O Papel da Indústria no Programa Espacial Brasileiro

Olá leitor!

Recebi agora a pouco um interessante artigo opinião tendo como tema o Papel da Indústria Brasileira no Programa Espacial Brasileiro. O artigo em questão foi enviado ao BLOG por um conhecido profissional que atua no setor espacial, mas que segundo as suas próprias palavras 'por razões obvias' o artigo não foi assinado, mas teve como autor um diretor de uma microempresa de tecnologia espacial de SJC.

Normalmente o BLOG BRAZILIAN SPACE não publica artigos anônimos por acreditarmos que a transparência no setor público é de fundamental importância para que se obtenha a credibilidade necessária que possibilite o crescimento deste setor ou de qualquer setor, mas isso evidentemente num país sério o que o Brasil não é. Não de constrói nada discutindo fantasias em audiências públicas como acontece há décadas repetidamente (a próxima será no dia de amanhã) no maior fórum político do país e sim identificando, discutindo soluções e principalmente implementando ações efetivas que possibilite o crescimento de um setor, seja ele qual for, e para isso a sociedade tem de contribuir ativamente e abertamente apresentando soluções e cobrando de quem tem o poder que faça a sua parte. É assim que uma nação de verdade se desenvolve e aposta no futuro.

Entretanto, devido ao debate sobre a participação da indústria do setor no PEB que tem ocorrido nas últimas semanas aqui no BLOG, resolvemos postar esse artigo anônimo não só pelo mesmo trazer uma outra visão sobre o assunto (visão esta que deve estimular ainda mais as discussões), mas também por acreditamos que estamos ainda há anos luz da mudança cultural necessária para transformamos esse território de tribos em uma verdadeira nação respeitada internacionalmente.

Duda Falcão

O Papel da Indústria no
Programa Espacial Brasileiro

Um verdadeiro programa espacial nacional indica diretamente soberania e independência, seja quanto ao ciclo do desenvolvimento dos satélites, do controle e mesmo o lançamento desses equipamentos. Durante o período da corrida espacial, tivemos a participação completa do estado no desenvolvimento de tecnologia espacial, principalmente pelas potências da época, USA e CCCP. No entanto esta muito claro que em breve iniciaremos uma nova corrida espacial, desta vez os investimentos do setor privado terão grande importância nesse processo, como pode ser notado na Europa e USA, a participação da indústria tem de intensificado de modo surpreendente, mostrando um caminho menos oneroso ao estado, e com avanço mais ágil, caracterizado pelas instituições privadas.

No Brasil essa tendência ainda esta relativamente distante. Não por falta de competência técnica da indústria nacional, mas por falta de incentivos que empresas se dediquem também as tecnologias aeroespaciais. A primeira barreira para a entrada neste campo, é a falta de incentivo governamental. Empresas do setor aeroespaciais necessitam de grandes investimentos para sua implantação, no modelo norte americano, a NASA investe em pequenas e médias empresas através de dezenas de subcontratos com fins de fomento e desenvolvimento de pesquisas, gerando assim mão de obra e dando condições para o surgimento de microempresas do setor. No Brasil no entanto, para uma empresa conseguir algum tipo de subvenção econômica ou investimentos a mesma deve possuir já porte considerável, o que torna inviável a abertura da maioria dos empreendimentos, somando ainda a questão do campo aeroespacial possuir mercado extremamente sazonal e restrito, tornando a tarefa de angariar fundos quase impossível.

