A Privatização na Segurança Espacial dos EUA
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo do Sr. José Monserrat Filho
postada ontem (06/11) pelo companheiro André Mileski em seu "Blog Panorama
Espacial".
Duda Falcão
A Privatização na Segurança
Espacial dos EUA
“A política de ampla transformação da ação estatal em atividades empresariais
privadas,
sobretudo nos setores de infraestrutura (energia, transportes e
comunicações), e nas áreas prioritariamente reservadas pelo Estado do Bem-Estar
Social – como educação, saúde eprevidência social – acarretou um substancial
enfraquecimento dos poderes de direçãoestatal da economia, e um correspondente
fortalecimento do poder capitalista.”
Fábio Konder Comparato, A Civilização
Capitalista, 2013, p. 250. (1)
José Monserrat Filho *
Myland Pride, Diretor de Assuntos de Governo e Legislativo da Intelsat (2),
representa, desde 2014, os interesses dessa grande empresa privada dos Estados
Unidos junto aos órgãos-chave do governo e de associações e grupos industriais,
advogando e promovendo a inovação e o uso estratégico dos satélites comerciais
de telecomunicações. Antes, serviu durante 24 anos na Força Aérea dos EUA, onde
se aposentou como coronel. Oficial de carreira, trabalhou nas áreas nuclear e
espacial, ocupando cargos de comando e de alto nível no Comando Espacial da
Força Aérea, no Estado Maior Conjunto e no Escritório Nacional de
Reconhecimento. É Mestre em Segurança Nacional e Estudos Estratégicos pela
Escola de Guerra Naval dos EUA, e em Arte Operacional Militar e Ciência pela
Universidade do Ar, também dos EUA. Participa ativamente de grupos de apoio
(lobby) à indústria, como a Associação da Força Aérea, a Liga Naval, a Mesa
Redonda de Negócios Espaciais de Washington e a Associação da Indústria de
Satélites.
Myland Pride defende a necessidade de gestão do tráfego espacial. (3) Em
outubro último, ele participou da Conferência de Tecnologia de Vigilância
Espacial e Ótica Avançada, em Maui, Havaí, e depois, em artigo, se disse, mais
uma vez, “impressionado com a revolução tecnológica que ocorre em tudo que se
relaciona com o Conhecimento da Situação Espacial [Space Situational Awareness
– SSA]”.
O SSA, para a Agência Espacial Europeia (ESA), visa detectar, prever e
avaliar de modo autônomo os riscos à vida e à propriedade causados por
detritos industriais, reentradas, explosões e desastres de lançamento, colisões
em órbita, impactos de objetos próximos à Terra e os efeitos dos fenômenos
meteorológicos nas infra-estruturas espaciais e terrestres. O SSA significa
saber o que se passa no espaço, graças à capacidade independente de observar
objetos e fenômenos naturais capazes de prejudicar a infra-estrutura espacial.
(4) Na Europa, o programa recebeu 46,5 milhões de euros para o período de
2013-2016. Em 19 de outubro de 2015 – informou o SpaceNews –, o governo dos EUA
anunciou o orçamento de cerca de US$ 6 bilhões para monitorar o espaço em tempo
real até 2020, segundo o Escritório de Prestação de Contas do Governo. O
Departamento de Defesa (Pentágono) ficaria com a maior parte, e a NASA, por
exemplo, com apenas 10%. (5)
O SSA deveria ser pensado como serviço público global, para “o bem e o
interesse de todos os países” (Art. 1º do Tratado do Espaço). Mas as grandes
potências espaciais consideram o SSA como sistema independente, na base do
“cada um por si” em sua criação e comando.
O instrumento precursor do SSA é a Convenção Relativa ao Registro de Objetos
Lançados ao Espaço Cósmico, de 1976, hoje ratificada por apenas 64 países e
firmada por 4 outros. (6) O Brasil só aderiu a ela em 2006. A maioria dos
países não a ratificou nem a assinou, por considerar insuficientes os
dados exigidos sobre a verdadeira função de muitos objetos lançados ao espaço.
Mas Myland está interessado é na escolha do órgão que deve liderar o SSA nos
EUA. Ele claramente prefere a Administração Federal de Aviação (Federal
Aviation Administration – FAA), mais especificamente o seu Escritório de
Transporte Espacial Comercial (Ofice of Space Commercial Transport), alijando,
assim, a Força Aérea [Air Force] e o seu Centro de Operações Espaciais
Conjuntas [Joint Space Operations Center – JspOC]. A escolha da FAA, claro, é
mais conveniente para as empresas.
Apesar disso, Myland elogia a Força Aérea e o JspOC, em especial pelo
apoio que ambos prestam à maioria dos países com programas espaciais,
operadores comerciais globais, indústria e academia. E também pelos recursos
que detêm e por seu foco na segurança nacional. Lembra que cerca de 90% dos
alertas da JSpOC se aplicam a satélites comerciais ou internacionais, embora
essa não seja sua função. E frisa que ninguém no mundo elabora melhor guia de
indicações para evitar colisões e avaliar riscos do que o JspOC.
