“Deu Zebra”, Agora Vem Um Desafio
Olá leitor!
Segue abaixo uma extensa e interessante reportagem de 11
páginas publicada na edição de Fevereiro/2014 da Revista Retrato do Brasil, dando
destaque ao Programa CBERS. Vale a pena dar uma conferida e debatê-la. Leia com
atenção.
Duda Falcão
TECNOLOGIA
“Deu Zebra”, Agora Vem Um Desafio
Uma inesperada falha do foguete chinês fez fracassar o
lançamento do CBERS-3,
satélite que custou anos de esforços ao País. Por isso, o
governo brasileiro quer
colocar em órbita ainda em 2014 o CBERS-4. Será que vai
dar?
Por Tânia Caliari, enviada à China*
Revista Retrato do Brasil
Edição 79 - Fevereiro/2014
Base de
lançamentos de Taiyuan, interior da China,
9 de dezembro,
11h26: o Longa Marcha 4B, levando
em seu topo o CBERS
3, dispara rumo ao espaço.
Uma hora mais
tarde, chegou a notícia do fracasso
|
O VICE-PRESIDENTE da China Great Wall Corporation (CGWC)
chega à sala do hotel da base de lançamento de satélites de Taiyuan, no
interior da China, e diz à queima-roupa ao ministro brasileiro Marco Antonio
Raupp, da Ciência, Tecnologia e Inovação: “O lançamento fracassou”. A
informação deixa aturdidos todos os brasileiros presentes. Cerca de uma hora
antes, na manhã de 9 de dezembro passado, delegações de China e Brasil haviam
testemunhado a subida do foguete Longa Marcha 4B, que carregava em sua ponta o
satélite sino-brasileiro CBERS 3, com a missão de colocá-lo em órbita a uma distância de 778
quilômetros da superfície do planeta. Sob o frio de -6°C, reunidos em frente à
sede da base, distantes pouco mais de dois quilômetros da torre de lançamento, todos
viram o veículo lançador de 250 toneladas e 48 metros de altura subir, às 11h26
(1h26 no horário de Brasília). Era o início da 35ª viagem desse consagrado
modelo de foguete chinês, o qual até então colecionava 100% de sucesso em seus
lançamentos.
O céu sobre a base era azul-brilhante, mas a esperança de se ver a
olho nu a separação do primeiro estágio, após cerca de dois minutos de voo, não
se concretizou: o foguete já ia alto demais. Aparentemente, o lançamento fora
um sucesso e a satisfação era geral, sobretudo entre técnicos do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que, até minutos antes da subida do
lançador, estavam junto ao satélite, monitorando suas condições para entrar em órbita.
Depois de palmas e vivas, todos foram para o hotel da base, onde
haveria discursos, brindes e uma primeira avaliação dos resultados. Ainda a
bordo do micro-ônibus, 14 minutos após o lançamento, veio a informação por
rádio, traduzida pelos jovens guias chineses, de que o satélite havia sido
ejetado com sucesso do terceiro estágio do foguete e que fora aberta a aba do
painel solar, que recolhe a energia que alimenta o CBERS 3. Célio Vaz,
ex-engenheiro do INPE que esteve no projeto CBERS desde seu início, em 1988, e que é
hoje dono da Orbital, a fabricante do painel solar, vibrou discretamente.
Todos comemoraram – afinal, o satélite havia emitido dados sobre seu
funcionamento, sintoma de que o subsistema de telemetria e telecomando, o qual,
junto com o painel solar e outros equipamentos, compõe a cota dos 50% das
partes do satélite sob responsabilidade brasileira, também estava funcionando. O que teria ocorrido, então, para justificar a terrível notícia dada
pelo funcionário da CGWC, empresa estatal chinesa responsável pelo lançamento,
que custou 15 milhões de reais ao Brasil? Os chineses pedem um momento aos
brasileiros para analisar a situação. Leonel Perondi, diretor-geral do INPE,
acabara de ligar para o instituto no Brasil para parabenizar parte da equipe
que havia ficado lá. Na base de Taiyuan, os brasileiros parecem envoltos em
incredulidade e lamentos e formulam hipóteses para explicar a tragédia. Quando
Antonio Carlos Pereira de Oliveira, o Pinda, coordenador do programa CBERS pelo
INPE, entra na sala, Raupp se levanta. “Deu zebra?”, quer saber.
Do outro lado do mundo, cerca de 60 pessoas, entre funcionários,
políticos, industriais e curiosos, acompanhavam na madrugada brasileira o
lançamento no auditório do INPE, em São José dos Campos, no interior paulista.
Não havia transmissão de imagens, apenas a voz de Pinda narrando os
acontecimentos via internet diretamente do centro de controle da base de
Taiyuan. “Tinha também um telão no qual acompanhávamos uma animação com a
suposta trajetória que o foguete deveria fazer”, relembra Pedro Cândido,
funcionário do INPE. “Logo, um colega reparou que havia algo estranho com o
tempo de ejeção do satélite, mas, como as informações da China eram de sucesso,
fomos comemorar”, diz. “Ficamos emocionados.” Em São Carlos, também no interior
paulista, o lançamento foi saudado com champanha na sede da Opto, empresa responsável
pela fabricação da câmara MUX, uma das peças principais do satélite e um dos
maiores feitos brasileiros na produção do CBERS 3 (ver “Made in Brazil”, Retrato do Brasil nº 62, setembro de 2012).
