Astronomia Está Cada Vez Mais Colaborativa
Olá leitor!
Segue abaixo uma entrevista com o astrônomo brasileiro
Dimitri Alexei Gadotti postada hoje (05/02) no site da “Agência FAPESP”, onde o
mesmo destaca entre outras coisas que a Astronomia está cada vez mais colaborativa.
Duda Falcão
Entrevistas
Astronomia Está Cada Vez Mais Colaborativa
Por Elton Alisson
05/02/2014
(foto: ESO)
Avaliação é do pesquisador brasileiro Dimitri Alexei Gadotti, integrante da equipe de astrônomos do Observatório Europeu do Sul. |
Agência FAPESP –
O pesquisador paulista Dimitri Alexei Gadotti costuma passar acordado ao menos
100 noites intercaladas durante o ano, com os olhos voltados para monitores que mostram uma série de gráficos e imagens de objetos
astronômicos capturados, em tempo real, por alguns dos maiores e mais potentes
telescópios em operação no mundo.
Graduado em
Física Teórica e Experimental e com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Astronomia pela Universidade de São Paulo
(USP) – os dois últimos com Bolsa da FAPESP –, Gadotti está entre os 25
astrônomos do Observatório Europeu do Sul (ESO) em Paranal, no Chile.
Para
realizar seu trabalho de apoio às observações realizadas no conjunto de
telescópios do Observatório Paranal, Gadotti permanece por períodos de uma
semana a dez dias no complexo astronômico situado em uma montanha de 2,6 mil
metros de altitude no meio do deserto do Atacama e a 130 km da cidade litorânea
chilena de Antofagasta.
Semelhante a
uma base militar, o Observatório funciona 24 horas por dia, ininterruptamente,
com mais de 100 profissionais, entre astrônomos, engenheiros, físicos e
técnicos de manutenção, trabalhando em turnos.
Os
profissionais ficam hospedados na Residência Paranal – um sofisticado hotel
construído nas dependências do Observatório, cujo projeto ganhou prêmios
internacionais de arquitetura. A residência já foi até usada como locação de Quantum
of Solace, o 22º filme do espião britânico James Bond.
Em
entrevista concedida à Agência FAPESP durante visita realizada por
jornalistas brasileiros às instalações do ESO no Chile, em novembro, Gadotti
conta como se tornou astrônomo da instituição de pesquisa e sobre o trabalho
que desempenha no Observatório.
Agência
FAPESP – Como o
senhor se tornou astrônomo do ESO no Chile?
Dimitri
Alexei Gadotti – Fiz meu
doutorado no IAG [Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
da USP] com Bolsa da FAPESP e, durante minha pesquisa, fui duas vezes ao
Chile para realizar observações nos telescópios do Observatório do ESO em La
Silla, [a 600 quilômetros ao norte de Santiago]. Na primeira vez fiquei
duas noites, e na segunda, seis. Depois de concluir o doutorado, realizei
pós-doutorado no IAG, também com Bolsa da FAPESP, no Laboratório de Astrofísica
de Marselha, na França, e no Instituto Max Planck de Astrofísica em Garching,
perto de Munique, na Alemanha, onde fiquei por quatro anos. Por coincidência, a
sede do ESO na Alemanha fica na mesma rua do Instituto Max Planck de
Astrofísica. Por essa razão, eu tive muito contato e sempre quis trabalhar no
ESO, por ser uma instituição internacional de pesquisa e que faz astronomia de
altíssimo impacto. Por conta disso, eu me inscrevi em 2009 para o programa de fellowship
do ESO e fui selecionado para ir ao Chile, onde fiquei por três anos e meio. Um
pouco antes de terminar meu fellowship, candidatei-me a uma vaga na
equipe de astrônomos do ESO no Chile, fui aprovado e em abril de 2013 comecei a
fazer parte oficialmente da equipe.
Agência
FAPESP – A
equipe de astrônomos do Observatório do ESO em Paranal é composta por quantos
integrantes?
Gadotti – São cerca de 25 astrônomos. Há muito mais
engenheiros do que astrônomos porque nós, astrônomos, só trabalhamos à noite,
na operação dos telescópios. Já os engenheiros trabalham tanto à noite quanto
de dia, fazendo a manutenção dos 16 instrumentos científicos acoplados aos
telescópios.
Agência
FAPESP – Quais
são as responsabilidades de um membro da equipe de astrônomos do ESO?
Gadotti – Dois terços do tempo de um membro da equipe de
astrônomos do ESO devem ser dedicados ao trabalho no Observatório, que
consiste, basicamente, em dar apoio às observações. Temos que passar 105 noites
por ano no observatório para executar os projetos de pesquisa aprovados pelo
ESO a cada semestre. A cada noite selecionamos quais projetos serão realizados,
dependendo das condições de observação e da prioridade de cada um deles.
Normalmente as observações são realizadas em bloco e intercaladas, mais ou
menos, a cada duas horas. Durante as observações, temos de verificar se estão
ocorrendo da forma esperada, se os dados fornecidos possuem a qualidade
necessária e se há a ocorrência de algum imprevisto, por exemplo. Se há algum
problema durante as observações, precisamos tomar medidas.
Agência
FAPESP – De que
modo vocês atuam durante as observações?
Gadotti – De duas formas. A primeira é no modo de serviço:
o astrônomo que escreveu o projeto não está presente e, por isso, executamos as
observações para ele. A outra forma é no modo visitante: o astrônomo autor do
projeto vem para cá para realizar as observações e ficamos à sua disposição
para tirar dúvidas e ajudar no que for necessário, já que a operação dos
telescópios é muito complexa. Os astrônomos de fora do ESO não podem vir para
cá e operá-los sozinhos.