Por outra lado, empresas que receberam massivos investimentos financeiros por parte do governo, se utilizaram e ainda se utilizam de políticas que promovem a dependência de constante ajuda e contratos governamentais. Tais empresas tipicamente estão relacionada das com antigos e/ou atuais servidores dos quadros civis e militares do DCTA e INPE,, resultando em diversas comprar e contratações por parte do DCTA e INPE que são extremamente onerosas, tipicamente muitas vezes acima do valor de mercado e em alguns casos de pouco valor agregado. Tal fenômeno vem dilapidando os sempre escassos recursos do Programa Espacial Brasileiro - PEB, culminando em casos como o do VLS, que é uma veículo obsoleto e caro mesmo antes de ser qualificado, quando feita uma comparação com o veículo FALCON 1, desenvolvido por iniciativa privada, o mesmo possui o dobro da capacidade de satelitização, com um custo por lançamento da ordem de US$ 7 á 10 Milhões, ou seja, metade do custo do VLS, sem considerar a questão do seguro, pois o VLS deverá possuir quando concluído, um custo de seguro inviável ou várias vezes mais caro que um veículo como o FALCON 1, devido a confiabilidade do projeto (configuração TSTO e LRE em todos os estágios). Do modo como a empresa brasileira EMBRAER compete no mercado internacional é fácil concluir que não é falta de competência técnica na indústria de base nacional, mas sim um cenário atual onde as empresas colaboradoras do PEB são poucas e praticamente sem concorrentes, gerando assim políticas danosas ao desenvolvimento dos componentes da Missão Espacial Completa Brasileira - MECB, devido ao escasso interesse na melhoria e aprimoramento e no custo elevado, ditado muitas vezes de forma abusiva e com grande disparidade do mercado externo.

Não há meios de se ensaiar, testar e fabricar os equipamentos e veículos previstos no Programa Nacional de Atividades Espaciais - PNAE e na MECB sem a íntima ligação com a indústria nacional, no entanto, a indústria nacional neste campo ainda não possui corpo suficientemente preparado para esses desafios, devido ao explanado anteriormente, falta de incentivos governamentais e políticas não adequadas das poucas empresas da área. Assim sendo, a forma mais rápida de fomentar e criar meios para a criação de um parque de indústrias do setor aeroespacial passa pela criação e manutenção de um parque tecnológico e incubadoras com foco neste seguimento, a exemplo da INCUBAERO. Dentro dessa mentalidade, a AEB vem prevendo no PNAE de 2005 á 2014 um investimento de R$ 2,8 Milhões Anuais na “Capacitação da Indústria Nacional” e R$ 2,8 Milhões em “Recursos Humanos”, também as seguintes citações encontradas no PNAE-2005/2014.

* Impõe-se, portanto, que se estabeleça uma estratégia de implementação do Programa Nacional de Atividades Espaciais - PNAE e que se baseie, concretamente, nos seguintes princípios – pag. 19

1.     (5) Integração da indústria e da academia ao conjunto das instituições envolvidas com a implementação do PNAE.

* Metas do Período Decenal introduzidas no PNAE – pag. 20

1. (1) Continuação do desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites - VLS e seus sucessores, com incremento da participação industrial, e da infra-estrutura de lançamento, incluindo o Centro de Lançamento de Alcântara - CLA.

2. (8) Manutenção e industrialização do bem-sucedido programa de foguetes de sondagem.

3.       (9) Incremento da participação da indústria nacional no desenvolvimento das atividades e projetos contemplados pelo Programa, promovendo, inclusive, a transferência de tecnologias geradas no INPE e no CTA.

* A plataforma de serviços do Satélite RADAR poderá ser contratada na indústria nacional. Esta poderá maximizar sua participação no desenvolvimento da carga útil por meio de um programa de P&D na área de Radares de Abertura Sintética –pag. 27

* Paralelamente, espera-se que a contratação, na indústria nacional, de sistemas e subsistemas de lançadores e a exploração comercial de serviços de lançamento propiciem a geração de empregos qualificados e o surgimento de desdobramentos, ou spin-offs, da tecnologia espacial em outras áreas deatividade econômica – pag. 43

* Capacitar a indústria nacional para projetar e fabricar sistemas de transporte espacial, particularmente foguetes de sondagem, incluindo componentes, equipamentos, subsistemas e sistemas completos - pag. 44

