Coordenador da ETE Defende Desenvolvimento de Tecnologias Nacionais, Política Industrial e Governança da Área Espacial
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante e longa entrevista com o
coordenador da área de Engenharia e Tecnologia Espacial (ETE), do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Dr. Amauri Montes, publicada no
número 04 do Informativo do INPE de 13/01, onde o mesmo defende o desenvolvimento
de tecnologias nacionais, política industrial e governança da área espacial.
Esta é a segunda entrevista de uma série que abordará as ações no novo Plano
Diretor do INPE. Vale a pena dar uma conferida.
Duda Falcão
Série de entrevistas aborda o novo Plano Diretor
Coordenador da ETE Defende Desenvolvimento
de Tecnologias Nacionais, Política Industrial
e Governança da Área Espacial
Informativo INPE
Número 04
13/01/2016
Coordenador da ETE, Amauri Montes.
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Nesta edição do INPE Informa, dando sequência à série de
entrevistas sobre o novo Plano Diretor (2016-2019) do INPE, o coordenador da
Engenharia e Tecnologia Espacial (ETE), Engenharia e Tecnologia Espacial (ETE),,
destaca os 30 anos de história das atividades espaciais do Instituto e o
sucesso da política industrial implementada com o desenvolvimento dos satélites
CBERS 3 e 4. Para Montes, estes satélites representam um marco nas atividades
espaciais. A equipe da ETE enfrentou desafios de desenvolvimento e
gerenciamento enquanto a indústria nacional ampliou seu nível de participação
no programa espacial, assumindo compromissos que resultaram em inovação de
produtos e processos.
O coordenador da ETE acredita que o atual momento de
crise econômica pode ser uma oportunidade para reorganizar e discutir a agenda
do setor e estabelecer um novo modelo de governança para a área espacial, tema
em discussão no Grupo de Trabalho Interministerial, criado recentemente pelos
ministérios da Defesa e de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Para Amauri Montes, o novo Plano Diretor, apesar de ainda
não consolidado, está bem estruturado e mantém a perspectiva da política
industrial de desenvolvimentos autônomos. Confira a entrevista do coordenador
da ETE ao INPE Informa.
- Antes de
comentar sobre as metas previstas no Plano Diretor, poderia contextualizar as atividades
da ETE (Engenharia e Tecnologia Espacial) do INPE e como se deram as relações
com a indústria ao longo da história do programa espacial.
Amauri Montes
– Esse ano a área de Engenharia e Tecnologia Espacial completa 30 anos.
Consideramos o ano de 1985 como o ano em que a ETE se estabeleceu. A MECB
(Missão Espacial Completa Brasileira) iniciou em 1979. Eu entrei no INPE em
1978. Havia grupos de engenharia de acordo com as especialidades. Chamavam-se
departamentos, como o de Telecomunicações, entre outros, e havia o nosso grupo
de Sensores e Fotônica, unido ao pessoal de Materiais. Estávamos interessados
em laser, que era a novidade do momento. Havia me formado no ITA e vim por
causa dessa área e desses grupos de competência do INPE.
Em 1979, surgiu a ideia de se construir satélites no
INPE. Um grupo foi para a França, os mais seniores, na época na faixa dos 35
anos, eu tinha 23. Esse grupo ficou de quatro a cinco meses no CNES (Centro
Nacional de Estudos Espaciais, a agência espacial francesa), na França, e
voltou no segundo semestre de 1979 com o SCD (Satélite de Coleta de Dados) mais
ou menos concebido. Havia muita discussão e prevalecia a ideia de se
desenvolver quatro satélites: dois de coleta de dados e dois de observação da
Terra. O presidente João Baptista Figueiredo aprovou a Missão em 1980.
O período de 1980 a 1985 foi de aprendizado. Muita gente
acha que fazer satélite é uma coisa simples, mas há a necessidade de uma
organização, de uma estrutura de gerência, de documentação, engenharia de
sistemas e uma área de qualidade muito forte. O LIT (Laboratório de Integração
e Testes) começou a ser concebido nessa época. Começou a construção no final de
1984. Aqui na Engenharia, a discussão era muito grande. Um grupo esteve em
estágio na SPAR Aerospace, no Canadá; muitos cursos foram realizados no INPE;
eu mesmo participei de alguns no auditório do IAI; os americanos vinham dar
palestras. Em 1985 conseguimos organizar a ETE, com a ajuda do pessoal do CNES
e da Aerospatiale, que hoje é a Thales Alenia Space, que deram a configuração
do que é a ETE hoje. Foram instalados os núcleos de competência na ETE: uma
estrutura forte para gerenciar um programa espacial, uma estrutura de
documentação, de Controle de Qualidade e Garantia do Produto, e Engenharia de
Sistemas.
