Estrelas que o Vento Apagou
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante artigo publicado na
edição de janeiro de 2013 da “Revista Pesquisa FAPESP”, destacando que um estudo de astrônomos brasileiros demonstra que o Gás soprado por explosões estelares pode ter interrompido o crescimento das Galáxias Anãs.
Duda Falcão
CIÊNCIA
Estrelas que o Vento Apagou
Gás soprado por explosões estelares interrompeu
crescimento de galáxias anãs
IGOR ZOLNERKEVIC
Edição 203 - Janeiro de 2013
©ESO/ DIGITIZED SKY SURVEY 2
Há algo
misterioso sobre a evolução das galáxias anãs. Os astrônomos observam um número
muito menor desses pequenos aglomerados de estrelas do que prevê a teoria atual
de como o Universo se formou a partir de uma explosão ocorrida há 13,7 bilhões de
anos, o Big Bang. Por essa razão, acredita-se que ou há algo de errado com essa
teoria – opção cada vez menos aceita pelos especialistas –, ou algo aconteceu
durante a formação dessas galáxias que as deixou tão vazias de estrelas que nem
os mais poderosos telescópios conseguem observá-las.
Em um
trabalho recém-aceito para publicação na revista Monthly Notices of the
Royal Astronomical Society, um grupo de astrônomos brasileiros apresenta
resultados que fortalecem a segunda hipótese e detalham um possível mecanismo
que teria impedido algumas galáxias anãs de produzirem estrelas em abundância.
Por meio de simulações de computador, Diego Falceta-Gonçalves, da Universidade
de São Paulo (USP), e Luciana Ruiz, Gustavo Lanfranchi e Anderson Caproni, da
Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), propõem que uma série de explosões
estelares ocorridas no início da formação das galáxias anãs teria expulsado
delas quase todo o gás que serviria para gerar novas estrelas. Como
consequência, elas se tornariam quase despovoadas.
Embora
tenham ocorrido há mais de 13 bilhões de anos, pouco após a criação do
Universo, essas explosões estelares podem ter deixado traços – diferenças na
concentração de elementos químicos dentro e fora das galáxias – que podem ser
verificados por meio de observações astronômicas e contribuir para confirmar ou
refutar o modelo. “Nosso trabalho explica o que pode ter ocorrido tanto no
interior da galáxia anã como entre os aglomerados de galáxias”, diz Lanfranchi.
As galáxias
anãs existem em todo o Universo, orbitando galáxias maiores, como a nossa, a
Via Láctea. Em geral, elas possuem centenas de milhões de estrelas – cerca de
0,1% do total encontrado na Via Láctea. Algumas ainda contêm gás e se mantêm
capazes de gerar novas estrelas. Mas a maioria abriga apenas um grupo de
estrelas velhas. Na Ursa Menor, uma das galáxias anãs que orbita a Via Láctea,
por exemplo, a última estrela nasceu 9 bilhões de anos atrás.
De acordo
com a teoria cosmológica corrente, segundo a qual o Universo nasceu há 13,7
bilhões de anos a partir de uma explosão inicial e vem expandindo desde então,
as galáxias anãs foram os primeiros aglomerados de estrelas a se formar, em
torno de 300 milhões de anos após o Big Bang. Galáxias maiores, do porte da Via
Láctea, só começariam a surgir 1 bilhão de anos depois. Os astrônomos ainda
debatem se as galáxias maiores surgiram da aglutinação de anãs ou se cresceram
independentemente delas. Mas todos acreditam que as galáxias, grandes ou
pequenas, nasceram do gás acumulado em regiões do espaço onde a matéria escura
se concentrou.
©INFOGRÁFICO COSMIC TIMELINE
ILLUSTRATION - NASA/CXC/M.WEISS
A matéria
escura é uma substância invisível e de identidade ainda desconhecida. Ela
permeia todo o espaço e só é percebida pela influência gravitacional que exerce
no movimento de estrelas e galáxias. Pelas observações cosmológicas, deve
existir de cinco a nove vezes mais matéria escura do que matéria normal no
Universo. E as simulações computacionais baseadas na teoria do Big Bang sugerem
que as galáxias maiores se formaram justamente nas regiões em que uma quantidade
maior de matéria escura se aglomerou, os chamados halos.
Essas
simulações também mostram que cada um desses grandes halos de matéria escura é
cercado de uma constelação de centenas de halos menores, que, em princípio,
deveriam originar galáxias anãs. Mas em vez de centenas, foram observadas
apenas 26 delas orbitando a Via Láctea. “De acordo com as observações e as
simulações, deve haver centenas de halos de matéria escura que não formaram
quase nenhuma estrela”, comenta Lanfranchi.
Outro
mistério a respeito das galáxias anãs é que a proporção entre a matéria normal
e a escura é muito diferente daquela observada nas galáxias maiores. A massa do
halo de matéria escura que envolve a Via Láctea é 10 vezes maior que a massa
total de suas estrelas. Já as galáxias anãs estudadas têm de 20 até 3,4 mil
vezes mais matéria escura que massa estelar. “Por alguma razão, foram formadas
proporcionalmente muito menos estrelas nas galáxias anãs do que na Via Láctea”,
diz Gonçalves.