Àquela altura, porém, os chineses começam a explicar a “zebra”,
admitindo, em reunião com os brasileiros, que a falha que levou à perda total
do satélite tinha sido do Longa Marcha 4B. Foram necessários nove anos para
aprontar o CBERS 3, a um custo de cerca de 160 milhões de reais para o Brasil,
algo que significou a superação de uma série de desafios para o Programa
Espacial Brasileiro (PEB). Para a China, que desenvolveu e pagou pela metade
dos equipamentos do satélite e cota igual à brasileira pelo lançamento, a perda
do equipamento em si pode não ter tido tanto impacto – terá pesado mais,
provavelmente, a repercussão negativa do episódio sobre o grau de confiabilidade
de seus lançadores. Afinal, se o país produz e lança anualmente vários tipos de
satélite, ao mesmo tempo disputa acirradamente com outras poucas nações o
bilionário mercado internacional de envio de satélites ao espaço: lançou, entre
1990 e o ano passado, 37 foguetes carregando 43 satélites estrangeiros, entre
asiáticos, europeus, sul-americanos e até americanos.
“Os chineses ficaram preocupadíssimos”,
diz o ministro Raupp. “Temos que ser
solidários, já que foi o lado deles que falhou”
“Os chineses ficaram preocupadíssimos om o que ocorreu”, diz Raupp
durante o voo de volta ao Brasil. “Eu avalio que esse é um projeto de
cooperação. Temos que ser solidários com eles, já que foi o lado deles que
falhou.” Segundo o ministro, ao longo da história do programa do “Satélite
Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres” (CBERS, na sigla em inglês), quando o
Brasil atrasava as entregas de partes dos satélites, isso prejudicava o
cronograma dos chineses. “Eles reclamaram, mas foram solidários, compreenderam
nossas dificuldades”, diz.
Foto: Tânia Caliari
Raupp, com funcionários chineses: diante dos atrasos brasileiros, compreensão e solidariedade. |
Aquela viagem, uma das tantas que Raupp fez à China por conta do
programa, seria uma espécie de coroação de sua participação no projeto, que
começou ainda em 1987, antes mesmo da assinatura do acordo entre os dois países.
Físico com doutorado em matemática pela Universidade de Chicago, o gaúcho Raupp foi nomeado diretor do
INPE em 1985. Ele acompanhou o programa de perto também como presidente da
Agência Espacial Brasileira (AEB), em 2011 e 2012.
Muito além da carreira política do ministro, o programa CBERS marcou
a trajetória de vários engenheiros do INPE, que, envolvidos com o planejamento,
o detalhamento técnico e as especificações do projeto, puderam desenvolver suas
competências concebendo artefatos bons o bastante para irem ao espaço e
enviarem de lá imagens da transformação cotidiana do território brasileiro. Um
deles, Perondi, o principal dirigente do instituto, se dedica, durante o voo de
retorno ao Brasil, a preencher um caderninho com cálculos e mais cálculos em
busca de um entendimento sobre o que teria ocorrido com o satélite após a falha
do foguete. Organiza em equações os poucos dados fornecidos até então pelos
chineses, buscando confirmações numéricas para a explicação que já havia
repassado a RB no trajeto de volta da base de Taiyuan a
Pequim. O que aconteceu com o lançador chinês?
O Longa Marcha 4B é constituído por três estágios e o problema teria
ocorrido no terceiro. Os dados enviados à base pelo foguete demonstraram que os
dois estágios iniciais haviam consumido seu combustível e sido descartados no
tempo e na velocidade programados. O terceiro, porém, teria tido um tempo de
propulsão, de queima de combustível, 11 segundos menor do que o previsto, não
atingindo assim a velocidade necessária para colocar o satélite em órbita.
Perondi desenha esquematicamente a explicação num pedaço de papel: o
satélite viaja na ponta do terceiro estágio e, quando ejetado, sofre a
influência de duas forças contrárias. Uma é a da gravidade, que vem da Terra e
o faria cair em direção à superfície terrestre. A outra é a força centrífuga,
que vem do movimento de girar em torno do planeta e faria o satélite se desviar
para o espaço. “Essas duas forças, porém, podem entrar em equilíbrio e se
anularem se o objeto estiver em determinada velocidade, o que faz com que,
nessa situação, o satélite passe a contornar a Terra, entrando em órbita”, diz
Perondi. Pesando cerca de duas toneladas e a 747 quilômetros do planeta,
distância na qual deveria ter sido ejetado, a velocidade do CBERS 3 teria que
ser de sete quilômetros por segundo para que alcançasse a situação de
equilíbrio orbital, velocidade não atingida pelo terceiro estágio do Longa
Marcha 4B. As causas determinantes do menor tempo de propulsão do terceiro
estágio, porém, ainda não são sabidas e seu esclarecimento dependia de
investigação que ainda perturbará o time chinês por algum tempo.
“Pelos cálculos iniciais, o satélite reentrou na atmosfera na região
polar sul, sem ter dado sequer uma volta na Terra, e deve ter se desintegrado”,
diz Perondi. Ele pondera que mesmo o poderoso programa espacial chinês – assim
como o americano, o russo e o europeu – pode ter falhas e que, nessa fronteira
de conhecimento tecnológico, o risco está sempre presente. “O melhora fazer é
aprender com os erros”, conclui.
Foto: Tânia Caliari
Após as
festas de final de ano, Pinda, já de volta ao INPE, enumera os subsistemas do satélite
que estavam em funcionamento quando o CBERS 3 caiu: o computador de bordo que
norteia o posicionamento do satélite, de responsabilidade chinesa; o de
telemetria e telecomando, com suas antenas, feito pelo Brasil; a parte térmica da MUX, também
brasileira; e o painel solar e o carregamento de baterias, do subsistema de
potência, também sob responsabilidade brasileira. “Há casos em que satélites
colocados em órbita não conseguem abrir o painel solar. Quando isso ocorre, em
pouco tempo o satélite está condenado, sem energia para continuar a missão”,
diz.
Se o lançamento tivesse sido um sucesso, o CBERS 3 efetuaria uma
volta em torno da Terra a cada 100 minutos – seriam, portanto, 14 voltas
completas por dia. Para alcançar a altura de 778 quilômetros – pouco mais de 30
quilômetros, portanto, além do ponto de ejeção – e ajustar sua posição em relação
ao planeta, o satélite precisaria fazer uma série de manobras usando pequenos
propulsores próprios. Apenas durante a sétima volta ocorreria a primeira
passagem sobre a estação de rastreio de Cuiabá (MT), no Brasil, aproximadamente
12 horas após o lançamento, quando as condições do CBERS 3 seriam monitoradas.