Em 1987, o LIT, que não pertence à ETE, ficou pronto. O
desenvolvimento de satélites se dá na Engenharia, onde os SCDs 1 e 2 foram
desenvolvidos, com alguma participação e serviços contratados na indústria, mas
com um arranjo diferente do que utilizamos hoje como política industrial.
Contratamos na indústria, por exemplo, usinagem e alguns tratamentos. Era um
desafio. Os SCDs foram colocados em órbita em 1993 e 1998, utilizando
lançadores americanos e estão funcionando até hoje. É uma coisa impressionante!
Em 1988 começou o CBERS (China-Brazil Earth Resources
Satellite ou Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Eu fiz parte do
primeiro time que foi para a China. Ficamos dois meses lá. Começamos os
trabalhos com a Academia Chinesa. Foi muito difícil o início. Os chineses
falavam pouco inglês naquela época. As reuniões exigiam a presença de
tradutores. Tínhamos toda uma estrutura de documentação que eles não estavam
acostumados. Isso foi criando laços de amizade. Hoje, há uma dinâmica muito
boa, os chineses têm uma confiança muito grande no INPE.
As culturas eram muito diferentes, havia receio de
assinar documentos. Eles ficavam preocupados com os compromissos
internacionais, com atas de reunião. Hoje não, entendem que o contexto de uma
ata de reunião é técnico. Eles estão muito tranquilos. E fomos nos adaptando.
Uma vez conversei com um dos altos escalões da China, que me falou: - “Nós
aprendemos a fazer documentação, gerência de projeto, com vocês; integração e
testes, com o LIT”. Nós, brasileiros, por sua vez, aprendemos com os franceses
e com americanos. Foram eles que desenvolveram esses modelos, incluindo a
engenharia de sistemas.
“ Hoje estamos trabalhando com a indústria de uma
maneira
muito forte. Os satélites CBERS 3 e 4 representam
um salto tecnológico
muito grande em relação aos CBERS 1 e 2. ”
Há 10 anos temos um forte componente de política
industrial. Se desenvolvêssemos essa tecnologia aqui no INPE e não a levássemos
à indústria, o ciclo não se completaria. Passariam alguns anos e a tecnologia
se tornaria obsoleta, sem nenhum desdobramento.
Hoje estamos trabalhando com a indústria de uma maneira
muito forte. Os satélites CBERS 3 e 4 representam um salto tecnológico muito
grande em relação aos CBERS 1 e 2. Eles não são iguais. Nos satélites 1 e 2 a
participação brasileira era de 30%, fazíamos alguns pequenos subsistemas, metade
das câmeras de nossa responsabilidade veio dos Estados Unidos, como toda a
ótica. Era um índice de nacionalização muito baixo.
Já no CBERS 3 e 4, fomos ousados. Assumimos a
responsabilidade pela metade do satélite, e várias partes muito importantes.
Fizemos toda a estrutura do satélite, de duas toneladas, nunca havíamos feito
uma estrutura dessa magnitude. Desenvolvemos e construímos todo o painel solar,
o sistema de potência, duas câmeras totalmente no Brasil: um projeto da Opto
Eletrônica de São Carlos, a MUX; e a câmera WFI, em parceria com a Equatorial
Sistemas. Só importamos materiais – chips, vidro, alumínio e entre outros.
Também fizemos os transmissores de dados dessas câmeras, o gravador de bordo e
o banco de memória das quatro câmeras, das duas brasileiras e duas chinesas, os
sistemas de telemetria e telecomando, e as câmeras brasileiras com resolução de
20 metros. Foram avanços bastante significativos. Nunca havíamos feito uma
ótica espacial e partimos logo para uma com resolução de 20 metros. Houve
problema no software de solo de distribuição de imagens, mas o assunto já está
equacionado. Foi um marco relevante.
