Reflexões Sobre o Programa Espacial Brasileiro
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo escrito pelo Eng. Amauri
Montes (INPE) com reflexões sobre o Programa Espacial Brasileiro (PEB), publicado
que foi na edição de fevereiro do “Jornal do SindCT”,
Duda Falcão
CIÊNCIA E TECNOLOGIA – 1
Reflexões Sobre o Programa Espacial Brasileiro
Pode parecer surpreendente, mas muitos não sabem que o
INPE possui uma forte área de Engenharia Espacial há mais de três décadas.
Faremos aqui uma sucinta abordagem sobre o Programa Espacial Brasileiro, suas
origens e expectativas para o futuro.
Por Amauri Montes*
Jornal do SindCT
Edição nº 64
Fevereiro de 2018
Eng. Amauri Montes |
Até o final dos anos 70, a área de Engenharia do INPE era
constituída por departamentos, tais como telecomunicações, computação, mecânica
e fotônica. A atuação na área espacial era pequena. Resumia-se a parte de solo
com sistemas de recepção, antenas e processamento. As atividades eram
concentradas no desenvolvimento de equipamentos em nível de protótipos de
laboratório. Esses protótipos eram em grande número e nas mais diferentes
áreas.
Aplicava-se o conhecimento que se tinha notícia do
exterior, algo próximo ao estado da arte, com pouca ou quase nenhuma
correspondência com a área espacial.
Podemos mencionar, entre vários, a construção de
microcomputadores que começavam a surgir, interfaces eletrônicas, transmissores
de dados, antenas e lasers. Eram praticamente todos financiados pela
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP.
Anualmente, o Instituto encaminhava as propostas
recebidas de cada departamento, as quais passavam a compor um único pacote.
Essa era a forma principal de composição orçamentária do INPE. Muitos desses
desenvolvimentos faziam parte dos trabalhos de teses dos engenheiros desses
departamentos.
No início dos anos 80, decidiu-se que a área de
Engenharia do INPE passaria a dedicar-se quase exclusivamente ao
desenvolvimento de satélites e plataformas espaciais. Relembramos a aprovação da
Missão Espacial Completa Brasileira - MECB, em agosto de 1980. Iniciou-se aí um
período de capacitação e finalmente, no ano de 1985, a Engenharia Espacial
estava consolidada. Paralelamente, em 1987, o LIT era inaugurado.
Dois satélites tipo SCD foram construídos pelos
engenheiros do Instituto, colocados em órbita e ainda estão em operação,
atendendo ao Sistema de Coleta de Dados. Também, cinco satélites foram
desenvolvidos em parceria com a China e colocados em órbita pelos lançadores
chineses da categoria Longa Marcha. O CBERS-1, posto em órbita em outubro de
1999, o CBERS-2 em outubro de 2003, o CBERS-2B em setembro de 2007 e o CBERS-4
em dezembro de 2014. O CBERS-3 foi lançado em dezembro de 2013, mas não entrou
em órbita por falha no lançador.
Atualmente a Engenharia Espacial do INPE trabalha na
conclusão do CBERS-4A e no Amazônia-1, primeiro satélite de Observação da Terra
dessa série, totalmente nacional.
Em países desenvolvidos, não se fala em Programa Espacial
sem uma Política Industrial. Isso é tão natural nesses países que toda vez que
temos oportunidade de discutir ou analisar qualquer programa espacial, em
poucos minutos a discussão passa para a Política Industrial. Aliás, nesses
países, o modelo é aplicado a qualquer programa de desenvolvimento de alta
tecnologia, com instituições de pesquisa e desenvolvimento trabalhando muito
próximas ao setor empresarial.
Assim, já há algum tempo, uma Política Industrial ousada
tem sido adotada para o desenvolvimento dos subsistemas e equipamentos e
partes, os quais são projetados, fabricados e testados na indústria nacional. A
Engenharia Espacial do INPE trabalha inicialmente em nível de sistema.
Posteriormente, o desenvolvimento, a fabricação e os testes de cada subsistema
são encomendados às empresas brasileiras, que passam a fazer parte do
respectivo programa. Na fase seguinte, quando todos equipamentos/subsistemas já
estão prontos, o Instituto se incumbe da integração e teste do satélite e
respectivo lançamento. O INPE também realiza as atividades na fase operacional
de controle dos satélites e recepção e distribuição dos dados.
