O Caminho Deles e o Nosso
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo publicado na edição
de Fevereiro/2014 da Revista Retrato do Brasil, dando destaque aos diferentes
resultados alcançados pelo Brasil e pela China desde a assinatura do Acordo
Espacial Brasil-China na década de 80 do século passado.
Duda Falcão
Ponto de Vista
O Caminho Deles e o Nosso
No
programa China–Brasil para a construção de satélites de
sensoriamento
remoto, assinado há um quarto de século,
eles
voaram e nós fomos devagar, quase parando
Revista Retrato do Brasil
Edição 79 - Fevereiro/2014
A
ILUSTRAÇÃO DE capa
desta edição de Retrato do Brasil foi inspirada na imagem acima, de astronautas
chineses que viajaram em órbita terrestre. Serve como uma ironia, para lembrar
o fato de o Brasil ter assinado com os chineses um compromisso para a
construção conjunta de satélites já no governo do presidente José Sarney, nos
anos 1980, e até hoje, perto do final do mandato da presidente Dilma Rousseff,
enquanto a China voou e se tornou uma das três potências espaciais, ao lado da
Rússia e dos EUA, os brasileiros como que se arrastaram pelo chão, de
dificuldade em dificuldade.
O
programa sino-brasileiro para o desenvolvimento e construção de satélites de
pesquisa terrestre – CBERS, na sigla em inglês –, assinado em Pequim pelo
primeiro governo brasileiro depois da ditadura militar (1964–1985), concretizou,
no campo científico e tecnológico, uma mudança política, iniciada em 1974,
quando o governo do general Ernesto Geisel restabeleceu relações diplomáticas com
a China. A relação com regimes liderados pelos comunistas tinha sido um dos
pretextos para o golpe militar de 1964, que derrubou João Goulart. O depois
presidente brasileiro estava na China, como vice-presidente, em 1961, quando o
presidente Jânio Quadros renunciou. Os militares tentaram, na liderança das
forças anticomunistas do País, impedir a posse de Goulart como presidente.
Quando, afinal, conseguiram derrubá-lo, em 1964, nove diplomatas chineses que
já viajavam pelo Brasil como parte do processo de restabelecimento de relações
foram presos e condenados à pena de dez anos por suposta espionagem e, pouco
depois, expulsos do País.
Dez
anos depois, no entanto, o próprio governo militar restabeleceu relações
diplomáticas com a China. De fato, Geisel apenas seguiu a manada liderada pelos
americanos. Os países diplomaticamente alinhados com os EUA se realinharam em
relação ao governo dos comunistas chineses, depois que o presidente Richard
Nixon fez a mesma manobra e resolveu reconhecer o governo liderado por Mao
Zedong como o único representante de toda a China. Até então, desde a vitória dos
comunistas na guerra civil, no final de 1949, os chineses eram representados oficialmente,
na Organização das Nações Unidas (ONU), pelo governo acobertado pelos EUA em
Taiwan (ver “A briga pelos mares da China” nesta edição).
O
programa CBERS representou uma esperança para os defensores de um desenvolvimento
tecnológico independente do Brasil. O representante mais destacado desse grupo
foi o democrata e nacionalista Renato Archer (1922–1996), ministro de Ciência e
Tecnologia (MCT), um ministério criado por Sarney como uma das promessas para uma
nova fase da economia brasileira. Não deixa de ser um sinal de que esse
programa legou raízes o fato de o atual titular do MCT, Marco Antônio Raupp, então
diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ter sido um dos
negociadores do acordo, um ano antes, quando, junto com uma delegação do
instituto, preparou, na China, as bases do documento de cooperação finalmente
assinado em julho de 1988.A última notícia referente aos resultados desse
acordo é ruim. No último dia 9 de dezembro – ao que tudo indica, em virtude de
uma falha no terceiro estágio do foguete chinês Longa Marcha 4B, que carregava
em sua ponta o terceiro satélite do programa CBERS – o equipamento se perdeu no
espaço. A interpretação dessa notícia, no entanto, deve ser feita com cuidado.
A falha de um foguete durante o lançamento de naves e satélites espaciais não é
uma ocorrência rara. Os desastres mais espetaculares nesse campo são as várias mortes
de astronautas americanos e russos já ocorridas. O Brasil também sabe desses
desfortúnios. Em agosto de 2003, nas etapas de preparação de um foguete
lançador de satélites, o veículo explodiu, a torre móvel de apoio ao disparo
foi destruída e morreram 21 pessoas no Maranhão, local a partir do qual o
Brasil pretendia disparar uma operação de lançamento de satélites comerciais
para o mercado internacional desses artefatos, do qual faz parte, hoje, um
enorme negócio de satélites de comunicação.
