Da Guerra Pré-Histórica à Guerra no Espaço
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante artigo do Sr. José Monserrat
Filho postada ontem (27/01) pelo companheiro André Mileski em seu Blog
“Panorama Espacial”.
Duda Falcão
Da Guerra Pré-Histórica à Guerra no Espaço
“É muito lenta a vida. E violenta demais toda
esperança.”
Guillaume Apollinaire
(1880-1918), poeta francês¹
José Monserrat Filho*
A guerra entre os humanos é mais antiga do que se
pensava. Surgiu
antes da agricultura e da vida sedentária, quando alguns grupos já detinham
bens e ocupavam zonas de boa alimentação que outros grupos também necessitavam.
A ideia está sugerida na pesquisa publicada na
revista inglesa Nature2, de 21 de janeiro, que descreve o massacre de 12
caçadores-coletores ocorrido há cerca de 10 mil anos, em Nataruk, no Quênia,
África. O grupo todo era formado por 27 esqueletos insepultos, com pelo menos
oito mulheres e seis crianças. O trabalho analisa a “Violência entre grupos de
caçadores-coletores no início da Holoceno3, no Oeste da Turkana, Quênia” e foi
realizado por arqueólogos do Centro Leverhulme para Estudos da Evolução Humana
(Leverhulme Centre for Human Evolutionary Studies – LCHES) da Universidade de
Cambridge, Reino Unido, sob a liderança de Marta Mirazón Lahr. Marta lecionou
na Universidade de São Paulo (USP), onde se graduou em Biologia.
A Folha de S. Paulo logo repercutiu o estudo, em 22 de janeiro,
com um bom texto de Reinaldo José Lopes. Apenas o título “A guerra mais antiga
do mundo” é difícil de aceitar. Cientificamente indefensável, comete o pecado
mortal do sensacionalismo. Sem fundamento, não merece estremecer uma página de
ciência. Nada semelhante aparece no artigo da Nature. Mas a heresia pode não ser
do autor. Seu mesmo texto, divulgado na Folha on-line, intitula-se,
sensatamente, “Antropólogos acham 12 esqueletos de vítimas de guerra
pré-histórica”4.
Marta e seus colegas concluíram que o ataque não
foi casual, mas premeditado, planejado. Há indícios de conflito similar a uma guerra
preparada. As atrocidades incluem o uso de pontas de pedra enfiadas no crânio
ou em outras partes do corpo das vítimas, além de fraturas, cortes e
esmagamento de ossos. Algumas vítimas, pelo visto, tiveram mãos e pés amarrados.
Entre os sacrificados, aparentemente imobilizados, havia uma mulher na última
fase de gestação.
As pontas de pedra encontradas dentro dos
esqueletos, diz
Marta, eram certamente de flechas. Os agressores, ao que parece, também usavam
flechas sem ponta – como varetas afiadas –, porretes de dois tamanhos
diferentes e uma arma – provavelmente um pedaço de madeira com lâminas nele
inseridas – que provocou cortes profundos no rosto de duas das vítimas.
Em duas das três pontas de flechas inseridas nos
esqueletos havia obsidiana, ou seja, vidro vulcânico – resultado de erupções, claro.
Esse arsenal levou Marta a presumir que a chacina foi uma ação premeditada. Os
caçadores-coletores não costumavam ir à caça levando tais armas, úteis e
eficazes tanto para uso próximo como à distância. Entre as vítimas, havia
muitas mulheres. Isso exclui a hipótese de um sequestro de concubinas, comum à
época.
Os atacantes teriam vindo de longo e agido de
forma planejada. O
material trazido não existia no local da matança. O objetivo estratégico seria
dominar a área dos atacados, onde haveria mais caça e recursos naturais a
recolher.
Pulando 10 mil anos, chegamos a uma crueldade
ainda maior. Ela
envolve o preparo das guerras nuclear e no espaço, ainda não proibidas
formalmente. Mas suas consequências deletérias são consideradas ilimitadas,
incontroláveis, incalculáveis e imprevisíveis. Sobre o poder destrutivo dos
ataques nucleares, por restritos que sejam, basta lembrar o que acorreu em
Hiroshima e Nagasaki, no Japão, nos dias 7 e 9 de agosto de 1945: mais de 240
mil vítimas civis.5
A inaudita violência comoveu poetas. Carlos Drummond
de Andrade (1902-1987) escreveu: “A bomba tem 50 megatons de algidez por 85 de
ignomínia.. A bomba envenena as crianças antes que comece a nascer/A bomba
continua a envenená-las no curso da vida... A bomba é podre.” E Vinícius de
Moraes (1913-1980) pediu: “Pensem nas crianças/Mudas telepáticas/Pensem nas
meninas/Cegas inexatas/Pensem nas mulheres/Rotas alteradas/Pensem nas
feridas/Como rosas cálidas/Mas oh não se esqueçam/Da rosa da rosa/Da rosa de
Hiroxima/A rosa hereditária/A rosa radioativa/Estúpida e inválida/A rosa com
cirrose/A antirrosa atômica...”6
O mundo tem hoje cerca de 15.850 armas nucleares, 4300 delas à
disposição de forças operacionais e 1.800 mantidas em estado de alerta máximo.