Dez anos atrás, para essa nova geração do CBERS, as
discussões foram acaloradas aqui na Engenharia. Havia quem achava que era um
passo muito grande. Mas as contratações foram feitas, foi montado um arranjo
industrial. As equipes trabalharam muito, foi um grande desafio.
Os equipamentos do satélite são desenvolvidos e
produzidos em fases. A primeira é a de Projeto Preliminar quando são
desenvolvidas as tecnologias, os métodos, terminando com uma revisão no final,
o PDR (Revisão do Projeto Preliminar). Depois é feito o projeto detalhado dos
equipamentos e/ou subsistemas. Ao final dessa fase, é construído um protótipo,
o modelo de engenharia, muito próximo ao que vai voar, com componentes não
qualificados para testar a funcionalidade. A fase seguinte é a de qualificação.
É construído um novo protótipo usando todos os processos e componentes
qualificados, submetidos a uma série de testes ambientais. Ao final dessa fase
é feita uma revisão de qualificação. Só depois disso, é que se constrói
efetivamente o satélite, o modelo de voo.
Os equipamentos do modelo de voo são produzidos em um
prazo de seis meses a um ano e submetidos a testes de aceitação. Depois disso,
inicia-se a fase de integração do satélite. Nesse momento, a Engenharia termina
o seu trabalho e os equipamentos são entregues ao LIT, que vai fazer toda a
montagem e integração do satélite. Se o acordado é a integração na China, os
subsistemas brasileiros são encaminhados para lá.
Para cada subsistema, é feito um rack de teste, que
chamamos de GSE. Entregamos ao LIT os subsistemas e os racks com os
equipamentos de teste, desenvolvidos na própria indústria. A indústria também
faz os contêineres que transportam esses equipamentos. Cada equipamento vai
dentro de um contêiner transportado até a China. Temos o registro de dados
sobre o que o contêiner sofreu de vibração, choque mecânico, variação de
temperatura, etc.
É um trabalho muito grande, muito bonito. As equipes da
ETE se envolvem, as indústrias participam. Desenvolvemos a tecnologia dentro da
indústria, uma visão moderna em que a indústria aprende ao longo desses
processos. Aquele modelo antigo, que havia no começo dos anos 1990, com
desenvolvimento de tecnologia no Instituto e transferência depois para a
indústria é muito ineficiente.
Os americanos saíram na frente com esse modelo, que nós
acreditamos ser o ideal. Desenvolveríamos primeiro, aqui dentro, no INPE, estudos
iniciais até a construção de modelos de engenharia dos equipamentos. No momento
em que a missão se iniciaria, quando a indústria é contratada, já haveria,
portanto, um modelo de engenharia funcionando e, assim, os demais processos
dentro da indústria seriam muito mais rápidos.
Como não temos equipes suficientes, nem recursos
orçamentários para esses desenvolvimentos internos, a indústria é contratada
numa fase muito inicial, quando temos que fazer todo o desenvolvimento e, por
isso, todo o processo demora muito, além de se assumir maior risco.
O que buscamos no INPE é um equilíbrio. O Instituto faria
desenvolvimentos e quando atingisse uma maturidade tecnológica maior, uma
missão mais bem definida, aí se faria o contrato industrial. Esse seria o
modelo mais adequado. Nós nunca conseguimos exercer esse processo totalmente
por falta de recursos humanos e financeiros.
“ Sobre essa política industrial que aplicamos ao CBERS 3
e 4,
há vários estudos, como o coordenado pelo professor André
Furtado,
da Unicamp. (...) Destacam que não só fizemos uma política
industrial, mas “a” política industrial que o país
precisa.”
Hoje temos quase todas as equipes acompanhando os
trabalhos na indústria. Semanalmente, há discussões, simulações, uma grande
interação entre nossas equipes e a indústria. Falta apenas um time dedicado ao
desenvolvimento de missões futuras. Se existisse, enquanto estivéssemos com o
CBERS na indústria, por exemplo, já estaríamos com os protótipos dos CBERS 5 e
6 em laboratório, com novos desenvolvimentos e novas tecnologias.
Sobre essa política industrial que aplicamos ao CBERS 3 e
4, há vários estudos, como o coordenado pelo professor André Furtado, da
Unicamp. Recebemos elogios. Destacam que não só fizemos uma política
industrial, mas “a” política industrial que o país precisa. Esse é um grande
exemplo de política industrial, de como se desenvolve uma indústria e se gera inovação.