* O Brasil possui foguetes de sondagens operacionais que suprem suas necessidades presentes, com uma história bem-sucedida de lançamentos. Entretanto, a política de envolvimento crescente das universidades e centros de pesquisa no programa espacial deverá acarretar uma demanda maior destes veículos, justificando, assim, que se continue sua produção, estimada em, no mínimo, dois veículos por ano. Esta produção de veículos de sondagem, para atender às demandas de missões científicas e tecnológicas, deverá ser gradualmente transferida à indústria nacional – pag. 45

Pelo já explanado, o nosso PEB não deve ter rumos muito diferentes do que se tem desenhado atualmente, o PEB necessita urgentemente fomentar a indústria nacional de base, de modo a gerar um corpo industrial que permita a saudável competitividade das indústrias, gerando assim realmente produtos com alto conteúdo tecnológico e custos acessíveis e racionais, sendo o melhor instrumento para tais incubadoras e parques tecnológicos, além de editais e licitações que permitam um número maior de micro e pequenas empresas participantes.

Resumidamente, o que é possível concluir é que a corrosão do PEB vem devido primeiramente a falta de políticas de estado, para a área aeroespacial, com recursos constantes e suficientes para o desenvolvimento das metas. Mesmo que não sejam incrementadas, é possível cumprir muito mais do que tem sido feito, no entanto é fundamental uma continuidade nesses repasses, sem os famosos cortes de emergência.

Também é possível citar a burocracia como um dos maiores entraves para a pesquisa brasileira em geral, impedindo e atrasando diversos contratos e desenvolvimentos.

Por último, a política industrial talvez seja o problema mais grave do PEB, onde uma grande parcela dos recursos são direcionados a pouquíssimas indústrias, por meio de dispensas de licitação que podem ser questionáveis ou mesmo licitações com avaliações também questionáveis. É notável a falta de compromisso de algumas empresas com o avanço do PEB, primando pela lucratividade máxima, e rentabilidade dos contratos, além de constantes ameaças de demissão de equipe, desmantelamento de laboratórios e linhas de fabricação, onde essas empresas poderiam proceder como as empresas de outros setores, que é diversificar suas áreas de atuação e produtos.

Então fica a questão, será que estamos administrando bem nossos recursos?

Comentários

  1. Parte 1/2
    Bom, eu já havia lido rapidamente o artigo no trabalho, mas preferi ler com calma para fazer um comentário. Desculpem pela demora, pois considero assim como o Duda, esse artigo deveras importante.

    Como já devem saber, não costumo responder comentários anônimos, mas como nesse caso, existe uma justificativa razoável para tal atitude do autor, vou também abrir uma exceção aqui.

    Devido a importancia que estou dando ao assunto, meu comentário ficou muito grande, portanto vou dividí-lo em duas partes:
    Vou começar pelo final, respondendo a pergunta: claro que os nossos recursos estão sendo pessimamente administrados. Isso em todas as áreas e em todas as instâncias, haja visto que nessa tal operação lava jato, apenas na primeira peneirada eles resolveram reter nada menos que R$ 700 milhões, sim, apenas nessa pontinha do iceberg, os contribuintes brasileiros pagaram de propina para essa corja, o DOBRO do orçamento anual do nosso PEB, que a meu ver está em estado terminal.

    Falar em política industrial, num país cujo "governo" ilude grande parte da população "fabricando" números irreais, dizendo que está tudo lindo, maravilhoso e sob controle, parece piada de mau gosto. Se uma junta diretora de uma empresa privada fizesse dez por cento da fantasia financeira que esse "governo" vem fazendo, seriam todos presos e condenados por diversos crimes. Vide exemplo do excelentíssimo senhor Eike Batista, que se juntarem as penas pode pegar um "gancho" de uns 3 anos pelo "conjunto da obra". E o crime do coitado foi dizer que ia injetar US$ 1 bilhãozinho na OGX, coisa que acabou não fazendo.