Um
fracasso anterior da China nesse mesmo ramo também mostra as dificuldades dos
programas espaciais. Os chineses estão muito mais avançados que o Brasil nesse
campo. Desde1990, já tinham em funcionamento base para lançamento de satélites de comunicação para terceiros. No dia 14 de fevereiro de 1996, no entanto, depois de vários lançamentos bem-sucedidos com foguetes da mesma família do Longa Marcha, na colocação em órbita do satélite Intelsat 708 para a Loral Space and Communications, empresa americana, o veículo lançador se desviou amplamente do rumo pretendido e caiu num vilarejo próximo, deixando muitos mortos e feridos. Tudo indica que a Loral colaborou com as autoridades chinesas em busca das causas do acidente, que teria ocorrido devido a
falhas na soldagem dos componentes do foguete.
Essa colaboração com os chineses valeu à
companhia uma multa de 14 milhões de dólares
num processo na Justiça americana, justificada
pelo argumento de que a partilha de
informações com não americanos é proibidanos
termos da International Traffic in Arms
Regulation (ITAR), legislação para o controle das
exportações de armas, supervisionada pelo
Departamento de Defesa dos EUA e considerada
indispensável para a segurança do país. O
Intelsat 708 utilizaria encriptação de dados altamente sofisticada e, como os seus destroços não foram localizados, os americanos deduziram que o governo chinês os tinha recuperado para decifrar esses segredos considerados importantes para as armas nas guerras, tanto as comerciais como as militares.
Colocar
estatais à frente
do esforço
para dominar
as
tecnologias mais
sensíveis
pode resolver
graves
problemas do
subdesenvolvimento.
É
o que o
exemplo chinês
mostrou aos
próprios
empresários
brasileiros
O incidente, inclusive, levou ao endurecimento das
normas da ITAR para o caso de tecnologias
relativas à construção de satélites espaciais
e foguetes para seu lançamento. O CBERS 3, por exemplo, que tinha entre
seus componentes 44 conversores de energia da americana Modular Devices
Incorporated (MDI), comprados pelo INPE antes desse arrocho das normas de
controle, não recebeu mais assistência técnica da companhia quando o instituto
brasileiro constatou anomalias nos conversores nos testes finais do satélite,
em agosto de 2012. O INPE levou as peças para que a MDI as examinasse e
corrigisse os eventuais problemas. A companhia alegou que a legislação
americana de então não permitia essa ajuda. Restou ao INPE minimizar os danos
numa operação complexa e demorada (ver “‘Deu zebra’, agora vem um desafio”).
Uma das providências foi tirar do satélite o transponder – que tinha sido
construído pela MECTRON, uma subsidiária da brasileira Odebrecht, mas continha
alguns dos conversores com problemas – e substituí-lo por um transponder
chinês, mesmo com a perda de alguns pontos na participação brasileira no
satélite, que caiu um pouco abaixo dos 50% projetados
inicialmente.
O transponder é um dispositivo de automação da comunicação
eletrônica que recebe, amplifica e retransmite sinais. É similar aos existentes
nos celulares que recebem e respondem a sinais da rede à qual pertencem. Por sua
vez, os conversores de energia digitais, como os fornecidos pela MDI, transformam
a energia elétrica dos satélites – obtida de sua fonte básica, normalmente
painéis solares, como no caso do CBERS 3 – nas voltagens e correntes adequadas
para cada um dos múltiplos equipamentos de um satélite. Pesam menos de um
décimo dos antigos conversores e permitem uma grande redução no peso e no
tamanho do satélite. Transponders e conversores de energia, no entanto, são
apenas dois dos incontáveis tipos de equipamentos e componentes da indústria de
construção e lançamento de satélites espaciais.
Deixando de lado a indústria da construção e lançamento de
armas para serem colocadas em órbita e despejadas do espaço, submetida a
controles nacionais estreitíssimos, mesmo o setor civil dos negócios espaciais
está em grande parte sob as regras da ITAR, visto que praticamente todas as
grandes companhias privadas desse campo ou são americanas ou estão associadas às
americanas e, portanto, sujeitas a esse regramento. De que forma um país como o
Brasil pode crescer num mercado desse tipo? Evidentemente, o caminho percorrido
até agora, de governos que vão do de Sarney ao de Dilma, não mostrou uma saída.