Na volta seguinte, quando da passagem sobre a China, a estação de Nan Ning
enviaria parâmetros orbitais atualizados para que o satélite iniciasse o
processo de posicionamento mais preciso em relação à Terra. Após dois dias no espaço,
as quatro câmeras embarcadas começariam a ser testadas. Os ajustes de órbita
continuariam e, após 16 dias, seria iniciada uma batelada de testes em todos os
seus subsistemas. Apenas após o 80º dia em órbita, já no mês de março, as
imagens do CBERS 3 enviadas para a Terra passariam a ser fornecidas a seus
usuários.
A missão dos satélites da série CBERS é complementada na Terra com a
recepção, tratamento e distribuição gratuita de imagens dos territórios
brasileiro, chinês e, desde 2007, de países da América do Sul e da África
associados ao programa. Segundo o INPE, o programa tem no Brasil cerca de 70
mil usuários filiados a mais de 3 mil instituições públicas e privadas, como
universidades, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), a Petrobras e a Vale. Suas
imagens são utilizadas no controle do desmatamento e de queimadas na Amazônia e
no monitoramento de recursos hídricos, de áreas agrícolas, do crescimento
urbano e da ocupação do solo. Desde que o CBERS 2B deixou de funcionar, em
2010, o Brasil depende de imagens fornecidas por satélites estrangeiros.
“Todos falam da importância de produzir imagens para o País”, pondera
Luiz Bueno, engenheiro do INPE, chefe dos arquitetos do satélite do time
brasileiro. “Isso é muito importante, mas o sentido de se construir um satélite
é maior. Se for apenas para ter as imagens, você compra por aí, é um produto. Mas,
quando você faz um satélite, ganha autonomia, independência tecnológica. Além
disso, começa a criar um parque industrial capaz de fazer equipamentos mais sofisticados. As dificuldades superadas
podem servir como alavanca de desenvolvimento para o País”, diz.
O Brasil forneceu 30% dos subsistemas das versões 1, 2 e 2B do CBERS.
Já para o CBERS 3, a responsabilidade brasileira aumentou para 50%. O satélite
perdido, com sua estrutura quase cúbica, cujos lados variam de 1,8 metro a 2,2
metros, carregava dois módulos: o de serviço, com subsistemas que faziam o
satélite funcionar, e o de carga útil, que levava, entre outros equipamentos,
as quatro câmaras que eram sua razão de ser. O satélite seria abastecido
pela energia produzida pelo painel solar, que, aberto, media 6,3 metros de
comprimento.
Em 2004, na etapa de definição do projeto junto com os chineses, com duração de meses, foi decidido que caberia a engenheiros do INPE a missão de definir as especificações técnicas da estrutura do satélite, do subsistema de potência (que produz energia por meio do painel solar, a distribui e
carrega as baterias) e do
subsistema de telemetria e
telecomando (que garante a
comunicação do satélite com as estações terrenas), todos componentes do módulo de serviço. Além disso, coube
aos técnicos brasileiros
especificar as câmeras MUX e
W-FI, o gravador de bordo
(utilizado para registrar as imagens das quatro câmeras do satélite, incluindo as duas chinesas), o transmissor de dados e o sistema de coleta de dados (que recolhe informações meteorológicas enviadas por pequenas
estações de medição na Terra),
todos equipamentos do módulo
de carga útil. O Brasil
também fez as antenas de
diferentes subsistemas e partes do subsistema de atitude e órbita, composto por computador que tinha a função de monitoramento e controle
do satélite e de sete terminais
remotos para tratar dados,
de responsabilidade chinesa
(ver tabela).
“Falam que os chineses é
que fazem o satélite
e que a gente só pinta
nossa bandeirinha
nele”, diz, irritado,
Montes, do INPE
Amauri Montes,
coordenador de Engenharia Espacial do INPE, se irrita ao comentar a falta de
informação e o menosprezo em relação à participação brasileira no
desenvolvimento do satélite. “Já ouvi até gente do ministério dizer que os
chineses é que fazem o satélite e que o Brasil vai lá e só pinta a bandeirinha
dele”, diz. Para Montes, as câmeras MUX e W-FI são o sistema espacial mais
sofisticado que o País já fez.
“Nos CBERS 1 e 2, fizemos uma
câmara W-FI importando metade dela dos EUA, incluindo a parte ótica. Para o
CBERS 3, o INPE especificou e a Opto fez
a MUX, muito mais
sofisticada, com toda a parte ótica e engenharia própria”, diz o engenheiro, que afirma que houve muito debate sobre a competência do País para assumir várias partes do satélite. “Muitos, entre nós mesmos do INPE, duvidaram da capacidade de se fazer uma câmera que
nunca fizemos, um transmissor de
dados que nunca fizemos, uma
estrutura para um satélite
de duas toneladas que nunca
fizemos, aquele painel solar, que nunca havíamos produzido completamente.”
Cerca de 80 funcionários do INPE participaram do desenvolvimento
do CBERS 3, sendo 20 deles
dedicados exclusivamente ao
satélite. É pouco para o
volume de trabalho, avaliam os técnicos
do instituto.