Para
esclarecer o passado das galáxias anãs, vários grupos de astrofísicos vêm
desenvolvendo simulações de como teria evoluído a concentração inicial de gás e
matéria escura que as originou. Todos os trabalhos sugerem que os protagonistas
dessa história são as supernovas – as explosões que marcam o fim da vida de
estrelas com massa muito elevada, dezenas de vezes maior que a do Sol. Segundo
os modelos teóricos, as primeiras supernovas formadas nessas galáxias teriam
transferido tanta energia para o gás no interior desses aglomerados de estrelas
que terminaram por expulsá-lo para o meio intergaláctico. E, sem gás, a
formação estelar teria sido interrompida.
©INFOGRÁFICO COSMIC TIMELINE
ILLUSTRATION - NASA/CXC/M.WEISS
Nenhuma
simulação até agora, porém, havia chegado a um nível de detalhe suficiente para
explicar exatamente como esse gás escaparia nem em que quantidade e em qual
estágio da evolução galáctica. Os astrônomos brasileiros aceitaram então o
desafio de simular o primeiro bilhão de anos das galáxias anãs da maneira mais
realista possível, usando um código computacional desenvolvido pelo astrofísico
polonês Grzegorz Kowal, da USP. Nas simulações os pesquisadores avaliaram 11
cenários possíveis para a evolução dessas galáxias, variando parâmetros como a
distribuição de matéria escura e a taxa de formação de supernovas. Eles também
levaram em conta detalhes como o surgimento aleatório das supernovas em várias
regiões da galáxia e a quantidade de energia das explosões convertida em calor
ou luz.
Ventos Ubíquos
Apesar de
controlarem os parâmetros de suas simulações, os pesquisadores não tinham como
saber o resultado de antemão. “Conseguimos determinar quão rápido as galáxias
perdem gás, dependendo de sua massa, da distribuição de matéria escura e da
taxa de formação de supernovas”, explica Gonçalves.
Em todos os
cenários, as simulações mostraram que as supernovas criam ventos que começam a
expelir o gás da galáxia 100 milhões de anos após seu nascimento. No caso mais
extremo, 88% do gás foi eliminado em 1 bilhão de anos. “A maioria dos halos
acaba com poucas estrelas e se tornam invisíveis”, conta o pesquisador. “As
galáxias que observamos hoje se formaram nos cenários em que o vento foi mais
brando.”
Os
pesquisadores imaginavam que o gás aquecido pelas supernovas superasse a
atração gravitacional e escapasse da galáxia por ser impulsionado com muita
energia, como um foguete lançado rumo ao espaço. Mas descobriram que não era
sempre assim. De 5% a 40% do gás aquecido pelas explosões escapava em menos de
200 milhões de anos, mesmo sem energia para vencer a gravidade, ao flutuar no
gás mais frio e mais denso a sua volta. “É mais como uma bexiga cheia de hélio,
que sobe sozinha, sem ser lançada”, explica Gonçalves.
© IMAGENS RUIZ, L.O. EL. AT. MNRAS – 2012
Esse
fenômeno, conhecido como instabilidade de Rayleigh-Taylor, é o mesmo
responsável pela elevação de gás quente em forma de cogumelo de uma explosão de
bomba atômica. Na simulação dos brasileiros, as supernovas criam bolhas de gás
quente ao seu redor, que migram para as camadas mais externas e frias da
galáxia, se expandindo e se fundindo, formando canais por onde o gás escapa.
Uma consequência importante desse fenômeno é que a composição do gás que sai
das galáxias anãs não é a mesma do gás primordial, composto por elementos
químicos leves (hidrogênio e hélio), os primeiros a surgirem no Universo. O gás
que escapa é enriquecido com elementos químicos mais pesados, criados nas
explosões das supernovas.
“Esses
resultados são interessantes e devem ser confrontados com observações para
verificar se a teoria está correta”, afirma o astrofísico Reinaldo de Carvalho,
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, estudioso da evolução das
galáxias.
Os
pesquisadores esperam encontrar evidências do que ocorreu com as galáxias anãs
ao investigar a composição química de suas estrelas. Para isso, estão
analisando uma galáxia anã, a Ursa Menor. Eles planejam comparar as conclusões
com a composição do meio intergaláctico, para onde teriam sido expelidos os
elementos químicos mais pesados. n
Os Projetos
1. Campos magnéticos, turbulência e efeitos de plasma
no meio intergaláctico – nº 2011/12909-8;
2. Estudo numérico de plasmas
magnetizados colisionais e não colisionais em astrofísica – nº
2009/10102-0;
3. Aplicação de modelos teórico-computacionais em
astrofísica – nº 2006/57824-1.
Modalidade: 1. e 2. Linha
Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa;
3. Jovem Pesquisador.
Coordenador:
1. e 2. Diego Falceta Gonçalves – USP;
3. Gustavo Amaral
Lanfranchi – Unicsul.
Investimento:
1. R$ 151.676,28 (FAPESP);
2.
R$ 108.750,89 (FAPESP);
3. R$ 171.39 5,05 (FAPESP).
Artigo
científico
Ruiz, L. O. et al. The mass loss process in dwarf galaxies from 3D
hydrodynamical simulations: the role of dark matter and starbursts
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - janeiro de 2012
Comentário: Olha ai, não demora muito e essa comunidade
mostra algum resultado. Fantástico.
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