O Planeta Júpiter Pôs Mercúrio na Linha
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante matéria publicada na a
edição de julho de 2016 da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que segundo um estudo
recente de astrônomos brasileiros do Observatório Nacional (ON), em parceria
com um astrônomo checo do Instituto de Pesquisa do Sudoeste (EUA), "salto brusco" do planeta Júpiter há mais de 4
bilhões de anos teria empurrado o menor planeta do Sistema Solar (Mercúrio) para
sua órbita atual.
Duda Falcão
CIÊNCIA
Júpiter Pôs Mercúrio na Linha
“Salto” brusco do gigante gasoso há mais de 4 bilhões de
anos teria
empurrado o menor planeta do Sistema Solar para sua
órbita atual
IGOR ZOLNERKEVIC
Pesquisa FAPESP - ED. 245
Julho 2016
© NASA / JPL / USGS
Mercúrio: órbita alongada e inclinada teria sido causada
por
nteração gravitacional com Júpiter há 4 bilhões de anos.
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Entender as origens de Mercúrio, o menor planeta do
Sistema Solar, é um dos problemas em aberto da dinâmica planetária que mais
perturbam os especialistas. Sua minúscula massa, quase 20 vezes menor que a da
Terra, e singular órbita em torno do Sol, a mais alongada e inclinada de todos
os planetas do sistema, não conseguem ser explicadas pela maioria dos modelos
de formação planetária. Até meados dos anos 1990, a explicação mais aceita era
a de que todos os planetas do sistema solar teriam se formado mais ou menos na
mesma posição em que hoje se encontram. Com a descoberta confirmada, nos
últimos 20 anos, de quase 3 mil planetas em órbita de outras estrelas que não o
Sol, os chamados exoplanetas, compondo sistemas diferentes do solar, a condição
peculiar de Mercúrio se configura cada vez mais como uma exceção na galáxia – e
novas explicações sobre sua condição ganharam espaço.
Um trabalho recente dos cientistas planetários Fernando
Roig e Sandro Ricardo de Souza, do Observatório Nacional (ON), no Rio de
Janeiro, e do checo David Nesvorný, do Instituto de Pesquisa do Sudoeste, no
Colorado, Estados Unidos, defende uma nova hipótese para justificar a estranha
localização de Mercúrio, cuja órbita se encontra 7 graus inclinada em relação
ao plano orbital médio dos outros planetas. Baseados em simulações em computador
de como teria sido a dinâmica do Sistema Solar há mais de 4 bilhões de anos, os
pesquisadores sugerem que a órbita do planeta se alongou e inclinou demais em
razão de um grande evento. Em algum momento durante os primeiros 500 milhões de
anos do Sistema Solar, a interação gravitacional entre um hipotético planeta
gasoso e gigante, do tamanho de Urano, e Júpiter, também gasoso e gigante,
teria alterado as condições locais. O planeta desconhecido teria sido ejetado
do sistema e feito Júpiter se deslocar bruscamente em direção ao Sol. O “pulo”
de Júpiter teria empurrado Mercúrio para sua posição atual (ver infográfico).
Esse suposto evento é conhecido como Júpiter Saltitante.
Segundo essa teoria, o pulo de Júpiter teria sido capaz de dar origem à atual
órbita de Mercúrio e também garantir a estabilidade da trajetória de todos os
planetas rochosos, incluindo a Terra, em torno da estrela. “Parece um
contrassenso”, reconhece Roig, “mas tudo indica que os planetas gigantes
gasosos precisaram passar por uma fase de instabilidade para que os rochosos
permanecessem estáveis”. Nas simulações, o salto na órbita de Júpiter provocado
pela expulsão do planeta hipotético quase não altera as órbitas dos planetas
rochosos, com exceção de Mercúrio. Roig explica que, caso Júpiter tivesse
percorrido seu caminho mais lentamente em vez de ter dado um pulo na direção do
Sol, a órbita de Mercúrio poderia ter se tornado ainda mais alongada e
inclinada do que é hoje. Se isso tivesse ocorrido, Mercúrio poderia ter sido
ejetado do Sistema Solar ou colidido com seu vizinho, Vênus. Segundo o
astrofísico, tal choque provocaria um efeito em cascata que destruiria todos os
planetas rochosos. Júpiter precisou dar um pulo para que os planetas rochosos
sobrevivessem”, sugere Roig.