Além dos funcionários federais, há os engenheiros, técnicos e
operários das empresas que construíram as partes do satélite. É Montes que
também detalha o relacionamento do INPE com essas companhias. O acordo
sino-brasileiro para a construção da série CBERS não obriga as partes a produzir
os subsistemas sob sua responsabilidade. Elas podem até adquirir tudo pronto de
outros países. No entanto, no caso brasileiro, houve um esforço muito grande
para construir o máximo de equipamentos no País, e é o INPE que faz o plano de
desenvolvimento de cada subsistema e detalha como ele deve ser. Com os planos e
as especificações, o órgão fez licitações públicas para escolher as empresas
capazes de construí-los. Todos os contratos tiveram um responsável técnico e
uma equipe do instituto para acompanhar o desenvolvimento dos equipamentos nas
indústrias participantes. Cada contrato foi dividido em várias fases, sendo a
primeira a da concepção do projeto preliminar, seguida pela da elaboração do
protótipo. Depois, veio a de produção do modelo de qualificação até,
finalmente, se chegar à de construção do modelo de voo, a ser enviado ao
espaço. “A cada fase nós fazemos a revisão de projeto”, explica Montes. “O INPE
montou bancas compostas por especialistas, que leram toda a documentação do
processo de desenvolvimento apresentada pelas empresas e fizeram seus
questionamentos em sessões abertas ao público.” Segundo Montes, houve ocasiões
em que essas apresentações tiveram o melhor clima “Fla-Flu”, com acaloradas
discussões sobre a pertinência do uso desse ou daquele material, desse ou
daquele desenho, desse ou daquele cálculo.
Todos os subsistemas passaram por vários tipos de testes – foram
submetidos a altas variações de temperatura, de pressão, de vibração e de
acústica – para verificar se os equipamentos funcionariam no espaço e,
sobretudo, se resistiriam aos efeitos do lançamento, momento crítico que pode
afetar o satélite. No Brasil, os testes são feitos no Laboratório de Integração
e Testes (LIT) do INPE, o maior da América Latina. Ao longo do programa CBERS, cerca de dez empresas estabelecidas no
Brasil foram se qualificando, contratando engenheiros e adequando seus
equipamentos, mão de obra e instalações para conseguir desenvolver os
subsistemas. Representantes de nove delas fizeram parte da delegação brasileira
que foi acompanhar o lançamento do CBERS 3: Vaz, da Orbital; Cesar Ghizoni, da
Equatorial; Claudemir da Silva, da Nueron; Edgar Menezes, da Omnisys; Francisco
Dias, da Cenic; Gustavo Rodrigues, da Opto Eletrônica; Jadir Gonçalves, da
Fibraforte; Marcos Arend, da AEL Systems; e Fábio Kupper, da Mectron.
Momentos antes do lançamento realizado em dezembro, os empresários aguardam
numa sala de visitas da base as autoridades brasileiras e chinesas que se
reúnem a portas fechadas. Àquela altura, não passa pela cabeça de nenhum deles
que possa ocorrer alguma falha no lançamento de responsabilidade chinesa. “O
ambiente é de muita confiança”, diz Ghizoni, pioneiro do programa CBERS como
engenheiro do INPE, hoje à frente da empresa responsável por parte da câmara
W-FI e outros equipamentos. “Para nós, colocar um satélite em órbita é coisa
esporádica, mas para os chineses é atividade normal”, diz. Silva, também
oriundo do INPE e que hoje se dedica à empresa que construiu as antenas do
satélite, admite que havia certo temor devido a problemas ocorridos ao longo da
construção das partes brasileiras. “Em 25 anos de programa conjunto, os
chineses avançaram e estão tranquilos. Nós é que não... Sempre há um risco”,
diz, com um risinho nervoso.
O CBERS 3 posicionado como se estivesse em órbita, com o painel solar aberto: 11 anos de trabalho e muito atraso até o lançamento. |
Menezes ficou muito impressionado com o que viu nas empresas e
academias responsáveis pelo programa espacial chinês, as quais visitou em
Xangai e Pequim. “Deu para perceber in loco que os investimentos que os
chineses fizeram na área são verdadeiramente os de um país que quer ser uma
potência espacial”, diz. “Podemos ver isso nos produtos e equipamentos que mostraram.
Em Xangai há uma empresa dedicada apenas a componentes que eles decidiram
desenvolver depois de sofrer sérias restrições de importação por parte dos
poucos países que os produzem. No Brasil, todos os componentes para fazer
qualquer equipamento espacial são importados.”
Outra coisa que impressionou os empresários foi o laboratório de
integração e testes da Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST, na sigla
em inglês), estatal dedicada ao desenvolvimento e fabricação dos mais variados satélites.
“Vimos pelo menos dez satélites sendo montados ao mesmo tempo”, diz Gonçalves,
da empresa responsável pela estrutura do CBERS 3.
A juventude do time chinês envolvido no programa espacial também
chamou a atenção: 80% dos funcionários da CAST têm menos de 35 anos, enquanto a
média de idade é 27. No Brasil, em média, os servidores do INPE têm 52 anos de
idade.
Grande parte das empresas que atuam no programa espacial
brasileiro foi formada pela iniciativa de ex-funcionários do INPE, os quais,
baseados na experiência técnica adquirida no instituto, passaram a produzir os
subsistemas do CBERS 3. Recentemente, algumas das companhias envolvidas com o
desenvolvimento do satélite atraíram o interesse de empresas maiores. É o caso
da Mectron, responsável pelo subsistema de telemetria e telecomando, comprada
pela Odebrecht. Mas há também as que foram adquiridas pelo capital estrangeiro,
interessado em atuar nessa área, como a Equatorial, fundada em 1996 por Ghizoni
em São José dos Campos, hoje uma subsidiária da EADS–Astrium, líder europeia na
área de tecnologia espacial, e a Omnisys, formada em 1997 em São Bernardo do
Campo, que desenvolveu o sistema de transmissão de imagens em banda X do
satélite e o sistema de coleta de dados. Em 2005, Menezes e seus sócios
resolveram vender 51% das ações para a Thales, gigante francesa do setor
aeroespacial e de defesa. “Nesse primeiro momento queríamos ter acesso a
tecnologia e crescer”, explica ele. “Antes, fazíamos a instalação e manutenção
de radares importados e, com a vinda dos técnicos da Thales, passamos a
desenvolver e fabricar os radares de banda L no Brasil.” Em 2011, o restante
das ações da companhia foi vendido à francesa, dessa vez devido ao risco de a
empresa não sobreviver. “Muitos criticam que tenhamos vendido, mas talvez não
estivéssemos no ramo espacial se não tivéssemos feito isso. Essa área no Brasil
é muito incerta.”