Salienta ainda que a Força Aérea realizou ótimo trabalho ao monitorar a SSA
internacional, desde a colisão dos satélites Iridium 33 e Cosmos 2251, em 2009
(7), e ao catalogar de 18 mil a 22 mil detritos espaciais. Por que, então, não
mantê-la à frente do SSA? Mayland trata de explicar: o Pentágono não quer mais
ser polícia de trânsito do universo. Essa missão caberia agora à FAA [Federal
Aviation Administration], mais ligada às empresas privadas.
Para Myland são muitos os argumentos a favor da FAA. Ele se esmera em
expô-los:
1) Apoio da Associação da Indústria de Satélites, Federação de Vôos Comerciais,
Associação da Indústria da Defesa Nacional e outras organizações similares;
2) “Como o valor das operações comerciais no espaço supera hoje o das ações do
governo, é apropriado e faz sentido que a indústria participe de todas as
soluções desenvolvidas para resolver a crítica questão.”
3) A Intelsat vai na vanguarda da promoção de maior colaboração entre indústria
e governo com vistas ao SSA.
4) Apoio da Associação de Dados Espaciais, que tem por fim fazer os operadores
de satélites partilharem dados que promovam a segurança dos voos espaciais.
5) Os membros da célula de integração comercial que trabalham com o JSpOC
garantem a segurança dos vôos espaciais, limitam a interferência de freqüência
de rádio e compartilham dados sobre outras questões, de benefício mútuo para o
governo e os operadores comerciais.
6) É preciso uma regulamentação "inteligente", que só a FAA pode
fazer.
7) A FAA entende seu papel de promover todos os voos espaciais, sem sufocar a
indústria.
8) A indústria deve monitorar de perto qualquer marco regulatório.
9) Cerca de 1.400 satélites em órbita – quase metade deles comerciais ou
internacionais – serão em breve acompanhados por centenas, talvez milhares de
satélites em construção ou planejados. Entre eles, nanosats e cubesats menos
ágeis, que representam desafios de navegação e ao SSA. Novas regras devem ser
criadas com base na FAA para ordenar tais atividades.
10) A regulamentação deve apoiar a segurança dos voos espaciais, sem limitar a
inovação.
11) As medidas de redução do lixo espacial aplicadas a um satélite
geossincrônico podem ser diferentes das de uma constelação de nano-satélites em
órbita baixa com pouca margem de manobra. Com a FAA à frente da regulamentação,
podemos ter a um quadro global mais racional do que hoje.
Assim, a FAA deve assumir papel maior na segurança dos voos espaciais e no
SSA. Com ela estarão as poderosas empresas do setor, orientando as decisões
que efetivamente pesam.
Para Myland, é hora de mudança no espaço. Com esse título, ele publicou
em outubro artigo sobre ideias discutidas na audiência do Subcomitê de Forças
Estratégicas do Comitê de Serviços Militares da Câmara de Representantes,
realizada em setembro, sob o tema geral “Segurança Nacional no Espaço: Desafios
do Século XXI, Organização do Século XX”. (8)
Comentando o evento, Myland escreve: “Raras vezes em minha carreira vi uma
frustração expressa tão abertamente sobre o ritmo de mudanças na área militar
do espaço.” A seu ver, um dos destaques da audiência foi o reconhecimento de
que “o Departamento de Defesa (DoD) não tem uma estrutura organizacional
propícia ao desenvolvimento, supervisão, aquisição e lançamento de sistemas de
segurança nacionais baseados no espaço”; “é necessário definir questões de
aquisição, supervisão, gestão e requisitos do DoD”; “há que definir o melhor
modo de estabelecer uma estrutura de liderança global ou uma agência mais bem
equipada para adquirir, gerenciar, regular e supervisionar os programas
espaciais do DoD”; e “há que criar uma forma melhor de definir como os gerentes
de programas devem ser treinados, capacitados e incumbidos pelo DoD”;
No final, a oferta generosa de solução para a frustração e seus problemas:
“a infraestrutura espacial comercial deve ser usada como complemento dos
recursos de defesa e inteligência”. Ou, como esclareceu o deputado republicano
Jim Bridenstine (9), membro do Comitê, fazendo uma analogia entre o espaço e o
combustível usado pela Marinha: “A Marinha é totalmente dependente do
combustível para realizar suas operações. Mas ela não perfura nem aperfeiçoa o
óleo necessário à frota. O óleo vem de fora da Marinha. Do mesmo modo, o
mercado comercial pode fornecer o "combustível" espacial, integrando
seus sistemas com o DoD.”
Em tempo: onde se lê “mercado comercial”, pode-se ler “empresas privadas”.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial
(SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial,
Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da
Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Fábio Konder Comparato (1936-) é Professor Emérito da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo (USP), Doutor em Direito pela Universidade de
Paris e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.
2) Ver www.intelsat.com/about-us/overview/. Dona de cerca de 50 satélites, e de
centros espaciais, a Intelsat considera-se a “a rede de comunicações mais
extensa e segura do mundo”.
6) Ver textos em www.sbda.org.br.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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