Agência
FAPESP – Além
de dar apoio às observações, quais outras funções vocês desempenham?
Gadotti – Cada membro da equipe de astrônomos do ESO é
responsável por um dos 16 instrumentos científicos dos telescópios. Isso
significa que temos de garantir, entre outras questões, que o instrumento opere
de maneira adequada, que não percamos tempo por problemas técnicos e que os
dados cheguem com a qualidade esperada. Além disso, temos de pensar no que pode
ser feito para melhorar o instrumento e zelar pela sua manutenção, de forma que
não apresente problemas técnicos.
Agência
FAPESP – Por
qual instrumento você é responsável?
Gadotti – Pelo Flames [sigla, em inglês, de Fibre Large
Array Multi Element Spectrograph]. Esse instrumento é um espectrógrafo
multiobjeto, que permite obter mais de 130 espectros [imagens] para 100
diferentes objetos de uma vez, e facilita a realização de estudos que precisam
de muitos dados. Hoje em dia, a maior parte da pesquisa em astronomia é feita
do ponto de vista estatístico e existe muito erro envolvido por conta da
própria natureza das observações. Só conseguimos coletar alguns dos fótons que
estão disponíveis no céu e temos de extrair deles uma quantidade enorme de
informações. Como observamos no limite da tecnologia disponível para essa
finalidade, há muitos “ruídos” eletrônicos, de tratamento dos dados e de
postulação de hipóteses. Por isso, é necessário aumentar o tamanho da amostra,
do número de dados e de pontos de observação para reduzir esses ruídos e obter
respostas muito mais robustas. O Flames é fundamental para isso porque, em vez
de fornecer um espectro para uma estrela, após uma hora de observação ele
fornece mais de 130 espectros. Com um espectro não é possível fazer
praticamente nada, mas com 130 pode-se responder a uma série de perguntas. Além
disso, também otimiza o tempo de observação no telescópio.
Agência
FAPESP – Que tipo
de pesquisa astronômica o senhor realiza no ESO?
Gadotti – Estudo a evolução de galáxias, principalmente do
ponto de vista estrutural. O que faço é analisar imagens ou espectros de
galáxias e a estrutura de galáxias, principalmente as das mais próximas da
Terra, aquelas que podemos ver com mais detalhes. Também estudo a cinemática
[movimento] das estrelas na galáxia. A ideia é tentar entender como as galáxias
evoluem no tempo, porque elas não são nada estáticas. Vemos que há galáxias que
possuem braços espirais e barras, por exemplo, que se desenvolvem e também
afetam a vida da galáxia de maneira fundamental, produzindo novas estrelas e
mudando a distribuição de massa dentro da galáxia. A matéria escura que está ao
redor da galáxia também influencia sua dinâmica e sua estrutura e nós ainda não
sabemos o que é a matéria escura. Dessa forma, podemos estudar um pouco a
matéria escura, entender o que ela é por meio do que acontece na galáxia
queestá dentro de um halo de matéria escura e esse halo influencia em suas
dinâmica e na estrutura. Obter respostas sobre o que é a matéria escura é
importante não só do ponto de vista da Astronomia, mas também da Física. A
matéria escura é uma partícula que os físicos também têm buscado e não
encontraram. Ela representa um tópico da ciência hoje que é muito fundamental.
Agência
FAPESP – Como são
suas colaborações em pesquisa?
Gadotti – Trabalho, fundamentalmente, em colaborações
internacionais. Algumas iniciei durante o pós-doutorado na França e outras são
mais recentes, como o Spitzer Survey of Stellar Structure in Galaxies (S4G), do
qual sou um dos pesquisadores principais. Essa colaboração começou em 2010,
reúne um grupo de mais 40 pesquisadores do mundo inteiro e tem trazido resultados
muito bons. O que temos feito nesse projeto é obter imagens de todas as
galáxias que estão dentro de um certo volume ao redor da nossa. Com essas
imagens no infravermelho podemos estudar as estruturas dessas galáxias de
maneira que não poderia ser feita antes. O Sptizer é um telescópio espacial da
Nasa [agência espacial dos Estados Unidos]. Eles me convidaram para fazer parte
dessa colaboração por conta da pesquisa que faço com estruturas de galáxias. No
Chile, com os telescópios do ESO, também fazemos muitas investigações
relacionadas a dinâmicas de galáxias. Com o Flames, temos feito observações
para estudar a dinâmica de diferentes regiões de uma galáxia para entender por
que as galáxias são como são, por que apresentam as estruturas que vemos hoje e
como essas estruturas se formam, se vão ficar para sempre aí ou vão desenvolver
e se transformar em outras estruturas. E só é possível realizar esses estudos
em colaboração.
Agência
FAPESP – Quais as
vantagens da realização de pesquisas astronômicas em colaboração?
Gadotti – No caso do S4G, por exemplo, conseguimos mais de
600 horas de tempo de telescópio, algo dificilmente concedido para um ou dois
astrônomos, por exemplo. Para utilizar esse tempo de observação é preciso
juntar forças, ter uma equipe bastante grande, capaz de explorar os dados de
maneiras diferentes. Ao juntar um grupo grande de especialistas em diversos
aspectos, cada um deles pode usar os mesmos dados para responder a diferentes
perguntas. Com isso, é possível maximizar os resultados de um projeto e o tempo
de utilização de um telescópio, que é bem caro.
Fonte: Site da Agência FAPESP
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