Após o sucesso do CBERS-4, com o enorme avanço conseguido
pelo país através dessa Missão, principalmente em tecnologias sensíveis, a
Engenharia Espacial está preparada para atender às demandas atuais da sociedade
brasileira. Dentre as quais, destacamos alguns exemplos, como o Programa
Estratégico de Sistemas Especiais - PESE, a ampliação da capacidade de
monitoramento ambiental, o Cadastro Rural e muitas outras.
Assim, uma meta importante, que vislumbramos, consiste no
desenvolvimento e fabricação de um satélite na faixa de 150 kg, equipado com
câmera óptica de alta resolução. A competência existente no Brasil, na
associação da Engenharia Espacial do INPE com a indústria nacional, pode
perfeitamente construir essa plataforma, incluindo a carga útil. Aliás, um
programa dessa natureza viria em boa hora.
Esse tipo de satélite, operado em constelação, atenderia
às demandas citadas acima, como também à imensa necessidade brasileira por
imagens de alta resolução. Simultaneamente, continuariam os satélites da série
Amazônia, operando com câmeras de campo largo, com capacidade ampliada em cada
nova missão.
Esses são alguns exemplos de missões que se apresentam
imediatamente. Diferentes demandas poderiam ser atendidas, ao mesmo tempo em
que o setor industrial e serviços do Brasil, na área espacial, iria se
consolidando e constituindo em breve o que poderíamos chamar de um “Cluster”
tecnológico, com raízes firmes em nosso país. Garantiria, com robustez, a
permanência e aperfeiçoamento dessas tecnologias no Brasil, gerando maiores
oportunidades de empregos e também de negócios, inclusive no exterior.
Embora muito importantes, um país com as dimensões do
Brasil não deve pautar sua economia em apenas alguns setores, como Commodities,
Agronegócio ou Turismo. Deve fomentar um setor empresarial forte capaz de gerar
produtos e serviços com alto valor agregado, tanto para atender à demanda do
mercado interno, como para exportação. Caso contrário, as crises serão
constantes, intercaladas por pequenos períodos de calmaria quando o cenário
internacional possibilitar.
O principal desafio do país é adquirir a capacidade de
produzir produtos e serviços de alto valor agregado e, em tamanha empreitada, o
domínio da alta tecnologia não é opcional, mas imprescindível. O investimento
em um programa espacial se mostra uma ferramenta eficaz e de imensa
contribuição neste contexto, pois satélites e plataformas orbitais são o
produto de maior valor agregado existente no mundo.
Os engenheiros e técnicos pertencentes à Engenharia
Espacial do INPE sabem da importância do trabalho que realizam, mas é preciso
maior atenção do país ao tema.
Mesmo contando com reconhecimento e elogio de importantes
órgãos internacionais, o programa carece de maior consideração no contexto
nacional, sendo alvo de críticas empobrecidas pela falta de informação e
frequentemente colocado à margem das prioridades do país.
Além disso, a falta de reposição de quadros, necessária e
rotineira em qualquer instituição, pública ou privada, ameaça fortemente o
futuro e tudo que dissemos e explicamos aqui, já no curto prazo.
Em seu último livro Em Busca de um Novo Modelo, Celso
Furtado alerta para o que denomina “armadilha do subdesenvolvimento”, explica
que o subdesenvolvimento não é um estágio natural que antecede ao
desenvolvimento.
Um país pode permanecer séculos no subdesenvolvimento
caso não mobilize forças numa estratégia bem estabelecida que possa tirá-lo
dessa situação. Esse pensamento foi adotado pelo Japão, seguido pelos Tigres
Asiáticos e mais recentemente pela China, com excelentes resultados. Afinal, o
que estamos esperando?
*Amauri S. Montes é da Turma 77 do ITA. Esteve no comando
da Engenharia Espacial do INPE, no cargo de Coordenador Geral da Coordenação
Geral de Engenharia e Tecnologia Espacial nos períodos de 2005-2008 e 2013-2017
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 64ª - Fevereiro de 2018
Seguindo o raciocínio do autor, a perda da Embraer para os americanos implica na destruição do mais importante cluster tecnológico / cientifico que conseguimos construir nesse país. Vamos involuir à decada de 80. Vamos perder a chance de alcançar os países desenvolvidos nas próximas decadas.De certa forma se está doando para ser canibalizado tudo que foi produzido de importante com enorme esforço nesse setor. A Boeing oferece 4 a 5 bilhões de dólares pela empresa, mas quanto vamos perder? 20, 50, 500 bilhões? Quanto vale o futuro que deixaremos de ter? Facam suas apostas.
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