- Na área espacial
e mesmo de defesa, quem mais demanda as encomendas é o próprio governo. Isso
não dificulta muito a constituição dessa política industrial?
Amauri Montes –
Recentemente, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) , que
acredita que devemos ter um modelo de governança mais ágil. No Brasil, temos
muitos atores na área espacial, e com visões diferentes. Tem que se discutir
essa governança. Há várias vertentes, como a nossa aqui no INPE, fazendo
satélites, o DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial),
desenvolvendo lançadores, recentemente apareceu a Visiona, como integradora de
satélites; e surgiu agora o PESE – Programa Estratégico de Sistemas Espaciais –
que começa a trabalhar independente do que estamos fazendo.
“ Recentemente, foi criado o Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI),
que acredita que devemos ter um modelo de governança mais
ágil.
No Brasil, temos muitos atores na área espacial, e com
visões diferentes. Tem que se discutir essa governança. ”
Temos que ter um processo um pouco mais eficiente, uma
coordenação que permita discutir tudo isso, mas com decisões rápidas. Estamos
em um momento tecnológico muito bom, a resposta para o CBERS 3 e 4 foi
excelente, partimos para um patamar mais alto e podemos passar para níveis mais
sofisticados.
- Mas nesse
período havia recursos e agora com a crise econômica, o que pode ser feito?
Amauri Montes -
Havia recursos e agora estamos vivendo um momento administrativo ruim, sem
contratações, mas há outros temas que podem ser discutidos. Por exemplo, não
temos nenhuma dificuldade tecnológica, mas há problemas de recursos humanos,
uma grande escassez. Temos também muita dificuldade de compras aqui no INPE,
uma grande burocracia, que trava todo o sistema. Não temos um marco regulatório
para contratação na indústria.
Quando contratamos o CBERS 3 e 4, utilizamos a Lei 8.666
e havia um entendimento dentro do governo que se podia comprar desenvolvimento
com essa lei. Esse entendimento mudou. Ela sempre foi uma lei inadequada, mas
era a que tínhamos. Hoje o entendimento da área jurídica da União é que você
não pode utilizar essa lei para comprar desenvolvimento. Tem que comprar
produtos acabados.
A compra de desenvolvimento é discutível. A Lei de
Inovação é um pouco frágil para fazer essa política industrial. Na minha
opinião, estamos sem marco regulatório. Temos que propor um marco poderoso. O
que é fazer a política industrial? O que cabe ao INPE fazer? E a indústria?
Deve-se deixar isso muito claro para termos instrumento jurídico adequado.
¹ Os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Defesa (MD) criaram, através de uma Portaria Interministerial do dia
05/10/2015, um Grupo de Trabalho Interministerial para o Setor Espacial (GTI –
Setor Espacial) com a finalidade de organizar e dinamizar as atividades espaciais
no país como um Programa de Estado.
Deveria ser feito algo realmente efetivo, como a lei
correspondente a essa área nos Estados Unidos, do sistema de compras deles, que
tem mais de mil páginas. Há capítulos para cada situação. Está muito bem definido
o que cabe aos órgãos governamentais fazerem e que tipos de contratação podem
ser feitas com a indústria.
- Isso envolveria
emendas à Constituição e, nesse caso, essa discussão se situaria em um nível
mais complicado do ponto de vista político.
Amauri Montes –
Sem dúvida, para a contratação de recursos humanos, deveríamos fazer uma emenda
constitucional. O concurso público tem dado uma boa resposta, só que contrata
muito pouco. Estamos precisando de 200 pessoas e quando há concurso conseguimos
apenas 15. Na área de política industrial, talvez se esbarre em algum princípio
de isonomia. Mas deveria haver um grupo de estudiosos, incluindo juristas, para
discutir essa questão.
Qual é a discussão? Uma indústria vence uma licitação,
desenvolve um produto que está mais avançado. Mas ao longo do tempo é preciso
ter contratos com aquela indústria, senão ela morre. Mas se está sempre
contratando aquela empresa, como ficam as outras que querem entrar no programa?
Têm estudos no mundo inteiro sobre isso.