O arsenal pertence a nove países: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França,
China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. A informação é do Instituto
Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo7 (Stockholm International
Research Peace Institute – Sipri) e foi divulgada no início de 2015. O número
de armas nucleares tem declinado lentamente, é certo, graças aos acordos entre
EUA e Rússia. Em compensação, tais armas vem sendo modernizadas cada vez mais,
para lhes ampliar a eficiência. Estima-se que são suficientes para aniquilar as
100 maiores regiões metropolitanas do mundo.
Uma guerra no espaço também poderá causar danos e
perdas indizíveis à humanidade. É capaz de desativar sistemas satelitais de
comunicação, televisão, internet, navegação e localização, previsão
meteorológica, gerenciamento de desastres naturais ou provocados, socorro e
salvamento de acidentados, monitoramento de recursos naturais, vigilância
planetária, pesquisas astronômicas etc. Uma confrontação desse tipo, embora
possa começar no espaço, tem chances de deflagar uma guerra total na Terra,
como advertiu a revista American Scientific Brasil, no recente artigo “Guerra
no espaço pode estar mais perto que nunca”.
Há muitos modos de desativar, cegar ou destruir
satélites, além de
explodi-los com mísseis. Uma nave espacial pode simplesmente se aproximar de um
satélite e lançar tinta em seus dispositivos ópticos, ou quebrar suas antenas
de comunicação, ou ainda desestabilizar sua órbita. Raios laser podem
desmobilizar temporariamente ou danificar para sempre os componentes de um
satélite, em especial seus delicados sensores. Ondas de rádio ou micro-ondas
podem bloquear ou sequestrar as transmissões para ou dos controladores em solo.
A perspectiva de guerra no espaço não é nova. Já se pensava nisso antes do
lançamento do Sputnik-1, da ex-União Soviética, que inaugurou a Era Espacial em
4 de outubro de 1957. Armamentos e mísseis antissatélites começaram a ser
projetados no fim dos anos 50.8 Os EUA chegaram até a testar bombas nucleares
no espaço antes que o Tratado do Espaço de 1967 proibisse, em seu Artigo 4º, a
colocação de armas de destruição em massa em órbitas terrestres.9
O Tratado do Espaço também não legaliza a guerra
no espaço. Basta
ler seu Artigo 1º: “A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e
demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os
países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e
científico, e são incumbência de toda a humanidade.” E seu Artigo 3º: “As
atividades dos Estados Partes deste Tratado, relativas à exploração e ao uso do
espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão efetuar-se
em conformidade com o direito internacional, inclusive a Carta das Nações
Unidas, com a finalidade de manter a paz e a segurança internacional e de
favorecer a cooperação e a compreensão internacionais.” Já em seu Preâmbulo o
Tratado do Espaço lavra o desejo de todos os Estados Partes de “contribuir para
o desenvolvimento de ampla cooperação internacional no que concerne aos
aspectos científicos e jurídicos da exploração e uso do espaço cósmico para
fins pacíficos”.
Nem em passado relativamente recente, nem muito
menos na pré-história, havia normas ou preceitos similares. Hoje há. Como,
então, justificar a violência no espaço diante de princípios pacíficos e
construtivos consagrados pela maioria absoluta dos países do mundo?
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de
Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto
Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de
Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB).
E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) A ponte de Mirabeau, de Guillaume Apollinaire,
poema escrito em 1912, tradução de Nelson Ascher, Folha de S. Paulo,
Ilustríssima, 24 de janeiro de 2016, p. 8.
3) O Holoceno é um termo geológico para definir o
período que se estende de 12 ou 10 mil anos – quando terninaram os efeitos da última
glaciação – até a contemporalidade. Ver http://www.ecodebate.com.br/2012/08/08/holoceno-e-antropoceno-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
6) http://www.academia.edu/3776200/A_Bomba_de_Carlos_Drummond_de_Andrade
; www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/rosa-de-hiroxima.
9) Ver na seção de textos do site www.sbda.org.br.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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