Tudo Pronto Para a Guerra no Espaço?
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo de Direito Espacial escrito pelo Sr.
José Monserrat Filho e postado
pelo companheiro André Mileski ontem (13/11) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Tudo Pronto Para a Guerra no Espaço?
“Lembrem-se de sua humanidade e esqueçam o resto.
” Manifesto Russell-Einstein, de 9 de julho
de 1955. (1)
José Monserrat Filho
A inesperada ascensão de Donald Trump à Casa
Branca assustou o mundo. A grande mídia chamou o fenômeno de nova era da
incerteza, como se hoje ou ontem tivéssemos a certeza de alguma coisa. Qual é,
afinal, o verdadeiro Trump? O das violentas maluquices ditas e repetidas
durante a campanha eleitoral ou o das promessas de paz e amor, feitas no
discuso da vitória?
Noam Chomsky, famoso linguista e cientista político
americano, acertou na mosca: “Surpreendeu-me a irrelevância dos fatos. Já não
importa se o dito é certo ou falso. A verdade é irrelevante. Trump é um mestre
nisso. Foi espantoso ver como não importava quão loucas eram as coisas que ele
dizia.” (2) O conteúdo não interessa. Entra por um ouvido e sai pelo outro.
Mas, ao festejar o triunfo, Trump parece ter sido
sincero, embora contraditório. Certamente faltou-lhe o hábito da franqueza
e sobrou-lhe o vício do jogo trapaceiro das palavras. Afirmou ele: “Quero dizer
à comunidade mundial que sempre colocaremos os interesses dos Estados Unidos
acima de todos os demais, mas lidaremos de forma justa com todo mundo, todos os
povos e todas as nações. Buscaremos terreno comum, não hostilidade, parceria,
não conflito.” (3)
Cabe perguntar: Pode um país – e, em particular, o
país mais rico e poderoso da Terra – colocar sempre seus interesses acima de
todos os demais e, simultaneamente, tratar de modo justo os outros povos e
países? Ou ainda, pode um país – ao outorgar a seus próprios interesses uma
posição privilegiada no concerto das nações e, portanto, ao partir do
pressuposto de que tais interesses são, em princípio, inegociáveis, não podendo
ser objeto de qualquer concessão, ainda que pequena – dedicar-se, efetivamente
e de boa fé, à busca, na relação com os outros países, de um terreno comum de
cooperação, de não hostilidade, de real parceria e não conflito?
A inflexibilidade e desrespeito às demais nações não
condizem com os princípios da soberania, da igualdade de direitos e da
autodeterminação de todos os países, pedra angular do Direito Internacional,
calcado na Carta das Nações Unidas, em pleno vigor, ratificada por 193 países,
entre os quais os próprios EUA. (4) Imagine o que Trump pensa do Direito e da
Justiça.
A Carta, no Artigo 55 do Capítulo IX, sobre Cooperação
Internacional Econômica e Social, reza: “Com o fim de criar condições de
estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre
as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da
autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos
de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico
e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais,
sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e
educacional; e c) o respeito universal e efetivo à raça, sexo, língua ou
religião.”
Um dos propósitos das Nações Unidas (Artigo 1) é
“desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao
princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar
outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal”, inclusive no
espaço exterior. E o Artigo 2 determina que todos os países devem “evitar em
suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força” contra qualquer nação,
ou qualquer ato “incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”. Trump,
convém lembrar, nunca falou de paz mundial em toda a campanha. Republicano,
mantém estreitas relações com o complexo industrial militar, que fatura
altíssimo criando novos armamentos. Mais de 200 almirantes e generais apoiaram
sua candidatura, como ele mesmo disse. (5) Dai a relevância da questão que
examinamos a seguir.
Se não impedirmos o uso da força no espaço, as órbitas
do nosso planeta logo logo chegarão a uma situação crítica, adverte o
Índice de Segurança Espacial – ISE 2016 (Space Security Index – SSI 2016),
recém-lançado nos EUA, já em sua 13ª edição. Essa publicação nos dá a primeira
e única avaliação anual, abrangente e integrada da segurança espacial no século
XXI.
