Os Sessenta Anos da Era Espacial e as Atividades Espaciais Brasileiras
Olá leitor!
Segue abaixo um outro interessante artigo, este escrito
pelo conhecidíssimo Eng. José Bezerra Pessoa Filho (IAE/DCTA) tendo como
destaque os Sessenta Anos da Era Espacial e as Atividades Espaciais Brasileiras, publicado que foi na edição de fevereiro do “Jornal do SindCT”.
Duda Falcão
CIÊNCIA E TECNOLOGIA – 2
Os Sessenta Anos da Era Espacial e
as Atividades Espaciais Brasileiras
O Programa Espacial Brasileiro nasceu em 1961, no
contexto da Guerra Fria entre EUA e URSS. Foi a disputa por espaço aqui na
Terra que levou ao lançamento do Sputnik em 1957. Desde então, quase oito mil
satélites foram lançados. Desses, cerca de 1.800 estão operacionais, 10% dos
quais com aplicações militares.
Por José Bezerra Pessoa Filho*
Jornal do SindCT
Edição nº 64
Fevereiro de 2018
Eng. José Bezerra Pessoa Filho |
Os americanos são detentores de 803 satélites, enquanto
chineses e russos possuem, respectivamente, 204 e 142 satélites. EUA, Rússia e
China são os únicos países capazes de colocar satélites e seres humanos em
órbita da Terra. São também capazes de colocar uma ogiva nuclear em qualquer
ponto da superfície terrestre, bem como destruir qualquer satélite, se assim o
desejarem, como demonstrou a China em janeiro de 2017.
O mercado espacial movimenta anualmente 340 bilhões de
dólares, 20 bilhões aplicados à indústria de construção e lançamento de
foguetes e satélites. Cerca de 70% desse mercado resulta da venda de serviços e
equipamentos de solo, restrito a empresas cujos países possuam foguetes,
satélites e centro de lançamento. Além dos 3 países já citados, são sócios
desse clube: Índia, Japão, Israel, Europa, Coreia do Norte, Coreia do Sul e
Irã.
As atividades espaciais no Brasil tiveram início com uma
clara visão estratégica dos militares. O ponto máximo dessa estratégia se deu
ao final da década de 1970 com o estabelecimento da Missão Espacial Completa
Brasileira - MECB. Dela vieram o Veículo Lançador de Satélites - VLS-1, o
Centro de Lançamento de Alcântara - CLA e os dois Satélites de Coleta de Dados
- SCD. O prazo de conclusão previsto para a MECB era de 10 anos. O CLA se
tornou operacional em 1989, mas somente em 1997 e 1999 ocorreram os lançamentos
do VLS-1. Em 1993 e 1998 foram lançados o SCD-1 e o SCD-2 pelo foguete
americano Pegasus. Em 2017, catorze anos após o acidente, o projeto VLS-1 foi
encerrado, sendo substituído pelo Veículo Lançador de Microssatélites - VLM-1.
Após quase 40 anos, a MECB foi substituída por um conjunto de atividades
espaciais não convergentes. As razões que levaram a esse quadro encontram-se
bem documentadas, mas é fato que projetos mal concebidos e pouco discutidos com
a sociedade não servem à nação. Ademais, propor novos caminhos requer:
conhecimento, comprometimento com as futuras gerações e honestidade
intelectual.
O descompasso da MECB teve início em meados da década de
1980, quando os recursos a ela destinados foram inferiores aos previstos. A
partir da década de 1990, as políticas governamentais foram submetidas aos
interesses do capital internacional. Nessa lógica, mais vale a nota conferida
pela Standard & Poor´s do que grau de satisfação dos cidadãos com os seus
governos. É a antítese do sistema democrático, que se encontra em crise em todo
o mundo.
