Região Serrana do Rio de Janeiro Impõe Novos Desafios ao CEMADEN

Olá leitor!

Trago agora para você uma interessante matéria postada na edição de fevereiro do “Jornal do SindCT”, destacando que a Região Serrana do Rio de Janeiro impõe novos desafios ao Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN).

Duda Falcão

NOSSO TRABALHO

Centro criado em 2011 atua para monitorar riscos e evitar desastres naturais

Região Serrana do Rio de Janeiro
Impõe Novos Desafios ao CEMADEN

Neste início de 2016, os pesquisadores do CEMADEN cumprem uma intensa
Agenda de instalação de Estações Totais Robotizadas (ETR)
nos Municípios de Teresópolis e Nova Friburgo

Antonio Biondi
Jornal do SindCT
Edição nº 45
Fevereiro de 2016

Foto: Antonio Biondi
Caixa de vidro onde será instalada ETR,
em escola de Nova Friburgo.

Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais é um órgão cuja criação e vocação remete a grandes desafios — algo acentuado pelas dimensões e características naturais do Brasil. Nesse sentido, a região serrana do Rio de Janeiro apresenta-se como uma das mais emblemáticas e instigantes para o CEMADEN, tanto no que diz respeito aos estudos desenvolvidos pelo centro, quanto em relação às atividades práticas dos seus pesquisadores, mais sujeitas a riscos.

Neste início de 2016, os pesquisadores do CEMADEN cumprem uma intensa agenda de instalação de Estações Totais Robotizadas (ETR) nas mais diversas regiões do país. Não à toa, os municípios fluminenses de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro, figuram entre as prioridades na implementação desses equipamentos, ao lado de Angra dos Reis, no litoral do Estado.

O trabalho e os equipamentos destinam-se a acompanhar os fenômenos naturais daquela região — climáticos, geológicos e outros — com vistas a evitar a repetição de tragédias como a verificada ali em 2011. Na ocasião, fortes chuvas, que provocaram enchentes e grandes deslizamentos de terras, levaram à morte centenas de pessoas. Uma catástrofe, que representou o estopim na criação do CEMADEN, decidida naquele mesmo ano.

Hoje os municípios da serra fluminense ainda buscam superar as marcas de 2011. Para o CEMADEN, eles representam não só um de seus maiores desafios, mas igualmente o terreno fundamental para o desenvolvimento de pesquisas e padrões que possam ser aplicados e utilizados no restante do país.

Subindo a Serra

A equipe do Jornal do SindCT esteve em janeiro nos municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, a fim de conhecer a atual situação da região e o trabalho local do CEMADEN. Em meio à exuberância da Mata Atlântica, impressionam as grandes rochas e seus imponentes paredões, assim como a profusão de cursos d’água — dos mais cristalinos aos condenados pela poluição — e, ainda, a ocupação humana marcada pela desigualdade e pelos riscos explícitos.

Márcio Almeida, pesquisador em geodinâmica da Coordenadoria-Geral de Pesquisa e Desenvolvimento do CEMADEN, destaca que comentar as iniciativas da equipe na região serrana “nos leva a falar um pouco da própria missão do CEMADEN”, reafirmando que o desastre verificado cinco anos atrás foi um dos principais motivadores da criação do centro de monitoramento e alertas.

Foto: Ascom/CEMADEN-MCTI
Márcio Almeida

Atualmente o CEMADEN monitora, no país todo, cerca de 5 mil equipamentos (pluviômetros automáticos e semiautomáticos, radares, ETR e outros) nas regiões mais suscetíveis às chuvas e deslizamento de encostas, fenômeno que tem na chuva seu principal agente. Petrópolis conta com 26 pluviômetros automáticos e 35 semiautomáticos; Nova Friburgo, 23 e 20, respectivamente; Teresópolis, 19 automáticos. Outro equipamento, porém, também desempenha papel crucial: “Contamos com uma rede de sensores geotécnicos voltados a monitorar os deslocamento de terrenos”, relata Almeida.

Os sensores captam até mesmo as mais sutis movimentações de terra, com precisão de milímetros. “Se os pontos se deslocam, a Estação Total Robotizada emite um alerta via SMS e Internet”. A informação do deslocamento do terreno, junto ao acompanhamento das chuvas e outros aspectos, permite ao CEMADEN identificar os potenciais riscos para os moradores.