Há pouco mais de 20 anos, a maioria dos pesquisadores
acreditava que os planetas do Sistema Solar teriam se formado, grosso modo,
na mesma posição ocupada atualmente, por meio de um processo lento e suave de
acréscimo de gás e poeira. Esses modelos previam que outras estrelas deveriam
dar origem a sistemas planetários parecidos com o solar, com duas populações
distintas de planetas: os rochosos, de tamanho parecido com o da Terra,
próximos da estrela; e os gigantes gasosos, como Júpiter ou Saturno, mais
afastados. “A descoberta de exoplanetas mudou radicalmente essa ideia”, explica
Roig. “Vimos que há uma variedade de configurações planetárias muito diferentes
do nosso Sistema Solar.”
Análises estatísticas das características de todos os
sistemas de exoplanetas descobertos até hoje sugerem que estrelas parecidas com
o Sol tendem a ter sistemas planetários bem diferentes, muitos deles compostos
de planetas rochosos duas a três vezes maiores que a Terra, com órbitas mais
próximas de suas estrelas do que a de Mercúrio está do Sol. A órbita de
Júpiter, quase circular e bem afastada do Sol, também destoa do que é observado
em muitos sistemas exoplanetários.
Nuvem Primordial de Gás e Poeira
É consenso entre os astrônomos que o Sol e seus planetas
começaram a se formar há 4,6 bilhões de anos, quando uma nuvem gigantesca de
gás e poeira no espaço interestelar colapsou pela ação da força gravitacional
de sua própria massa. Havia então um núcleo esférico de gás, que deu origem ao
Sol, cercado por um disco de matéria a partir do qual tomaram corpo os planetas.
Os primeiros mundos a se formar teriam sido os gigantes gasosos, Júpiter,
Saturno, Urano e Netuno, e algumas dezenas de milhões de anos mais tarde os
planetas rochosos, Mercúrio, Venus, Terra e Marte. Alguns pesquisadores
especulam que Mercúrio teria se originado a partir dos fragmentos de uma
primeira geração de planetas rochosos maiores, com massas semelhantes à da
Terra, e mais próximos do Sol do que Mercúrio está atualmente.
O processo de formação dos gigantes gasosos teria durado
menos de 10 milhões de anos. Nessa época ainda havia no espaço entre os
planetas uma quantidade razoável de gás remanescente da matéria do disco a
partir do qual eles se originaram. O arrasto do gás fez com que os planetas
tendessem a migrar para perto do Sol. Em algum momento, porém, a atração
gravitacional mútua entre Júpiter e Saturno teria invertido o sentido de
migração dos dois gigantes gasosos, afastando-os do Sol. Esse movimento de ida
e volta dos gigantes gasosos é chamado pelos pesquisadores de grand tack,
uma alusão a uma manobra dos barcos a vela, o tacking, quando seu curso
é revertido em relação à direção do vento. Logo após o grand tack, os
planetas rochosos atuais já teriam se formado ou estariam perto de se formar
mais ou menos em suas posições atuais.
As órbitas dos gigantes gasosos deviam ser bem
diferentes. Júpiter estaria um pouco mais afastado do Sol do que está
atualmente, enquanto os demais gigantes gasosos estariam muito mais próximos de
Júpiter e uns dos outros. É possível que os gigantes gasosos tenham permanecido
nessa configuração mais compacta que a atual por até 500 milhões de anos. Muito
próximos, porém, eles deveriam ser constantemente perturbados pela força
gravitacional uns dos outros. Além disso, esses planetas poderiam sofrer,
ainda, com a presença de muitos corpos menos massivos – planetesimais – no meio
de suas órbitas.
Os gigantes foram se livrando desses planetesimais aos
poucos, empurrando-os em direção aos confins do Sistema Solar, onde hoje se
encontram o chamado cinturão de Kuiper, cujo corpo mais famoso é Plutão, e a
nuvem de Oort. Em 2005, os astrônomos Hal Levison, Alessandro Morbidelli,
Kleomentis Tsiganis e Rodney Gomes, este último também pesquisador do ON,
apresentaram simulações em computador mostrando como, a partir dessa situação
inicial instável, os gigantes gasosos teriam lentamente se afastado uns dos
outros, migrando durante alguns milhões de anos até suas posições atuais.
Conhecida como modelo de Nice, por ter sido criada quando
seus autores trabalhavam juntos no Observatório da Costa Azul, na cidade
francesa, a teoria ganhou destaque por explicar a arquitetura atual dos
planetas gigantes. Em 2009, porém, o astrônomo holandês Ramon Brasser notou que
a lenta migração dos gigantes gasosos prevista pelo modelo de Nice teria uma
grande chance de ter provocado uma série de colisões planetárias. A
movimentação dos gigantes gasosos poderia ter resultado na expulsão de um deles
– normalmente Urano – do Sistema Solar.
Para resolver essa inconsistência, o astrônomo David
Nesvorný, do Instituto de Pesquisa do Sudoeste, que atualmente colabora com
Roig como pesquisador visitante no ON, propôs, em 2011, que o Sistema Solar
teria tido um quinto planeta gigante gasoso, de tamanho semelhante ao de Urano
ou Netuno. Nesvorný calculou que a ejeção desse planeta hipotético teria feito
com que a distância da órbita de Júpiter ao Sol passasse de 5,5 vezes a
distância da Terra ao Sol para 5,2 vezes em menos de 100 mil anos. “Na escala
de tempo de formação do Sistema Solar, essa mudança de órbita teria ocorrido em
um tempo muito curto. Por isso a descrevemos como um salto de Júpiter”, explica
Roig. “O modelo de Nice funciona bem para explicar os gigantes gasosos, mas
logo se percebeu que a migração suave dos gigantes prevista por essa teoria dificultaria
a formação dos planetas rochosos”, justifica o astrônomo Othon Winter,
especialista em dinâmica planetária da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus
de Guaratinguetá. “Até agora, o Júpiter Saltitante é a única solução que se
conhece para esse problema.”
Mundos Errantes
Em colaboração com outros pesquisadores, incluindo o
astrônomo Valerio Carruba, da Unesp, Roig e Nesvorný indicaram recentemente que
o cenário do Júpiter Saltitante também poderia explicar algumas características
do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter. O resultado das simulações
publicadas em março na revista Icarus oferece uma explicação de por que
os astrônomos não conseguem observar no cinturão as evidências de grandes
colisões anteriores a 4 bilhões de anos entre asteroides. No artigo, os autores
afirmam que a presença do hipotético quinto gigante, e sua posterior expulsão
do sistema, teria embaralhado as órbitas dos asteroides a ponto de apagar
qualquer evidência desses choques.
A ideia de que um planeta gigante gasoso escapou do
Sistema Solar e se desgarrou de sua estrela não é tão maluca quanto parece.
Roig lembra que astrônomos já observaram efeitos de lente gravitacional na luz
de estrelas que podem ser atribuídos à passagem de planetas gigantes vagando
pelo espaço interestelar. Alguns pesquisadores estimam que haja milhares de
mundos errantes na Via Láctea. “Não existe maneira de esses corpos se formarem
longe de estrelas”, explica Roig. “Eles devem ter surgido em um sistema
planetário e depois foram ejetados.”
Projeto
Famílias de asteroides em ressonâncias seculares (nº 2014/06762-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa –
Regular; Pesquisador responsável Valerio Carruba (Unesp); Investimento
R$ 31.200,00.
Artigos científicos
ROIG, F. et al. Jumping
Jupiter can explain Mercury’s orbit. Astrophysical Journal Letters. v. 820,
n. 2. 24 mar. 2016.
BRASIL, P. I. O. et al. Dynamical dispersal of primordial asteroid families. Icarus.
v. 266, p. 142-151, 1º mar. 2016.
ROIG, F. & NESVORNÝ, D. The evolution
of asteroids in the jumping-Jupiter migration model. The Astrophysical Journal. v.
150, n. 6. 1º dez. 2015.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 245 - Julho de
2016
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