Apesar de apreensivo em relação a futuros contratos do programa
CBERS, Menezes está otimista em relação ao desenvolvimento de um satélite
geoestacionário de comunicação no Brasil. A Thales, para a qual ele agora
trabalha, foi a vencedora da licitação ocorrida em agosto passado para vender o
satélite dedicado à comunicação das Forças Armadas brasileiras e à expansão da
distribuição de banda larga no País. A empresa contratante – a main contractor – da compra do satélite é a Visiona
Tecnologia Espacial, formada no ano passado pela associação entre a privada
Embraer (com 51% do capital) e a estatal Telebras (49%) para fazer o que, hoje,
o INPE faz no programa CBERS: especificar cada equipamento do satélite e
contratar as empresas para construí-lo. O primeiro satélite geoestacionário
brasileiro virá totalmente pronto da França, mas Menezes acredita que os
próximos poderão ter partes fabricadas no País. Isso porque a AEB exigiu no
edital da licitação que na proposta das empresas constasse uma série de
tecnologias que elas estariam dispostas a transferir a empresas instaladas no
Brasil.
Menezes está entre os que avaliam ser factível a
transferência de tecnologia numa área tão sensível, tema extremamente polêmico
entre os especialistas do setor. Ele dá como exemplo a Elebra, empresa
brasileira do setor de telefonia, informática e defesa, falida em 2002. “Nos
anos 1990, o governo brasileiro comprou da Thomson–CSF, empresa que depois se
tornaria a Thales, 13 radares e exigiu transferência de tecnologia. Sete foram
construídos na França e seis foram feitos aqui, na Elebra. Eu, como funcionário
da Elebra, pude aprender muita coisa, que usei depois para abrir minha própria
empresa”, diz. Esse modelo, porém, não impediu a falência da Elebra. E
nem o acesso à tecnologia dos
radares da Thales nos anos 2000 impediu
que Menezes tivesse de vender o
controle de sua empresa.
Há aqui uma diferença grande de visão entre os que
acreditam que a Visiona, como empresa privada, será mais competente e ágil para
contratar e gerenciar projetos do PEB – caso da AEB e do próprio ministro Raupp
– e os que defendem o desenvolvimento vinculado a um ente público, como o INPE,
dotado de técnicos e conhecimento no setor. “Esse modelo da Visiona é antigo no
Brasil”, diz Montes. “Não é novidade o fornecedor de equipamentos oferecer
alguma tecnologia em troca de uma boa compra.” Sua preocupação é que, em nome
da pressa em ter certos sistemas, sejam queimadas etapas e o País paralise seu
esforço de desenvolvimento tecnológico próprio e passe a comprar cada vez mais
soluções de fora. “Temos um programa difícil de cumprir, trabalhamos com as
limitações da Lei de Licitações, mas com o INPE mantemos a filosofia de
desenvolvimento interno”, diz ele.
Foto: Tânia Caliari
Empresários brasileiros visitam instalação da CAST: na China, eles viram pelo menos dez satélites sendo integrados ao mesmo tempo. |
As limitações
tecnológicas do País afetaram
o CBERS 3: as
restrições impostas pela
legislação
americana deixaram isso bem claro
É bem verdade
que o programa CBERS sofre com as grandes limitações tecnológicas do País,
entre as quais a dependência em relação a componentes importados, algo que
acarretou uma série de atrasos no projeto. O maior problema se deu com as
restrições impostas pelo International Traffic
in Arms Regulation (ITAR), legislação americana que impede a exportação de componentes
utilizados no desenvolvimento de produtos da área aeroespacial e de defesa. Segundo
relatório do INPE, em 2009 o atraso médio dos subsistemas brasileiros do CBERS 3
era de 21 meses, 60% do qual era motivado pelo embargo de componentes pelos
EUA.
O principal problema enfrentado pelo INPE foi
a falha de conversores de energia. A solução
deixou o CBERS 3 um pouco menos brasileiro
Um desses embargos provocou o mais recente adiamento do
lançamento do CBERS 3, inicialmente marcado para 2008 e sucessivamente
postergado para 2011, 2012 e, finalmente, 2013. O problema ocorreu devido a
defeitos em uma série de pequenos conversores de energia adquiridos pelo INPE,
em 2007, da empresa americana Modular Devices Incorporated (MDI). Cerca de 30
das 300 peças, compradas por 2,5 milhões de dólares, apresentaram anomalias e
algumas falharam quando já estavam instaladas nos equipamentos brasileiros em
testes finais. Ao todo, o
satélite levaria 44 conversores da MDI, de 18 tipos diferentes. Um desses tipos
tem a função de adequar a voltagem do suprimento de energia produzido pelo painel
solar, de 28 volts, à voltagem adequada ao funcionamento de cada um de seus subsistemas.