Os americanos têm incentivos à indústria, nos quais
aquelas que já ganharam processos não podem participar. A Europa força as
empresas a se fundirem e forma uma só empresa. É mais fácil do ponto de vista
de contratação, mas pode ser perigoso, porque pode estar estimulando a reserva
de mercado. Isso funciona por certo tempo, mas depois é preciso expor essa
empresa a competição internacional. Senão perde eficiência, os preços começam a
se elevar. Ao mesmo tempo em que se incentiva a indústria, não se deve ficar refém
dela, mas ela pode fazer outros tipos de negócio e atividades. Isso é um
problema que implica mexer com a Constituição.
Temos um núcleo de análise de missão, que mobiliza cerca
de 20 engenheiros. Em um ou dois meses, eles analisam qualquer missão, com uma
solução totalmente nacional, outra híbrida e outra internacional. Estamos
comparando e observando o quanto o exterior está mais adiantado, desenvolvendo
tecnologias, equipamentos e sistemas mais baratos, menores e mais eficientes.
Queremos uma indústria competitiva internacionalmente.
A questão é: qual o modelo de política industrial que o
país precisa adotar para o seu programa espacial? Hoje estamos sem o marco
regulatório, a questão não foi discutida, estamos sem recursos humanos, as
aposentadorias aumentam e os concursos não têm sido suficientes. O programa
espacial se dilui no governo, todas as instituições demandam recursos humanos.
O governo precisa priorizar certas áreas.
“ (...) qual o modelo de política industrial que o país
precisa adotar
para o seu programa espacial? Hoje estamos sem o marco
regulatório,
a questão não foi discutida, estamos sem recursos humanos, as
aposentadorias aumentam e os concursos não têm sido suficientes. ”
O domínio da tecnologia em si não é o problema, e sim o
modelo de negócio, de governança. O plano que havíamos elaborado para a
política industrial é que crescendo as indústrias e as demandas, em um dado
momento, uma delas se tornaria um prime contractor. Neste cenário, haveria
contratação direta na indústria, enquanto nós, no INPE, trabalharíamos em
projetos de futuro. Não ficaríamos eternamente ensinando a indústria a fazer
satélites. No entanto, o que achamos perigoso é criar um prime contractor como
que por decreto, buscando soluções imediatas no exterior. E essa empresa pode
virar uma montadora de satélites. Todas essas tecnologias podem ser encontradas
no exterior. Se quiséssemos montar um satélite dessa forma aqui no INPE,
poderíamos montar facilmente. Mas aí perde-se o sentido de tudo o que falei até
agora. Mas há empresas que querem o modelo de negócio baseado nessa
perspectiva.
No caso da Embraer, que detém uma parte da Visiona, quais
são as tecnologias que não dominamos e nos torna muito dependente do exterior,
colocando em risco a nossa indústria? Nós como agentes do governo, temos que
observar essas coisas sempre.
O Canadá é um país discreto, mas investe de 600 milhões a
2 bilhões de dólares por ano no programa espacial. Há alguns anos, eles
estiveram em um seminário em São Paulo. Na ocasião, perguntamos como definiam
um programa espacial e eles foram taxativos: - “Verificamos as defasagens de
nossa indústria e fazemos um programa espacial para que a nossa indústria não
perca competitividade.”
No cenário internacional, funciona assim: se um país
detém tecnologia, consegue fazer boas negociações até nas compras de
equipamentos. Se não tem tecnologia, está fora do clube, fica na retórica.
Quanto tem tecnologia, é possível fazer boas compras porque tem alternativas.
Hoje o INPE está com uma série de ofertas baratas em tecnologia porque fizemos
o CBERS 3 e 4. Se não tivéssemos, os preços seriam até 10 vezes maiores. Hoje
estamos sendo assediados! Toda semana chega um grupo de um país querendo fazer
cooperação, porque temos alternativas.
Temos que ter sempre a alternativa endógena, interna. O
mundo inteiro não se descuida. A França, o Canadá, os americanos, japoneses,
todos desenvolvem tecnologias. Agora entrou Coreia do Sul nesse contexto
espacial.
Fala-se em fazer uma cooperação na América Latina. Os
argentinos estão propondo o satélite SABIA, uma integração na América Latina na
área espacial. Eu acho que isso é possível, mas a nossa governança está
atrapalhando um pouco.