O objetivo do ISE é facilitar o diálogo sobre os desafios
da segurança espacial e suas potenciais respostas, fornecendo os fatos e dados
necessários para lastrear e orientar um debate de inestimável importância. O
relatório avalia os desenvolvimentos e atividades do ano anterior – no caso,
2015 – com base em quatro indicadores dos níveis de segurança no espaço:
sustentabilidade ambiental; acesso e uso do espaço; tecnologias para a
segurança espacial; e governança espacial. O objetivo é captar as mais
relevantes tendências e mudanças. (6)
A presente edição impressiona pelas revelações sobre
“a crescente ênfase conferida ao espaço como teatro de guerra”, ou seja,
como campo de batalha. O comentário é de Jéssica West, gerente do Projeto
Ploughshares, think tank canadense de pesquisas sobre a paz e a segurança. (7)
O Projeto tem excelentes parceiros: Fundação Simons,
Colúmbia Britânica, Canadá; Instituto de Direito Aéreo e Espacial da
Universidade McGill, Montreal, Canadá; Instituto de Política Espacial da
Universidade George Washington, EUA; Escola de Direito e Unidade de Pesquisa
sobre Direito Militar e Ética, Austrália; e Faculdade de Direito da
Universidade Xi'an Jiaotong, China.
As principais conclusões do ISE 2016 são,
segundo o Space Daily, de 8 de novembro (8):
1. As maiores potências seguem desenvolvendo e
demonstrando capacidade de construir armas anti-satélite;
2. Crescem as tensões militares no espaço, em
consequência de controvérsias, como as que se verificam hoje no Mar do Sul da
China e na Europa Oriental (neste item, claro, haverá que distinguir entre
litígios provocados e litígios reais);
3. As estratégias militares em alguns países passam por
mudanças, inclusive visando ao uso mais agressivo do espaço como teatro de
guerra;
4. São raros os mecanismos destinados a restringir o uso
da força no espaço;
5. A comunidade internacional não concordou até hoje com as diretrizes mais
básicas sobre as atividades espaciais.
O orçamento de estabilidade espacial foi substituído
por outro que apoia programas geradores de instabilidade e conflito. Essa
informação é a mais significativa dos relatórios do SSI feitos até hoje,
ressalta Theresa Hitchens, pesquisadora do Centro de Estudos Internacionais e
de Segurança da Universidade de Maryland, EUA, e antiga consultora do Projeto
Ploughshares.
Jana Robinson, do Instituto de Estudos de Segurança de
Praga, por sua vez, sustenta que persistem as ameaças tradicionais decorrentes
do ambiente espacial – como o aumento de detritos nocivos, a concorrência por
radiofrequências, interferência de sinal e tempo espacial. Hoje, enfrenta-se
"crescente variedade de ameaças multidimensionais", de atores
tanto estatais como não-estatais, projetadas para negar ou comprometer
outros benefícios do espaço.
Refletindo sobre o potencial de confrontos militares na
Terra espalhados pelo espaço, Robinson se pergunta se a comunidade global está
preparada para gerenciar uma situação ativa anti-espaço e a provável negação de
serviços espaciais. E responde: "É quase certo que não". (9)
As ações para um país negar a outro o uso do espaço
teriam, de imediato, efeitos em cascata. Produziriam mais lixo espacial.
Mas o pior poderia vir depois: a eliminação de satélites de enorme utilidade
para a Terra. Em 2007 – em claro recado aos EUA, dentro da lógica do “veja bem,
nós também temos” –, a China realizou uma demonstração anti-satélite: destruiu
um satélite próprio já desativado, criando imensa nuvem de detritos, que
atingiu órbitas da Terra muito usadas. (10)
Outro fato alarmante: ainda não se tem clareza e
segurança sobre se e como um conflito bélico espacial, uma vez deflagrado, pode
ser contido. Nos jogos de guerra, ataques a satélites são capazes de gerar
confrontos graves e imprevisíveis, alerta Laura Grego, da Union of Concerned
Scientists (União de Cientistas Preocupados, fundada em 1969), dos EUA. (11)
Ocorre que o espaço é indispensável não só para os
militares e para quem opera estratégias de ataque e defesa, muito embora –
no espaço, em especial – já se saiba perfeitamente que a melhor defesa é o
ataque e que o ataque é a melhor defesa...
