Edital da AEB Omite Áreas-Chave

Olá leitor!

Segue abaixo uma matéria postada na edição de novembro do “Jornal do SindCT”, destacando que Edital da Agência Espacial Brasileira (AEB) omite Áreas-Chave.

Duda Falcão

CIÊNCIA E TECNOLOGIA 2

CINCO EMPRESAS FORAM PRÉ-SELECIONADAS PARA ABSORVER NOVAS TECNOLOGIAS DA THALES ALENIA

Edital da AEB Omite Áreas-Chave

Edital 01/2015, por meio do qual a Agência Espacial Brasileira (AEB) distribuirá
para empresas do setor a quantia de R$ 53 milhões, deixou de incluir projetos
relacionados às áreas de controle de satélites, de desenvolvimento
de carga útil tipo radar e AOCS

Shirley Marciano
Jornal do SindCT
Edição nº 42
Novembro de 2015

Agência Espacial Brasileira (AEB), por meio do Edital 01/2015, realizou uma chamada pública para selecionar empresas brasileiras interessadas em receber subvenção econômica, no valor total de R$ 53 milhões, para desenvolver projetos que prevejam absorção de novas tecnologias ligadas a satélites junto à empresa franco-italiana Thales Alenia Space, que também é responsável pelo projeto e fabricação do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação (SGDC), adquirido pelo governo brasileiro por meio da empresa Visiona Tecnologia S.A., uma joint--venture entre a Embraer e a estatal Telebrás.

Na chamada são elencadas seis áreas de interesse para a transferência de tecnologia, a saber: Subsistema de Propulsão (R$ 11 milhões); Subsistema de Potência e Painéis Solares (R$ 5 milhões); Subsistema de Controle Térmico (R$2,2 milhões); Tecnologia de cargas úteis ópticas de observação da Terra (R$ 30 milhões); Estruturas mecânicas para cargas úteis de observação da Terra à base de fibra de carbono (R$ 4 milhões); e Tecnologia de componentes eletrônicos para aplicações embarcadas (R$ 800 mil).

São temas, na sua maioria, que pesquisadores e empresas brasileiras do setor no geral já dominam, como a fabricação de estruturas espaciais em material de carbono, controle térmico de satélites e cargas úteis ópticas para observação da Terra. Tal fato chamou atenção, em particular, porque outras áreas nas quais o país claramente carece de conhecimento —controle de satélites, desenvolvimento de carga útil tipo radar, desenvolvimento de subsistemas para uso em órbita geoestacionária etc. — não foram contempladas no Edital 01/2015, apesar de estarem previstas no termo de acordo de transferência de tecnologia assinado com a empresa Thales Alenia.

Petrônio Noronha de Souza, diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da AEB, explica que o termo de transferência de tecnologia acordado com a Thales Alenia prevê que tal transferência se dê em várias áreas de interesse do Brasil, para diferentes missões e tipos de satélites, e não apenas tecnologias relacionadas a satélites geoestacionários de comunicação.

Foto: FAPESP
Petrônio Noronha de Souza, da AEB

“O conjunto de tecnologias oferecidas pela proposta da empresa Thales Alenia Space inclui tanto um tópico para transpônderes [utilizados em satélites de comunicação], quanto outro para câmeras. Por motivos estratégicos associados às necessidades do Programa Espacial Brasileiro (PEB), optou-se pelo tópico de câmeras neste Edital de Subvenção Econômica. Esta decisão não exclui, nos próximos editais, os demais tópicos da lista de tecnologias passíveis de transferência”, sustenta Noronha.

Cargas Ópticas

Sabe-se que atualmente uma das maiores carências em termos de tecnologias associadas a satélites no Brasil está no chamado Subsistema de Controle de Atitude e Órbita (AOCS, na sigla em inglês), o qual já vem sendo estudado e desenvolvido no país, mas não ainda a ponto de ser implementado em missões operacionais de satélites. Trata-se de uma tecnologia sensível, de uso tanto em satélites como em aviões e mísseis, o que torna ainda mais difícil sua obtenção por mecanismos de transferência de tecnologia entre países.