- Diante desse
cenário, como estão as metas da ETE no Plano Diretor para o período de
2016-2019?
Amauri Montes –
O DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) está pedindo um
pequeno satélite para que possam testar o VLM (Veiculo Lançador de
Microssatélite) entre 2018 e 2019. Estamos colocando isso como meta, embora
ainda não haja recursos no PPA (Plano Pluri-Anual). Temos os satélites Amazônia
1 e o Amazônia 1B que vão ficar prontos em pouco tempo. O CBERS 4A ainda não
foi aprovado. Havia recursos na AEB (Agência Espacial Brasileira) para fazer o
CBERS 4A, mas não foram repassados porque a cooperação com a China ainda não
foi aprovada no Congresso Nacional.
Sistema de Propulsão do Satélite Amazônia 1.
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Antena do Satélite Amazônia 1.
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Há uma tendência mundial de se desenvolver satélites de
150 a 200 quilos, e estamos estudando esse tipo de situação. Durante o processo
do Plano Diretor isso foi muito discutido, mas ainda estamos aguardando uma
versão final desse documento. Eu acho que o Plano Diretor está bom, está bem pé
no chão.
Um tema fundamental é o ACDH (Attitude Control and Data
Handling ou Subsistema de Controle de Atitude e Supervisão de Bordo) nacional.
Devemos desenvolvê-lo para a PMM (Plataforma Multimissão) do satélite Amazônia
2. Compramos esse subsistema dos argentinos, da Invap, para o Amazônia 1 e 1B,
mas já dominamos a tecnologia e podemos fazer para a PMM, mas há ainda uma
indefinição orçamentária para o desenvolvimento desse sistema de controle para
o Amazônia 2. Também devemos iniciar nesse período do Plano Diretor o desenvolvimento
do satélite EQUARS.
– O que é o ACDH e
qual a importância do seu desenvolvimento?
Amauri Montes
- No caso do CBERS, há um computador de bordo ou supervisor de bordo que recebe
os telecomandos enviados de solo, distribui e comanda as cargas do satélite;
também recebe as telemetrias do satélite, reúne os dados, monta um pacote e os envia
ao transmissor de telemetria e daí para solo. Esse supervisor de bordo se chama
OBDH (OnBoard Data Handling). Outro computador, que integra o Subsistema de
Controle de Atitude e Órbita (SCAO) ou AOCS (Atitute and Orbit Control
Subsystem), faz o controle de atitude, a estabilização do satélite.
Supervisor de bordo OBDH (OnBoard Data Handling)
do
satélite Amazônia 1.
|
O supervisor de bordo OBDH (computador)
em testes
funcionais no LIT.
|
O controle de atitude estabiliza o satélite em três
eixos. No caso das câmeras a bordo do CBERS ou do Amazônia 1, satélites que
voam a 7 quilômetros por segundo, eles não podem balançar um milésimo de grau
em um segundo. Este sistema interno (SCAO) é responsável por manter a
estabilidade do satélite e conta com um computador de controle de atitude e
órbita, o AOCC (Attitute and Orbital Control Computer), para exercer essa
função. No CBERS são, portanto, dois computadores: o AOCC e o OBDH. Os
engenheiros resolveram juntar esses dois computadores em um só. Um computador
faz o controle de atitude e, ao mesmo tempo, é o supervisor de bordo. Daí vem a
sigla ACDH (Attitude Control and Data Handling).
Na realidade, o que precisamos desenvolver é o sistema de
controle de atitude. Dominamos todos os subsistemas do satélite, mas não o
controle de atitude. No SCD, fizemos o controle de atitude spinado, a
estabilização é feita com o giro do próprio satélite em torno dele mesmo. O
controle estabilizado em três eixos, nunca fizemos.
O grupo de Controle de Atitude da ETE é muito forte
academicamente. É o que mais publica artigos, que mais escreve livros, são
reconhecidos internacionalmente, ou seja, muito centrados em atividades
acadêmicas. Grande parte do pessoal de engenharia que havia nesse grupo acabou
saindo, porque o INPE não se decidia fazer o sistema de controle de atitude.
Hoje nós estamos propondo desenvolver o nosso por sistema de controle de
atitude em três eixos, o nosso ACDH. Conhecimento temos de sobra. Eu não vejo
dificuldade. Comparado ao que fizemos no CBERS 3 e 4, é apenas mais um
subsistema.