Os prismas de reflexão que subsidiam cada ETR são colocados onde se identifica uma ameaça, em áreas demarcadas a partir do trabalho de campo. A escolha dos locais passa por características como o tipo de solo, declividade, cursos d’água, etc. Cada conjunto conta com 100 prismas, que durante 24 horas monitoram a área, e dispõem de sensibilidade para identificar deslizamentos milimétricos de massa. A interpretação desses dados (e de outros sobre as chuvas) é o ponto de partida para a eventual emissão do alerta e para a definição da evolução do nível desse alerta.

O comportamento da água no solo também não se faz somente com os dados da chuva. São instalados sensores nas camadas do solo, que identificam as frentes de molhamento e mostram a infiltração de umidade no terreno — um fenômeno que diminui crescentemente a estabilidade do solo. “A lógica é então de integrar esses diferentes conjuntos de observação de parâmetros ambientais por parte dos diferentes sensores”, resume Almeida, ressaltando que os principais indicadores são obtidos a partir da integração dos três sensores: o pluviômetro (cujo trabalho é complementado pelo dos radares meteorológicos); a ETR, que conta com os prismas de movimentação; e o sensor de umidade do solo.

Almeida explica que a catástrofe verificada em 2011 na região serrana do Rio decorreu tanto das características do meio físico ali existentes, quanto do fato de ter ocorrido um fenômeno meteorológico bastante específico. “O ano de 2010 foi razoavelmente chuvoso, deixando o terreno relativamente úmido. E em 2011 você teve pancadas muito fortes e volumosas”, destaca. De acordo com o pesquisador, pode ter sido um fenômeno que talvez ocorra, digamos, “de 100 em 100 anos, de 200 em 200 anos”, mas acontece. “Não quer dizer que não seja comum em termos de tempo do Planeta”.

Nova Friburgo

Em Nova Friburgo, os técnicos do CEMADEN se dedicavam, na passagem de janeiro para fevereiro, a instalar uma ETR e seus respectivos prismas no bairro Floresta. No trajeto entre Petrópolis e Teresópolis, e depois até Nova Friburgo, nos deparamos com uma profusão de deslizamentos de terra, das mais variadas dimensões. São inúmeras áreas em recuperação, barreiras de contenção, novas áreas ocupadas, outros deslizamentos, além de casas, prédios e condomínios em construção.

Foto: Antonio Biondi
Deslizamento verificado no bairro Floresta.

A lona preta, que busca conter de forma mais imediata e precária as movimentações do solo, é quase um símbolo da região, ainda mais em um ano de fortes chuvas, como tem sido 2016. Nesse cenário, “as famílias acabam saindo de uma área de risco e indo para outra, e assim sucessivamente”, explica Carla de Carvalho, da coordenação executiva do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, ao Jornal do SindCT.

Na rua Hildebrando Couto, em Nova Friburgo, a família de Gleice Passos Klein vive a algumas (poucas) dezenas de metros de uma grande rocha que cedeu às intensas e insistentes chuvas de 2013. “O morro desceu de repente, eram quatro horas da tarde. Nunca esqueço isso. Tinha chovido muito de madrugada”, conta Gleice. Segundo sua mãe, Vanderléia Passos Klein, a sirene que deveria alertar os moradores não funcionou a tempo: “Só depois que as pedras rolaram”.

Foto: Antonio Biondi
Gleice, Vanderléia e familiares.

Hoje, a algumas quadras da casa delas, a escolinha do bairro (“coleginho”) conta com um sistema mais desenvolvido para medição e acompanhamento de chuvas, com maior precisão — e potência — para os alertas. Além disso, ela foi selecionada como ponto de apoio em caso de chuvas fortes. Um problema ressaltado pela comunidade, porém, é que nem sempre as portas estão abertas para receber as famílias quando se faz necessário sair das casas.

Seguindo apenas mais alguns metros depois da casa da família de Gleice, os imóveis foram todos abandonados, ou destruídos pelas gigantescas rochas que se desprenderam do morro. “Saiu muita gente, tinha muitas casas ali”, conta. De acordo com Gleice, boa parte das famílias conseguiu moradia em prédios novos construídos para essa finalidade na região.

Em frente ao “coleginho”, um morador conversa de passagem com o repórter do Jornal do SindCT: “Também teve tragédia em todos esses morros do entorno”. Para onde se olha, percebe-se algum vestígio, algum sinal traumático. “Foram muitas famílias atingidas em todos esses locais. Muitas mortes. Dezenas de famílias atingidas”, conta o morador, apontando para os morros, mostrando as marcas dos deslizamentos.

Ainda no bairro Floresta, um grande muro de contenção foi erguido numa encosta onde antes havia inúmeras casas. Hoje o mato cresce sobre o pouco que restou das habitações. Um pequeno curso d’água desce no terreno sem saneamento, que, pelas circunstâncias sociais, havia se tornado um local para moradia.

Necessidade

Diante dessa realidade, uma pergunta ao técnico do CEMADEN torna-se fundamental: seriam necessários mais profissionais e investimentos? “Inegável a importância. Perceptível a necessidade”, responde Márcio Almeida, registrando que sua coordenadoria conta com apenas 16 pesquisadores. “Hoje, já são cerca de1.000 municípios monitorados pelo CEMADEN. Os desafios são gigantescos”.

O trajeto de retorno de Nova Friburgo a Petrópolis é emblemático o suficiente para se compreender a dimensão de tais desafios. Enquanto no caminho até Teresópolis grandes deslizamentos nos chamam a atenção, com marcas da história nos morros, dali até Petrópolis o que mais se vê são deslizamentos de menor porte, que geram obstruções parciais na BR-195. Em uma enchente mais recente, o rio Cuiabá quase arrastou um trecho da rodovia com a força e o acúmulo de suas águas.

Os pesquisadores deparam- se com situações de risco que não se limitam às condições da natureza. No Floresta, o “coleginho” não escapou às pichações alusivas a uma facção criminosa fluminense, e a outras do quilate de “X-9 vai morrer”. Um tema silenciado nos diálogos com os moradores. Ninguém sabe, ninguém viu.

Almeida destaca, contudo, a importância de se registrar uma história nesse sentido. “Dois colegas foram para Teresópolis, antes do Carnaval, [para] localizar pontos nas comunidades para inserir os prismas das ETR”. Os pesquisadores, no entanto, depararam-se com uma situação de apreensão de drogas na localidade. “A polícia mandou todo mundo embora, chegou com armamento pesado e realizando uma grande operação”. O resultado é que a equipe do CEMADEN precisou deixar a área apressadamente, sem conseguir concluir o trabalho.

“A participação da comunidade é muito importante. Sem isso, dificilmente conseguimos sucesso no trabalho em cada localidade”, destaca Almeida. As ações da equipe exigem negociação e diálogo com os moradores. No caso, os pesquisadores já estavam em harmonia, integrados com a população e autorizados a realizar o trabalho. “Mas tiveram que partir e não conseguiram concluir”, diz.

“É um exemplo de como estamos expostos a riscos. Existe um aspecto de periculosidade no nosso trabalho”, afirma ele. “Algo que ainda não foi debatido de forma madura e compromissada com a gestão do CEMADEN”.

Projetos-Piloto Testam ETR em Cinco Estados

A atividade do CEMADEN com base nas ETR começou em Campos do Jordão (SP), na serra da Mantiqueira. Atualmente, são dez municípios com projetos-piloto no país, visando cobrir algumas situações mais prementes.

No Estado de São Paulo, também Mauá e Santos encontram-se nesse grupo inicial. No Rio de Janeiro são Angra dos Reis, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Blumenau (SC), Salvador (BA) e Recife (PE) completam o grupo. Marcio Almeida explica que o Brasil possui terrenos muito diferentes em toda a sua vastidão. “E esse tipo de fenômeno acontece de formas diferentes conforme a região”. Por se tratar de um país de grande geodiversidade, o trabalho do CEMADEN volta-se para sítios que denotem essa diversidade, para que se consiga dar um caráter de regionalidade aos levantamentos. “Não é tarefa fácil, especialmente pelo tamanho do território”.

O monitoramento realizado pelo Cemaden em todo o país, especialmente nesses municípios, gera dados que são trabalhados posteriormente em processo de pesquisa, análise e investigação. São dados específicos de cada localidade, que poderão ter repercussão geral no futuro. Por exemplo: estabelecer valores de referência para curvas lineares de chuva (acumulada em 72 horas, acumulada em 1 hora, entre outras), que produzirão definições mais precisas para emissão de alertas e identificação de riscos e ameaças. (AB)


Fonte: Jornal do SindCT - Edição 45ª - Fevereiro de 2016

Comentários