e economista-chefe do Institute Roosevelt, em recente artigo em O Globo, intitulado “Nova Geoeconomia”7. Stiglitz comenta que “os EUA concluíram negociações secretas sobre aquilo que poderá se tornar o pior acordo comercial em décadas, a chamada Parceria Transpacífica (TPP)”. A seu ver, o capítulo sobre “investimentos” do acordo “infringe seriamente as legislações ambiental, de saúde e segurança, e até mesmo regulamentações financeiras, com impactos macroeconômicos”.

Além do mais, nota Stiglitz, “o capítulo concede aos investidores estrangeiros o direito de processar governos em tribunais privados internacionais, quando julgarem que as regras governamentais infringem os termos da TPP (especificados em mais de seis mil páginas). No passado, tais tribunais interpretaram a exigência de que os investidores estrangeiros recebam um 'tratamento justo e equânime' como base para derrubar regulamentações dos governos – inclusive se não forem discriminatórias e tiverem sido adotadas simplesmente para proteger cidadãos de riscos flagrantes”.

Stiglitz salienta ainda que o Presidente dos EUA “disse reiteradas vezes que a TPP determinaria quem – EUA ou China – escreveria as regras comerciais do século XXI”, quando “a abordagem correta é chegar a tais regras coletivamente, com todas as vozes ouvidas, e de forma transparente”. O renomado economista considera que, por esse caminho, a Casa Branca “buscou perpetuar os negócios de sempre”, ou seja, “as regras que governam o comércio e os investimentos globais são escritas por corporações americanas para corporações americanas”. E conclui: “isso deveria ser inaceitável a qualquer pessoa comprometida com os princípios democráticos”.

Não foi precisamente isso o que ocorreu com a nova lei americana8 que estabelece o direito de propriedade privada dos cidadãos americanos e de suas empresas sobre as riquezas minerais por eles extraídas nos asteroides e outros corpos celestes? A nova lei, sancionada pelo Presidente dos EUA em 25 de novembro passado, passa por cima do Tratado do Espaço de 1967, que proclama o espaço como bem comum da humanidade e, por isso, proíbe ali qualquer tipo de apropriação. Quem é capaz de jurar com a mão sobre a Bíblia que as grandes corporações interessadas nesta oportunidade ímpar de negócios – já estimados em trilhões de dólares –, não exerceram nenhum tipo de lobby sobre o Congresso e a própria Casa Branca para a rápida aprovação da lei?

Stiglitz encerra seu artigo, com uma recomendação louvável – aplicável também à lei de privatização dos recursos espaciais em benefício das empresas americanas: “Em 2016, devemos torcer para o fracasso da TPP e o começo de uma nova era dos acordos comerciais, que não beneficie os poderosos e puna os fracos. O acordo de Paris sobre mudanças do clima pode ser um prenúncio do espírito e da mentalidade necessários para sustentar uma cooperação global genuína.”

De minha parte, fecho com as palavras de Kofi Annan, ex-secretário geral das Nações Unidas, lavradas no artigo “Em defesa da liderança do cidadão”, publicado em O Globo deste 20 de janeiro9: “Interesses próprios mesquinhos e de curto prazo obscurecem a compreensão do quão interdependentes são os nossos destinos num mundo verdadeiramente global.”

Mas, sinceramente, o que há de inesperado nisso tudo?

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial (IISL), Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (AIA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MTCI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: .

Referências

1) Ramo, Joshua Cooper, A Era do Inconcebível – Por que a atual desordem do mundo não deixa de nos surpreender e o que podemos fazer, São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 134.
4) Não incluo nestas dúvidas o combate justo e necessário ao famigerado “Estado Islâmico”, que deveria ser conduzido por uma grande aliança internacional, com as Nações Unidas à frente.


Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/

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