“ Hoje nós estamos propondo desenvolver o nosso (...)
sistema de
controle de atitude em três eixos, o nosso ACDH.
Conhecimento temos
de sobra. Eu não vejo dificuldade. (...) Ao desenvolvermos
esse subsistema, passaremos a dominar todos os subsistemas do satélite.
Ao desenvolvermos esse subsistema, passaremos a dominar
todos os subsistemas do satélite. Mas é preciso estabelecer um projeto, com
gerência, equipes, uma quantidade boa de recursos, com metas de
desenvolvimento, projeto preliminar, projeto detalhado, qualificação, etc. Para
isso é necessário ter recursos, questão ainda indefinida.
- Como ele foi tratado
no Plano Diretor?
Amauri Montes –
No Amazônia 1 e 1B, o ACDH vai ser argentino. No satélite Amazônia 2, planejado
para iniciar no período desse novo Plano Diretor, queremos utilizar o ACDH
nacional. O ACDH foi colocado como meta no Plano Diretor do INPE e também no
planejamento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPGO). De um
lado tem-se a meta de lançar em órbita o CBERS 4A e Amazônia 1 e, de outro, o
ACDH nacional concluído até 2019.
Estamos cuidando dos satélites, mas para o ACDH os
recursos precisam passar para o nosso programa. Projetos grandes como esse não
podem começar sem ter os recursos garantidos.
- Em relação aos
nanossatélites, como fica o envolvimento da ETE nesses desenvolvimentos?
Amauri Montes –
Os nanossatelites são feitos a partir de kits comprados no exterior, não são
placas qualificadas espacialmente. É utilizada uma tecnologia chamada de COTs
(Commercial Of The Shelf), componentes comerciais, de alta qualidade que se
adaptam para o espaço. Um grupo de uma escola de Ubatuba, Tancredo Neves, está
fazendo o Ubatusat, e pediram apoio para nós. Achamos uma iniciativa
maravilhosa, em que o professor trabalha com alunos, já foram inclusive para o
Japão. É uma iniciativa bastante motivante. Mas o INPE deveria ter uma diretriz
nesse assunto. Há uma “chuva” de nanossatélites surgindo. Como estímulo às
universidades e ensino técnico e médio, é ótimo! Mas como o INPE deve se
inserir nisso? O que se espera dessas iniciativas? Acho que deveria haver uma
diretriz institucional mais clara de como o INPE irá atuar nessas atividades.
Poderíamos criar um kit nosso, robusto e fornecer para quem quiser aqui no
Brasil. E criar uma estratégia para o envolvimento de universidades, e
estudantes em diferentes níveis.
E o satélite de
Comunicação e Defesa? Qual é a participação do INPE?
Amauri Montes
– O PESE – Programa Estratégico de Sistemas Espaciais – faz parte da Estratégia
de Defesa Nacional, engloba uma série de projetos. Entre esses programas, criado
pelos militares que atuam de forma operacional, há um que prevê a compra de uma
série de satélites pela unidade de controle em Brasília. Trata-se de um
programa muito ambicioso, que pretende comprar uma série de sistemas
tecnológicos, mas não de desenvolver.
Era uma chance de participar desse negócio, fornecendo
satélites nacionais e procurar nacionalizar esse perfil do PESE. Quem tem
coordenado essas discussões no INPE é o LIT. A Engenharia está tendo uma
participação marginal.
“ Era uma chance de participar desse negócio, fornecendo
satélites
nacionais e procurar nacionalizar esse perfil do PESE
[Programa
Estratégico de Sistemas Espaciais]. (...) Estamos
pensando em fazer
pequenos satélites, de 150 a 200 quilos (...)”
O LIT está ajudando a traçar os requisitos desse sistema,
que é algo gigantesco, envolve todas as Forças Armadas e uma série de atores.
Eu vejo o PESE como algo muito importante, devemos entrar na participação e
ajudar o desenvolvimento desse programa.
Estamos pensando em fazer pequenos satélites, de 150 a
200 quilos, para o PESE, que está sendo coordenado pelo CCISE – Comissão de
Coordenação de Implantação do Sistema Espacial – do Ministério da Defesa. Eles
pretendem investir R$ 8 bilhões nesse programa. O grupo coordenador do PESE vem
participando das reuniões do GTI (Grupo de Trabalho Interministerial).