    Então, senhores, não precisa ir muito longe para ver que os recursos estão muito mal direcionados...

    Querem ver outra? As empresas privadas, das quais o autor do artigo faz parte, contrata seus funcionários, ou assim deveria ser, pelas regras das leis trabalhistas comuns, ou seja, aquela as quais os cidadãos sem casta como nós estamos sujeitos, ou seja, trabalhamos de acordo com o mercado: tem trabalho, nós estamos empregados; não tem trabalho somos demitidos. Essa prática pode parecer cruel, mas do ponto de vista de um mercado capitalista, é o justo, pois como a empresa vai pagar não só os salários como os altíssimos encargos que o "governo" obriga que eles paguem, se não existe mercado para o que eles produzem? É uma aritmética que não fecha certo? Errado !!!

    Num país de castas como o nosso, existe uma parcela da população, chamada a meu ver erroneamente de "servidores públicos", que têm o seu emprego garantido, um bom salário também garantido no final do mês, e pasmem: uma aposentadoria também diferenciada do restante da população, muito mais vantajosa.

    ResponderExcluir
  2. Parte 2/2
    Então senhores, estamos aqui apreciando, tudo isso, alguns ainda julgando que é possível haver uma saída que integre os interesses desses "servidores públicos" e suas sub castas (no caso militares e civis), e que eles de alguma forma abram mão das suas benesses diferenciadas e passem a agir como reais servidores públicos, ou seja defendendo os interesses do país, e não de grupos, setores ou indivíduos.

    A descrição sombria, porém bastante realista que o autor faz da atual situação não nos causa surpresa, ao menos nós que acompanhamos todo esse processo de longa data. sobre isso nem preciso comentar, basta ler o artigo e constatar a situação de penúria na qual aqueles bem intencionados que ousaram confiar que o "governo" daria ao menos uma migalha para o programa espacial de um país da importância do Brasil.

    Enfim, se houver qualquer esperança de um renascimento do PEB ora moribundo, ela passa necessariamente, ou por reformas profundas na estrutura que aí está, coisa que eu duvido, pois são muitos os interesses e ninguém quer "largar o osso", ninguém quer abrir mão dos "privilégios injustificados".

    A outra alternativa, muito difícil, é buscar uma alternativa independente, uma saída que não dependa mais dos "governos" que venham a se alojar em Brasília nos anos que virão. Esta, apesar de admitir ser muito difícil de implementar, a meu ver é a única que resta, pois julgar a essa altura, que algo de bom para o PEB, parta desse ou de futuros governos, ou de dentro das instituições "oficiais", tipo INPE, IAE, AEB, etc, etc, acho que é ser otimista demais.

    Então, a minha conclusão é a seguinte: ou se busca uma forma realmente profissional e independente de conduzir o PEB, ou podem mudar de ramo, pois além de amadores quando se trata de gestão, esses que andam por aí, ou são mal intencionados, ou simplesmente se acomodaram sobre os seus benefícios e estão apenas aguardando a já mencionada aposentadoria diferenciada.

    Quem quiser tirar a prova, assista o início desse vídeo e constate qual o maior interesse daqueles que hoje fazem parte do PEB:

    Palestra sobre Aposentadoria Especial.

    Enquanto os interesses primordiais forem esses, não adianta querer lançar foguetes ou colocar satélites em órbita, se as próprias castas civil e militar não se entendem, o que podemos esperar. Os problemas de gestão do programa espacial não estão sendo debatidos. O que está sendo discutido são os benefícios diferenciados daqueles que já são tratados de forma diversa do restante dos trabalhadores que não são "servidores públicos".

    Entendam de uma vez por todas, o que importa são as gratificações e outros interesses, o PEB que se exploda, ele está lá no final da lista de prioridades. Isso de quem trabalha nele !!! Imaginem o que acontece lá nos palácios do "poder" que sequer sabem o que é um programa espacial de fato.

    Acordem !!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário