O Espaço Entre Colisões e Lixo
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski ontem (03/08) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
O Espaço Entre
Colisões e Lixo
José Monserrat
Filho *
“O espaço,
portanto, tornou-se mercadoria universal por excelência.
” Milton Santos, Pensando o Espaço do
Homem, Edusp, 2012 [1982], p. 30.1
É hora de criar
diretrizes internacionais para regular o tráfego nas órbitas da Terra, diz o
presidente da Associação da Indústria de satélites da Rússia, Tom Stroup,
falando à Rádio Sputnik, de Moscou. O número de satélites ativos aumentou em
40% nos últimos cinco anos, lembra ele, com base em artigo do Washington Post.
Hoje, há cerca de 1.400 deles em operação.
Mas o problema
não são os satélites de hoje, são os de amanhã, alerta Stroup. Os chineses
creem que até 2020 serão lançados mil novos satélites, dos quais eles esperam
deter 10%. Recentemente, a empresa canadense MDA venceu a concorrência para
produzir componentes de antenas de comunicação destinadas a 900 satélites de
baixas órbitas a serem lançados em 2019, compondo uma constelação dedicada a
prestar serviços de comunicação em banda larga (Internet) em todo o mundo.
Stroup tem estimativas ainda maiores: “Há constelações em potencial com bem
mais de 5.000 satélites adicionais já anunciados”. Isso inclui a torrente de
pequenos satélites de vários tamanhos. Ou seja, deve chover satélites, como
jamais se viu em 60 anos de Era Espacial.
Mais satélites em
órbita significa mais perigo de colisões no espaço – entre eles e com o lixo
espacial já existente, produzindo mais lixo ainda nas principais órbitas da
Terra. Aí se incluem objetos naturais que voam soltos no espaço e também podem
causar choques danosos aos satélites.
Daí a proposta de
Stroup de se criar um sistema global para regular a colocação e o uso de
satélites em diferentes órbitas. Tal sistema, a seu ver, “reduziria dramaticamente
os riscos físicos de acidentes no espaço, visando em especial a rápida expansão
do mercado de comunicação”.
Mas quem criaria
essa regulamentação? Seria um instrumento voluntário (soft law) ou obrigatório
(hard law)? De um modo ou de outro, nenhum país em particular tem competência
legal para criar uma regulamentação internacional. Toda legislação nacional só
é válida na jurisdição nacional e não pode ser aplicada na jurisdição
internacional. Estabelecer uma legislação internacional é direito exclusivo das
organizações internacionais intergovernamentais. É prerrogativa conjunta dos
Estados soberanos legalmente comprometidos com a matéria em questão. Quem tem
legislado sobre as questões espaciais básicas é a Organização das Nações Unidas
(ONU).
Não está na
jurisdição dos Estados Unidos (EUA) a adoção de normas gerais sobre o espaço e
as atividades espaciais, frisou o próprio Stroup. O cinco tratados em vigor
sobre os temas espacias mais abrangentes – a começar pelo Tratado do Espaço de
1967, a lei maior do espaço – foram discutidos, elaborados e aprovados pelo
Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (UNCOPUOS) e depois pela
Assembleia Geral da ONU. Os programas e projetos nacionais criados
individualmente pelos países tem vigência em seus territórios e devem,
obrigatoriamente, obedecer aos princípios e normas dos tratados internacionais
por eles ratificados.
O Congresso
Nacional dos EUA discute como dar ao país a jurisdição necessária para
habilitá-lo a regular a questão das colisões espaciais e para definir a
entidade encarregada de criar a regulamentação pertinente. Se tal medida for
admitida por deputados e senadores norte-americanos, eles estarão mudando
importantes regras jurídicas internacionais hoje vigentes. Seria como reiterar
a lógica inaceitável da lei que outorga às empresas norte-americanas o direito
de propriedade sobre as riquezas minerais e outros recursos naturais por elas
extraídos de asteroides e demais corpos celestes (HR 2262)2, sancionada pelo
Presidente Barack Obama em 25 de novembro de 2015 – uma lei nacional para
regular um assunto internacional. Essa aberração jurídica tende a se confirmar
agora na medida em que se cogita designar a Administração Federal da Aviação
dos EUA (Federal Aviation Administraion – FAA) para elaborar o novo instrumento
e zelar por sua aplicação.
Ocorre que as
regras de trânsito espacial, frisa Stroup, precisam ser criadas sobretudo para
reduzir a ameaça de prejudicar o negócio dos satélites, cujo número é cada vez
maior, em vista do avanço dinâmico dos programas de satélites da Rússia, China,
Índia e inúmeros outros países.
Não queremos que
se crie um regime obrigatório só para as empresas americanas”, acrescenta
Stroup, pois “os custos da regulamentação e de seus obstáculos podem ser muito
altos”. Os EUA “podem decidir ir adiante e operá-la independente dos outros
países". Isso pode ser lesivo aos legítimos interesses de concorrência dos
demais países, que também lutam por novos mercados. "Seja qual for a
regulamentação a ser adotada, ela deve ser endossada por outras nações do
mundo", conclui ele.
Há ainda outra
questão, não menos relevante: o que deve vir primeiro, o marco legal para o
tráfego dos satélites ou as regras para reduzir o monturo crescente de lixo
espacial? Stroup não fala dessa escolha de Sofia. As duas iniciativas, ligadas
umbilicalmente, são urgentes. E caras, caríssimas. E decisivas para garantir a
sustentabilidade a longo prazo de atividades espaciais hoje indispensáveis a
todos os habitantes do nosso planeta. Quem pagará por essa segurança global?
*
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial
(SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial,
Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da
Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Milton
Almeida dos Santos (1926-2001), geógrafo brasileiro, graduado em direito, ativo
participante da renovação da geografia no Brasil nos anos 70, com importantes
pesquisas sobre urbanização nos países em desenvolvimento. Autor de um sem
número de livros, nos anos 90 projetou-se por seus trabalhos sobre
globalização; em 1994 ganhou o Prêmio Vautrin Lud, considerado o Nobel da
Geografia; em 2006 foi agraciado postumamente com o Prêmio Anísio Teixeira, da
Capes, que homenageia personalidades brasileiras com aportes relevantes para o
desenvolvimento da pesquisa e a formação de recursos humanos no país.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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