Mas, como os próprios industriais brasileiros que acompanharam a delegação
nacional no lançamento do CBERS 3 puderam constatar, a China é um exemplo de
que, ao contrário do que dizem os liberais, um grande empenho estatal na
solução dos principais problemas industriais é a chave para o florescimento de uma
indústria no setor em países que chegaram atrasados ao processo de industrialização.
E isso pode favorecer, inclusive, o desenvolvimento da grande indústria
privada.
A grande empresa estatal chinesa dessa área, com 110 mil
trabalhadores, é a Corporação da China para a Ciência e a Tecnologia
Aeroespacial (CASC, na sigla em inglês). Ela tem uma série de entidades
subordinadas que projetam, desenvolvem e fabricam uma variedade de naves,
lançadores, sistemas de mísseis estratégicos e táticos e equipamentos de solo.
Produz também equipamentos de tecnologia avançada nas áreas de máquinas, química,
produtos médicos e de proteção ambiental. Oferece serviços comerciais de
lançamento de satélites no mercado internacional e é considerada a empresa mais
avançada no desenvolvimento de propelentes de alta energia e no lançamento de múltiplos
satélites com um só foguete. Entre suas subsidiárias estão, por exemplo, nas
siglas em inglês, a CALT (Academia Chinesa de Tecnologia de Veículos Lançadores),
a SAST (Academia de Xangai para Tecnologia dos Voos Espaciais), a CAAA
(Academia Chinesa de Aerodinâmica Aeroespacial) e outras mais especializadas,
como a CATEC (Corporação Chinesa da Eletrônica Aeroespacial), a CBSAST
(Companhia Beijing Shenzhou de Software para a Tecnologia Aeroespacial) e mesmo
o CASI (Centro Chinês de Padrões Astronáuticos), além de muitos outros.
Sem dúvida, foi a partir dessas estatais e de seus avanços
tecnológicos que, inclusive, se desenvolveu na China uma grande indústria
privada na área de telecomunicações, na qual se destaca, por exemplo, aquela
que é hoje a primeira empresa no ranking mundial desse setor, a Huawei, não por
acaso fundada por um ex-oficial das Forças Armadas chinesas e que hoje instala no
Brasil os mais avançados equipamentos de telecomunicação para a telefonia
celular.
COMO SANTOS DUMONT?
Assinalado com um círculo está Marcos Pontes, o primeiro
astronauta brasileiro. Ele fez o curso da Associação Nacional da Aeronáutica e
Espaço americana e foi declarado oficialmente “astronauta da NASA”, o nome da entidade,
na sigla em inglês. A foto de Pontes e colegas de curso é da cerimônia da
formatura, em 2000. O voo de Pontes — depois de vários adiamentos, por diversos
motivos, o principal dos quais foi o da destruição do ônibus espacial americano
Colúmbia, em fevereiro de 2003 — acabou ocorrendo numa nave Soyuz, dos russos, em
2006, num acordo para celebrar os cem anos do famoso primeiro voo de Santos
Dumont, nosso pioneiro da aviação. Já do voo de uma espaçonave brasileira
pioneira para levar um astronauta ao espaço nada se sabe.
Fonte: Revista “Retrato
do Brasil” - Edição 79 - pág. 05, 06 e 07 - Fevereiro de 2014
Comentário: Pois é leitor, contra fatos não há argumentos. Gostaríamos de agradecer ao Dr. Waldemar Castro Leite pelo envio desse artigo.
Gostaria de deixar registrada minha opinião exclusivamente sobre esse tal programa CBERS...
ResponderExcluirQuando ele foi concebido, fazia até sentido. Hoje em dia só está servindo para ficar demonstrando a nossa incompetência cada vez que ele é mencionado.
O principal item da nossa versão desse satélite, que se baseia na primeira versão da plataforma originalmente chinesa é a tal câmera de alta resolução fabricada por aqui. Ocorre que desde a muito tempo, os chineses já evoluíram e nós ficamos parados (como se diz "a fila anda"). Eles já devem estar na quarta ou quinta geração dessa plataforma de satélites. As câmeras de alta resolução já deixaram de ser um mistério para eles faz tempo.
Então, em resumo, sendo extremamente pragmático e principalmente prático, seria muito mais eficaz e econômico para o Brasil nos dias de hoje comprar a versão chinesa completa mais moderna (3 ou 4 gerações à frente) desse satélite de sensoriamento remoto. Uma compra do satélite em modo operacional, ou seja nós pagaríamos por um satélite já em órbita e operacional (não sei se isso é possível).
Eu sinceramente sinto vergonha a cada vez que esses satélites CBERS são mencionados.
Lamentável.