Precisamos verificar que tipos de satélites eles estão planejando para que
possamos começar os desenvolvimentos. Já estamos fazendo estudos nesse sentido.
Poderíamos inserir os requisitos do PESE como meta no Plano Diretor e termos
uma participação nos desenvolvimentos desse programa.
Nos projetos da
ETE, há um esforço para melhorar o índice de nacionalização dos sistemas e
subsistemas?
Amauri Montes –
Sempre queremos que todos os equipamentos sejam desenvolvidos no Brasil: Hoje
importamos chips, conectores, materiais e componentes eletrônicos diversos.
Estamos também com um projeto para nacionalizar componentes, que é outra
vertente. Quando temos que comprar um componente, uma placa, por exemplo,
ficamos frustrados. O ideal seria desenvolver aqui. Para o CBERS 3 e 4, quase
tudo foi desenvolvido aqui. O índice chegou a 80%. O restante eram materiais
importados para produzir o equipamento no país.
“ Para o CBERS 3 e 4, quase tudo foi desenvolvido aqui. O
índice
[de nacionalização] chegou a 80%. O restante eram
materiais
importados para produzir o equipamento no país.
- Recentemente
surgiu também uma demanda para desenvolver dois pequenos satélites pela MECB –
Missão Espacial Completa Brasileira?
Amauri Montes –
Isso. Vamos fornecer os satélites na medida em que o DCTA desenvolver os
lançadores. Para nós, seria muito bom. Se eles conseguirem satelizar 150
quilos, e se fizermos satélites pequenos com câmeras de alta resolução,
poderíamos utilizar os lançadores deles. Começaríamos com satélites
tecnológicos, mas o primeiro deve possuir massa de 30 quilos para não sobrecarregar
o lançador. A ideia é chegar a satélites de até 150 quilos.
Esses desenvolvimentos para o DCTA não estão contemplados
no Plano Diretor. São recentes, mas já enviaram a especificação do VLM, o
tamanho da coifa, espectro de vibração, ressonância. É um satélite simples,
tecnológico, para testar o lançador. Eu torço para que tenham sucesso com esses
lançamentos. Para nós seria muito bom. Lançamentos no exterior são muito caros,
da ordem de muitos milhões de dólares.
Fonte: Informativo do INPE - Número 04 - 13/01/2015
Comentário: Muito interessante esta entrevista,
principalmente a confirmação de que o INPE irá desenvolver um satélite
tecnológico para o teste de voo do VLM-1, isto é, se este foguete realmente sair
do chão com bandeira brasileira. Enfim...
É a primeira vez que eu vejo fotos do AMAZONIA 1.
ResponderExcluirEngraçado, pensei que o LabSia tinha sido construído (e inaugurado com a presença do ministro do MCTI junto com o diretor do INPE) para o desenvolvimento e testes exatamente do ACDH. Porque nada disso foi mencionado pelo Sr. Amauri ? Ele não pretende usar essa infraestrutura caríssima que foi feita com o único objetivo de atender aos projetos de ACDH do INPE ? E o protótipo de ACDH que está lá montado, não serve pra nada ? O Projeto SIA não tinha o INPE como co-executor ? Porque tbm não foi mencionado ?
ResponderExcluirOlá Sr. Heisenberg!
ExcluirMuito bem colocado, eu também havia estranhado isto. Enfim..., quando eu digo que a condução de todo o nosso Programa Espacial é desastrada pela falta de um comando político presente, competente e interessado, está ai uma das razões. Evidentemente que num universo como este, nada pode funcionar direito, e distorções como esta podem ocorrem por diversas razões, não sendo o nosso "Patinho Feio" uma exceção. Lamentável!
Abs
Duda Falcão
(Blog Brazilian Space)
Quero ver quando sair o documento final da comissão interministerial sobre o tal "programa de estado". O problema todo mundo sabe que é orçamento e falta de pessoal. Sendo que o segundo está relacionado com o primeiro. Se vier cheio de fantasias, mas sem mostrar uma clara disposição de que os recursos aumentarão até a ordem de pelo menos 1 bilhão de reais, não vai adiantar de nada este documento. Vai ser lixo.
ResponderExcluirSó minha opinião.