No entanto, embora o AOCS figure no rol de tecnologias passíveis de transferência junto à empresa Thales Alenia, ela não constou do edital lançado pela AEB. Questionada sobre a ausência desta importante área, a Agência resumiu-se a afirmar que, “por questões de discricionariedade da Administração, este tópico será considerado como opção para uma futura reedição do Edital”.

O resultado preliminar da seleção dos projetos apresentados pelas várias empresas já foi publicado pela AEB, sendo que a publicação do resultado definitivo está prevista para final de novembro. Como já era esperado, em virtude da existência de poucas empresas nacionais especializadas nas várias áreas previstas no edital, foram selecionadas algumas que historicamente já vêm fornecendo equipamentos aos programas do Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), em particular para os satélites CBERS e Amazonia-1.

Foram selecionadas nesta etapa preliminar as empresas Fibraforte, Orbital Engenharia, Equatorial Sistemas, CENIC e AEL Sistemas. Chamou atenção o fato de não ter sido escolhida nenhuma empresa ligada à área de cargas úteis ópticas para observação da Terra, já que, além de ser uma área complexa e de alta tecnologia embarcada, para a qual o edital reservou a maior parte dos recursos (R$ 30 milhões), o país conta com empresas com experiência, como a Opto Eletrônica, de São Carlos, que obteve êxito no desenvolvimento da Câmera Mux, atualmente em operação a bordo do CBERS-4, satélite desenvolvido em parceria entre Brasil e China.

As empresas pré-selecionadas são as principais fornecedoras de equipamentos para os satélites desenvolvidos pelo INPE nas últimas décadas. Por serem praticamente as únicas com experiência nas diferentes áreas previstas no edital de subvenção da AEB, a concorrência pelos recursos ofertados foi certamente baixa, sendo que a escolha já era tida como certa pelos profissionais que atuam no setor. Tal previsibilidade na seleção das empresas decorre do ainda restrito parque industrial privado que serve ao programa espacial.

“Consciência”

Como estas empresas se mantêm fundamentalmente com base nas parcas e inconstantes encomendas governamentais, não há dúvida de que tal edital acaba servindo principalmente como forma de ajuda financeira num período em que o programa espacial está carente de novos projetos e, por consequência, de novas encomendas.

“O número reduzido de empresas de nossa base industrial não é um mal e nem um bem em si, reflete apenas o tamanho de nosso programa espacial e de sua enorme dependência do declinante poder de compra do Estado brasileiro. Por outro lado, se não colocarmos contratos para a indústria espacial, alegando a baixa concorrência, apenas pioraremos a situação atual, pois nossa omissão provocará um declínio ainda maior das empresas existentes”, reconhece em nota a AEB.

Questionado sobre se o edital não estaria favorecendo uma possível concentração das poucas empresas que atuam na área espacial, Noronha rebate: “A intenção da AEB não é, nem nunca foi, a de criar monopólios do conhecimento. A AEB tem consciência das limitações de nossa base industrial, e da situação de virtual monopólio em certas áreas. A questão é que, pior que um monopólio, somente a inexistência de oferta pela falta de empresa (s) capacitada (s) no mercado. Mais ainda, uma avaliação história realista mostrará que as empresas da base industrial espacial brasileira sempre pagaram um alto preço por atuar neste mercado, em virtude da forte dependência das encomendas públicas”

A minuta de contrato contida no edital não estabelece qualquer sanção às empresas selecionadas caso os produtos que vierem a ser desenvolvidos no âmbito de seus respectivos planos de trabalho venham a falhar ou não ser qualificados. Ou seja, desde que cumpram as contrapartidas contratuais, os recursos recebidos no âmbito destas atividades podem ser considerados a fundo perdido, já que não será exigido um produto ao final, e nem mesmo a certeza de que a empresa tenha assimilado a tecnologia que lhe foi transferida.

“O processo de transferência de tecnologia perseguido neste edital não é de autossuficiência, até pelo fato de ser esse um conceito abstrato, de difícil aferição. O que se busca é capacitar empresas nacionais em nichos específicos de tecnologia espacial”, acrescenta Noronha. “O sucesso resultará mais de um trabalho continuado das partes envolvidas, que de cláusulas contratuais que tentem mensurar e impor níveis de autossuficiência, para punir no caso de não atingimento”.


Fonte: Jornal do SindCT - Edição 42ª - Novembro de 2015

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