Na arquitetura dos satélites CBERS 1, 2 e 2B, a conversão era feita por
componentes concentrados num único subsistema de potência, fabricados no Brasil
pela empresa AEL, outra nacional que teve seu controle adquirido pela Embraer e
por uma empresa israelense, a Elbit System. Nesse modelo, toda a energia produzida
pelo painel solar era convertida de forma centralizada no subsistema de
potência e distribuída na voltagem adequada para cada equipamento. Atualmente,
a maior parte dos subsistemas sob responsabilidade dos chineses continua sendo
alimentada por esse modelo. Segundo Pinda, os equipamentos brasileiros do CBERS
3 que se mantiveram iguais aos feitos para os satélites 1, 2 e 2B também
permaneceram com a conversão feita no subsistema de potência. “Mas decidimos que
tudo que fosse novo no CBERS 3 – e é muita coisa – teria o conversor embutido. Os
chineses também adotaram conversores embutidos em alguns equipamentos novos. A vantagem
é a massa e a possibilidade de compactação dos aparelhos.” Segundo o
engenheiro, um conversor de novo tipo pesa 90 gramas, enquanto o convencional
pesa 13 vezes mais. “Essa e outras tecnologias adotadas permitiram aumentar a
complexidade do satélite mantendo a mesma estrutura e o mesmo tamanho e aumentando
apenas em 600 quilos seu peso em relação aos CBERS anteriores, que eram muito
mais simples e tinham uma câmara a menos”, diz.
Para atender à nova especificação técnica de compactação, o INPE foi inicialmente buscar os conversores
em fornecedores americanos consagrados no setor espacial, mas a compra foi barrada com base no ITAR. Restaram então os conversores da MDI, já classificados pelo INPE como sendo de classe C – isto é, já haviam sido utilizados em alguns tipos de satélites,
mas a própria fabricante não os
classifica como componente espacial. Nesse caso, seria necessária uma série de
testes específicos, para os quais o INPE contratou outra empresa americana.
FOTO: Tânia Caliari
O CBERS 3 no laboratório de integração e testes do INPE, em São José dos Campos: a instalação é a maior da América Latina. |
O problema com os conversores foi primeiramente divulgado
pelo jornal do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e
Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT), em novembro de 2012, quando o INPE
já investigava o problema. Em agosto daquele ano, uma equipe do instituto foi à
MDI, nos EUA, levando parte dos conversores para avaliação e diagnóstico das anomalias
por parte da empresa. Meses mais tarde, a MDI, mesmo reconhecendo os defeitos,
comunicou que não poderia fornecer novos componentes por estar, então, também
impedida pelo ITAR. “Essa seria a solução de ordem zero, tentar trocar ou
comprar novos componentes do mesmo
fornecedor e substituir as peças”, explica Perondi. “Mas não deu certo.” Outra
possibilidade seria usar conversores de outros fornecedores. Além das dificuldades com o ITAR, essa
opção levaria à necessidade de reprojetar os equipamentos e a arquitetura do
satélite, o que demoraria dois ou mais anos. “A terceira opção, efetivamente
implementada, consistia em olhar o satélite como um sistema, com seus subsistemas
e os equipamentos pertencentes a cada subsistema”, diz o diretor do INPE. “Aceitarmos
conviver com o risco em equipamentos que não comprometessem o satélite como um
todo e nem a missão.” A lógica foi a seguinte: os equipamentos que não poderiam
falhar de forma alguma, sob o risco de o satélite não funcionar, não teriam os
conversores fornecidos pela MDI.
Segundo Pinda, a proposta detalhada para a solução do
problema foi desenvolvida durante cinco meses de trabalho dos técnicos do INPE
e levada aos chineses no início de maio passado. “Apresentamos uma proposta que
daria ao satélite uma condição de confiabilidade aceitável.” Além de colocar novos conversores
da MDI nos equipamentos que não comprometiam o funcionamento geral do satélite,
parte da proposta consistia em substituir o transponder desenvolvido pela Mectron
no Brasil por uma peça produzida pelos chineses. O transponder é o principal
elemento do subsistema de telemetria e comando, que estabelece a comunicação do
satélite com estações em solo e possibilita seu rastreamento, controle e
monitoramento em todas as fases da missão. Esse não poderia falhar. “Para o
colocarmos num grau de confiabilidade razoável, iríamos demorar muito. Aí
sugerimos usar um transponder chinês”, diz Pinda. Outros equipamentos que não
poderiam falhar eram partes do sistema de gravação de bordo. Nesse caso, a
solução foi tirar o conversor embutido e recorrer à conversão feita no subsistema de potência usado pela maioria dos equipamentos chineses.
Com essas substituições, o plano original de delegar ao
Brasil a responsabilidade por 50% dos equipamentos do CBERS 3 acabou modificado
e o satélite saiu um pouco mais chinês do que brasileiro. Ainda assim, o
programa CBERS e seus satélites são o único projeto do PEB de longa duração,
tendo completado 25 anos em 2013 (ver “Uma história da cooperação
Brasil–China”).
Antecipar ou não o CBERS 4, eis a questão.
Raupp trabalha para isso, mas no INPE
há quem prefira o cronograma original
Para continuar o programa, diante da perda do CBERS 3, o governo brasileiro propôs aos chineses a antecipação,
para o final deste ano, do lançamento do CBERS 4, marcado para o ano que vem,
conforme contrato firmado entre a AEB
e a CGWC durante o
primeiro compromisso oficial da viagem da delegação brasileira à China em
dezembro passado. Logo após o lançamento malsucedido, ainda na base de Taiyuan,
Raupp sentou-se à mesa dos funcionários do INPE durante o almoço que deveria
ter sido comemorativo. Os
funcionários falavam sobre sua
rotina na base, do trabalho
intenso da integração e dos testes,
do desconforto de estar fora de
casa (alguns, há mais de 90 dias). Mas conversavam, sobretudo, sobre a frustração da perda do CBERS 3. O ministro chegou perguntando em que pé estavam os subsistemas do CBERS 4. Genésio Hübscher, veterano do programa, disse: “Já vi que a pressão para o novo lançamento vai ser grande...”.
“Eu vim sentar aqui com vocês, e já
estou fazendo isso”, disse o
ministro.