Com a transferência da coordenação do programa aos civis,
o conceito estratégico da atividade desapareceu, como são provas a participação
brasileira na Estação Espacial Internacional (ISS) e na Alcântara Cyclone Space
- ACS, sem esquecer a tentativa de tornar o Satélite Geoestacionário de Defesa
e Comunicações Estratégicas - SGDC um produto das atividades espaciais
brasileiras. Se o Brasil tivesse focado no projeto VLS-1, estaria, a partir do
CLA, participando do mercado de lançamento de CubeSats. Foram quase mil
CubeSats lançados neste século. Mas sem que tenhamos lançado três protótipos,
desistimos do VLS-1. Não há registro de um único país que tenha alcançado
sucesso com tão poucas tentativas.
Em que pesem as crises, as limitações orçamentárias, a
falta de recursos humanos e os erros estratégicos das últimas décadas, é preciso
registrar que nos quase 60 anos de atividades espaciais o Brasil formou duas
gerações de especialistas, que hoje ajudam a formar novos quadros por meio de
cursos de graduação e pós-graduação. Além disso, desenvolvemos expertise no
projeto, construção e lançamento de veículos suborbitais e orbitais. Possuímos
dois centros de lançamento, além de uma infraestrutura laboratorial
respeitável. Com os chineses, construímos satélites de sensoriamento remoto
(CBERS). Ao longo dos anos aprendemos a fazer uso da tecnologia espacial para
previsão de tempo e clima, bem como para o monitoramento do desmatamento e das
queimadas que grassam na região amazônica. Esses feitos não podem ser
desprezados, mas é imperativo reconhecer que esse legado está em processo de desconstrução
a olhos vistos.
Àqueles que consideram as atividades espaciais
incompatíveis com a realidade nacional, vale citar que a Índia iniciou seu
programa espacial um ano após o Brasil, lançando o primeiro foguete Nike-Apache
(americano) de seu território em 1963. Vale mencionar que foi o lançamento de
um Nike-Apache que, em 1965, inaugurou o Centro de Lançamento da Barreira do
Inferno - CLBI. Dentre os pioneiros dessa época encontrava-se um visionário
engenheiro aeroespacial, que exerceria a presidência do seu país entre 2002 e
2007: Abdul Kalam. Desde então, os indianos desenvolveram uma família de
veículos lançadores de satélites contando, quando possível, com a ajuda
americana e russa, e, quando não possível, com a engenhosidade de seus
especialistas.
A Índia investe anualmente mais de um bilhão de dólares
em seu programa espacial, enquanto o Brasil menos de 10% desse valor. São
dezesseis mil especialistas e uma preocupação contínua com a formação das novas
gerações. Notícias recentes, trazidas por um brasileiro que estudou na Itália,
dão conta da existência de meia centena de indianos estudando ciências
espaciais e nucleares em uma única universidade. O resultado de tudo isso é que
a Índia é capaz de lançar seus próprios satélites, inclusive geoestacionários,
além de enviar missões não tripuladas à Lua e a Marte. Em 2017, os indianos
bateram um recorde mundial ao colocarem 104 satélites (101 CubeSats
estrangeiros) em órbita da Terra, em um único voo do seu foguete PSLV. Este ano
entrará em operação o sistema de posicionamento via satélite conhecido pela
sigla NAVIC, reação à decisão americana de limitar o acesso da Índia ao sistema
GPS, por ocasião da Guerra de Kargil (1999). Caberá também ao PSLV, em 2018, o
lançamento do CubeSat ITASAT, desenvolvido pelo Instituto Tecnológico de
Aeronáutica.
Uma análise comparativa Brasil x Índia demonstra que o
PIB per capta brasileiro é cinco vezes superior ao indiano. Quanto ao
analfabetismo, o da Índia é quatro vezes superior ao do Brasil. No que tange à
percepção da corrupção, Brasil e Índia estão empatados, junto com a China.
Contudo, quando se compara o crescimento acumulado do PIB neste século, tem-se
40% para o Brasil e 120% para a Índia. Ah! Nos três dias decorridos entre a
solicitação e entrega deste artigo ao SindCT, o Governo pagou quase 4 bilhões
de reais em juros ao sistema financeiro. Diante desses fatos e números só nos
resta apelar:
Houston,
we have a problem!
* José Bezerra Pessoa Filho é servidor de carreira de
C&T, filiado ao SindCT
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 64ª - Fevereiro de 2018
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