Não por acaso, em 2013, a Assembleia Geral das Nações
Unidas aprovou resolução proposta por um grupo de nações, inclusive o Brasil,
concitando todos os países a não serem os primeiros a instalarem armas no
espaço, e proibindo a instalação em órbitas da Terra de novos tipos de armas de
destruição em massa. (12)
O espaço é hoje essencial ao dia-a-dia na Terra,
para a indústria, o desenvolvimento humano, a segurança de todos os países, o
monitoramento e a proteção do meio ambiente, a prevenção, o enfrentamento e a
mitigação de desastres naturais e provocados, bem como o acompanhamento, o
estudo e a resolução dos problemas da economia mundial. Tudo isso tornou-se
dependente dos dados e benefícios espaciais, como bem indica o ISE 2016.
O ISE 2016 nos dá também acesso a importantes cifras
das atividades espaciais do mundo, em 2015. Havia, então, 1.419 satélites
ativos; 70 programas espaciais civis; 87 tentativas de lançamento de satélites
por sete Estados; 190 espaçonaves individuais lançadas; 56 Estados
proprietários de satélites; mais de 2.000 vidas salvas graças ao programa Cospas-Sarsat
(13); os novos investimentos em projetos espaciais envolveram algo em torno de
US $ 1,5 bilhão; e a indústria de satélites faturou 208 bilhões de dólares
norte-americanos. (14)
Daí a conclusão para lá de óbvia do próprio relatório:
“Manter um ambiente operacional seguro e estável no espaço é imperioso para
todos.”
Resta saber o que o Presidente Trump pensa e fará a
respeito, a fim de recuperar a grandeza de seu país, como ele não cansa de
dizer.
Referências
1) O Manifesto – assinado por Beltrand Russel
(1872-1970) e Albert Einstein (1879-1955) e mais nove cientistas de projeção
mundial – alertava a opinião pública mundial para o perigo e as consequências
de uma guerra nuclear: “Esta sombria perspectiva da raça humana está além de
qualquer precedente. A humanidade encontra-se perante uma clara escolha: ou
adquirimos um pouco de sensatez, ou iremos todos perecer. Uma reviravolta do
pensamento político terá que acontecer para que seja evitado o desastre final.”
O documento foi dado a público em Londres, no dia 9 de julho de 1955. Einstein
falecera em 18 de abril daquele mesmo ano. Também firmaram o Manifesto: Max
Born (1882-1970), Percy W. Bridgman (1882-1961), Leopold Infeld (1898-1968),
Frédéric Joliot-Curie (1900-1958), Hermann J. Muller (1890-1967), Linus
Pauling (1901-1994), Cecil F. Powell (1903-1969), Joseph Rotblat (1908-2005) e
Hideki Yukawa (1907-1981). Leia a íntegra do manifesto em
http://www.sbfisica.org.br/fne/Vol6/Num1/pugwash.pdf.
2) Ver em http://www.other-news.info/noticias/2016/11/en-estados-unidos-la-guerra-civil-aun-no-termino/.
3) Folha de S. Paulo, Íntegra do discurso de Donald
Trump, 10/11/2016, p. A19.
5) Folha de S. Paulo, Íntegra do discurso de Donald
Trump, 10/11/2016, p. A19.
8) Idem Ibidem.
9) Idem Ibidem.
12)
http://brazilianspace.blogspot.com.br/2014/12/nao-ser-o-primeiro-instalar-armas-no.Html e/ou http://www.un.org/press/en/2014/gadis3514.doc.htm.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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