No dia
seguinte, de volta a Pequim, o Comitê Conjunto do Programa CBERS (JPC, na sigla
em inglês) se reuniu emergencialmente na sede da CAST para discutir o
incidente. Na ocasião, o ministro apresentou a ideia da antecipação do
lançamento. Naquele momento, os chineses pareceram relutantes. Dois dias
depois, em recepção na embaixada brasileira em Pequim, Si Yuan, diretor de
programas da CGWC, disse a RB que primeiramente seria preciso concluir a investigação
sobre o acidente. Ele considerava o cronograma apertado para permitir a antecipação,
pois a fabricação de um novo lançador levaria dois anos, sendo seus motores e
partes construídos em três diferentes fábricas do país e integrados em Xangai.
Si disse, no entanto, que os técnicos chineses poderiam tentar reduzir esse
tempo à metade.
De volta ao Brasil, cerca de uma semana antes do Natal, diretores e
engenheiros do INPE, funcionários da AEB e seu presidente, José Raimundo
Coelho, além do ministro Raupp (via teleconferência), se reuniram em São José
dos Campos para discutir as reais possibilidades de a parte brasileira
conseguir antecipar suas tarefas. Pinda havia estudado a questão e fez uma
apresentação técnica durante a qual afirmou que uma nova agenda não daria
nenhuma margem para ajustes. “Se for difícil, nós vamos antecipar. Abrimos mão
somente se for impossível”, teria dito o ministro diretamente de Brasília.
No início de janeiro, Pinda disse a RB que a antecipação é
factível. “Não temos que fazer nada a toque de caixa. Vamos fazer tudo de
acordo com as regras, com todos os testes. Para isso temos uma estratégia.” O
engenheiro explica que os subsistemas para um novo satélite já estão prontos.
“Quando a indústria fez os subsistemas do CBERS 3, fez também um satélite inteiro
de reserva.” Esses equipamentos de reserva foram enviados para a China
juntamente com os subsistemas do CBERS 3 para serem usados em caso de problema.
Eles deveriam ter sido remetidos de volta no dia seguinte ao lançamento, mas,
diante do fracasso, essa decisão foi suspensa. Assim, o primeiro ponto da nova
estratégia seria montar, na China, o CBERS 4 com os equipamentos reservas do 3.
Segundo Pinda, pode ser de seis meses o tempo ganho com o não repatriamento dos
subsistemas de responsabilidade brasileira e de seus equipamentos de testes e
com o não envio para cá das partes chinesas e de seus respectivos dispositivos
de testes e, posteriormente, com o despacho para a China do satélite já
integrado. Como os subsistemas do CBERS 4 estão quase prontos no Brasil, faltando
apenas concluir o painel solar e dotar todos os equipamentos com a solução para o problema do conversor da MDI, eles passariam, então, a ser os
novos reservas do satélite, caso ele
seja lançado anda este ano.
Foto: Divulgação
Outro item da
estratégia é enviar mais técnicos do INPE e usar mais mão de obra chinesa para o
trabalho de integração na China. Em vez de 40, como ocorreu ao longo da
montagem do CBERS 3, seriam deslocados entre 55 e 60 técnicos brasileiros. “A
fase de colocar os subsistemas na estrutura, atividade de pouco ganho
tecnológico, poderia ser feita pelos chineses, que têm grande número de
técnicos qualificados.”
Foto: Divulgação
Genaro, do SindCT: contra a antecipação. |
Pinda admite que a integração na China vai implicar a
perda de experiência local. O problema, diz ele, é o objetivo final. “Se
quisermos ter o satélite o quanto antes, temos de abrir mão de alguma coisa.”
Como se vê, não há consenso em torno de uma solução para os problemas gerados
com a perda do CBERS 3. De certo, há apenas a percepção de que o governo quer
um satélite no espaço ainda neste ano.
UMA HISTÓRIA DA COOPERAÇÃO BRASIL-CHINA
A ideia inicial era desenvolver várias tecnologias, mas
acabou limitada à
construção de satélites. Algo que, por aqui, foi levado a
trancos e barrancos
Foto: Tânia Caliari
Em 1974, quando Brasil e China restabeleceram relações
diplomáticas, rompidas em 1949, quando Mao Zedong e seus liderados conquistaram
o poder no país asiático, fazia quatro anos que o país asiático havia colocado
no espaço seu primeiro satélite artificial. Por aqui, o programa aeroespacial implantado
na década de 1950 seguia com a formação de pessoal e com a organização
institucional do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), criado em 1961, e do INPE,
de 1971. Em 1982, o último governo da ditadura militar assinou um acordo, bastante
genérico, de cooperação científica e tecnológica com a China. Em 1984, esse
acordo foi aprofundado e o setor espacial foi definido como uma das
várias áreas a serem contempladas, prevendo cooperação para o desenvolvimento
de satélites de comunicação, de sensoriamento remoto, de processamento de
imagens, de foguetes lançadores e de foguetes de sondagem.
Em 1985, com a transição para o governo civil do presidente
José Sarney, foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Seu
primeiro titular, o nacionalista Renato Archer (1922–1996), militar da reserva,
governador do Maranhão na década de 1950 e, mais tarde, deputado federal, foi
um grande entusiasta do acordo. Em 1987, Raupp, então diretor-geral do INPE, foi à China com uma delegação de pesquisadores do
instituto à qual os chineses apresentaram a ideia de desenvolver em conjunto um
satélite de observação da Terra, o Ziyuan-1. As negociações avançaram e, ainda
em 1987, técnicos chineses e brasileiros definiram cronogramas, orçamentos e
atribuição de tarefas para a cooperação tecnológica. O programa CBERS foi
finalmente sacramentado com a assinatura de um protocolo entre os dois governos
durante visita do presidente Sarney ao país asiático em julho de 1988 (na
imagem ao alto, técnicos chineses e brasileiros reunidos em Pequim).
Os recursos iniciais para o projeto foram garantidos pelo governo
brasileiro, mas já a partir de 1989 o cenário para as atividades de ciência e
tecnologia no País mudou para pior. A partir de 1990, o governo do presidente
Fernando Collor de Mello reduziu os já parcos investimentos no setor, acabando por
comprometer a meta de lançar o primeiro CBERS em 1992. As condições do projeto
tiveram de ser totalmente reorganizadas em 1993 por meio de um novo protocolo,
o qual previa para 1996 o lançamento do primeiro satélite. Novamente,
restrições financeiras e técnicas fizeram com que o lançamento do CBERS 1
ocorresse apenas em outubro de 1999, 11 anos após a assinatura do acordo. O CBERS
2 também sofreu atrasos, sendo lançado somente em outubro de 2003. Mesmo assim,
em 2002 foi firmado novo protocolo para a construção dos CBERS 3 e 4.
Como o lançamento do CBERS 3 estava previsto para ocorrer
em 2008, China e Brasil construíram o CBERS 2B e o lançaram em 2007 para
substituir o CBERS 2. O 2B funcionou até o início de 2010 e desde então o País
depende de imagens fornecidas pelos satélites americanos Terra/Modis e Landsat-
5 e pelo indiano Resourcesat.
O FÔLEGO DO PROGRAMA CHINÊS
Iniciadas na área militar, as atividades espaciais
chinesas já
evaram astronautas ao espaço e colocaram uma sonda na Lua
O programa espacial chinês nasceu juntamente com o programa
de desenvolvimento de armas nucleares. “Neste mundo, para evitar ser
bombardeado, nós não podemos ficar sem elas”, disse o presidente Mao Zedong em
reunião do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, em 1955. Àquela altura,
mísseis de longo alcance já eram usados para transportar bombas convencionais
ou atômicas. E eles nada mais são do que foguetes, utilizados também na exploração
espacial.
Em 1956, os chineses criaram seu primeiro plano aeroespacial
e passaram a contar com a colaboração da União Soviética, país que, no ano
seguinte, colocaria em órbita o primeiro satélite artificial, o Sputinik. Em
1958, a China construiu seu primeiro míssil – de pequeno alcance –, cópia de um
foguete soviético. A cooperação durou pouco – em 1960, os dois países romperam
relações diplomáticas.
A partir daí, os chineses desenvolveram sozinhos mísseis de
médio e longo alcances. Sua primeira tentativa de lançamento de satélite
bem-sucedida ocorreu em abril de 1970, com o lançador CZ-1, que colocou no
espaço o Dong Fang Hong, uma pequena esfera que girava em torno da Terra
emitindo os sons da canção patriota “O leste é vermelho”. Com a morte de Mao em
1976, vários projetos espaciais foram cancelados ou congelados. A aposta no desenvolvimento
dos foguetes Longa Marcha, porém, fez com que em 1985 a China entrasse no
seleto grupo de países que oferecem comercialmente o serviço de lançamento de
satélites. Essa atividade, no entanto, não se daria sem episódios de fracassos.
Um dos mais notórios aconteceu em 1996, quando o primeiro Longa Marcha 3B, que
carregava o satélite americano Intelsat 708, chocou-se com uma montanha a menos
de dois quilômetros de sua base de lançamento.
Segundo técnicos do INPE que participam do programa Cbers,
quando a China apresentou ao Brasil a proposta de desenvolvimento conjunto do Ziyuan, que
viria a ser o CBERS-1 em 1987, aquele era o satélite mais complexo que seus técnicos tinham
no horizonte, representando enorme desafio para os dois países. Desde então, o
país oriental desenvolveu uma gama enorme de satélites para diferentes fins
civis e militares, enquanto o Brasil leva aos trancos e barrancos o projeto de
cooperação.
Um dos projetos retomados nos anos 1990 pelos chineses foi o
do voo tripulado, bem-sucedido em outubro de 2003, quando um astronauta chinês
viajou a bordo do Shenzhou 5 (imagem ao lado), fazendo da China o terceiro país
do mundo a enviar humanos ao espaço. No momento, os chineses montam uma estação
espacial, a qual orbita o planeta a 340 km de sua superfície.
A China tem ainda programas de exploração de Marte e da Lua.
Dias após o fracasso do lançamento do CBERS 3, os chineses tiveram muito o que
comemorar com o pouso bem sucedido em solo lunar do jipe-sonda Yutu e com a colocação
em órbita do Túpac Katari, primeiro satélite de comunicação da Bolívia,
construído e lançado pela China. O programa espacial chinês foi reorganizado
nos anos 1990. A empresa responsável por sua execução é a China Aerospace
Science and Technology Corporation (CASC), que tem várias outras empresas a ela
subordinadas, as quais, no total, reúnem mais de 100 mil trabalhadores. Apesar
da grande liberalização da economia chinesa, as empresas responsáveis pela
execução do programa espacial, um setor considerado estratégico, mantêm-se sob
o controle estatal.
* A viagem da repórter à
China foi financiada pelo Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais
na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial
Veja abaixo o vídeo do lançamento do CBERS-3:
Fonte: Revista “Retrato do Brasil” - Edição 79 - págs. 11
à 21 - Fevereiro de 2014
Comentário: Bom, agora está aberto a discussões. Aproveitamos para agradecer publicamente ao Eng. Gino Genaro do INPE por nos ter enviado essa reportagem.
Nossa, é muita informação. Vou ler o artigo completo com mais calma depois, mas até onde fui, já deu pra perceber erros em cima de erros. e com a antecipação do lançamento do CBERS 4 a coisa piora ainda mais.
ResponderExcluirE o que dizer do trecho em que se lê: "Além disso, teremos de abrir mão de integrar o satélite no Brasil, perdendo uma oportunidade fundamental de qualificar novos profissionais nas atividades de integração e justificar os investimentos de centenas de milhões de dólares feitos pelo governo no LIT, onde foram integrados apenas dois satélites para colocação em órbita nos últimos 12 anos."
Gastar milhões num centro de integração de satélites e só integrar 2 satélites num período de 12 anos... Só sendo muito brasileiro para continuar bancando esse e outros absurdos.
Quem poderá nos salvar?