Como Tratar Uma Outra Humanidade?
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski ontem (30/08) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Como Tratar Uma Outra Humanidade?
“Infelizmente,
hoje, a espécie humana tem uma compreensão e uma avaliação
inadequadas do meio ambiente espacial, e esse
problema deve ser resolvido
antes que os
exploradores se estabeleçam na fronteira final.”
Mark Williamson, em Space: The Fragil Frontier,
2006, p. 25.(1)
José Monserrat Filho *
A ideia de partir da Terra à procura de nova
civilização, de nova humanidade, ou
dos já famosos e ainda duvidosos ETs (extra-terrestres) – mas em planeta
similar ao nosso – acaba de ganhar novo impulso e entusiasmo. Equipe
internacional de astrônomos anunciou, em 24 de agosto, a descoberta daquele
que pode ser o planeta mais parecido com a Terra até hoje
identificado.(2)
Girando em torno
da estrela Proxima Centauro, relativamente perto do nosso Sol, com temperatura
que varia entre 30º C e – 30º C, supõe-se que possa ter vida e, quem sabe, ser
habitável por assemelhados aos terráqueos. Batizado de “Proxima B”, é provável
que seja a estação central de futuras viagens interestelares, arrisca a
conceituada revista Nature, datada de 27 de agosto.(3)
"A busca por vida começa agora", disse à Nature o astrônomo Guillem
Anglada-Escudé, da Universidade Queen Mary de Londres e líder da equipe que
descobriu o “Proxima B”. Segundo a revista, esta é a primeira chance da
humanidade de explorar um mundo semelhante ao nosso. A distância média
entre a Terra e a Proxima Centauri, o sol da Proxima B é de 4,2 anos-luz (265,6
mil uA, unidade astronômica equivalente a 150 milhões de km), enquanto 1 uA é
em média a distância entre a Terra e o nosso Sol. O voo de uma sonda atual da
Terra até Proxima Centauri, se estivesse na direção correta, levaria algo em
torno de 74 mil anos.(4) O plano, para poupar tempo, é construir frotas de
pequenas sondas interestelares de propulsão a laser nas décadas vindouras.
Viajando a 20% da velocidade da luz, as minisondas chegariam lá em cerca de
apenas 20 anos.
Hoje, 4.500 estrelas são visíveis a olho nu, nos dois
hemisférios da Terra. É parte
ínfima dos incontáveis sóis existentes no universo. Na Via Láctea, três entre
quatro estrelas são anãs-vermelhas, com brilho tão tênue que não podem ser
vistas sem telescópio. A Proxima Centauri, a menos distante delas, tampouco é
visível no céu noturno. Mas é nas cercanias desses astros que os astrônomos
hoje presumem ser mais provável encontrar mundos habitáveis.
Precisamente no
sistema da nossa vizinha Proxima Centauri detectou-se o novo planeta, que
poderá nos dar uma boa noção da natureza e das expressões da vida no cosmos,
diferentes ou não das de nosso planeta ou do que seria imaginável tomando a
Terra como referência.
É a esperança –
agora renovada – de não estarmos sós no Universo.
Saber de outros seres no Universo, além de nós, vai
revirar nossas cabeças. Levantará
questões inusitadas, atordoantes e, ao mesmo tempo, animadoras para a
humanidade terrestre. Vejamos algumas. Estaremos em condições de nos
relacionar com seres diferentes de nós? Como lidar com outra civilização, com
outra humanidade, se ainda não conseguimos resolver problemas cruciais de toda
ordem que afligem nossa própria civilização? Em que bases políticas, éticas,
jurídicas, culturais e psicológicas poderá se dar esse relacionamento?
Haverá que conhecer rápida e profundamente com quem
estamos tratando. O intercâmbio de
informações com outras civilizações poderá enriquecer a nossa.(5) Quem de nós
fará contato com os novos seres? Quem representará a nossa humanidade e falará
em seu nome nos encontros iniciais? Os cientistas? Os centros de pesquisa? Os
governos nacionais? Qual será o papel das Nações Unidas (ONU) e das outras
organizações internacionais intergovernamentais? E o das grandes potências,
sobretudo aquelas poucas com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU? E
o das organizações e empresas internacionais privadas?
Digamos que a espécie contatada está num alto estágio
de desenvolvimento. Se for mais
inteligente, criativa e amadurecida que nós, pode acabar criticando nosso modo
irracional de viver, produzir e consumir, sobretudo os recursos naturais cada
vez mais escassos do nosso planeta, destruindo suas fontes de sobrevivência;
pode classificá-lo como péssimo exemplo para o Universo e recomendar imediata
mudança de rumo. Como reagiremos? Aceitando a crítica e ouvindo sua experiência
a respeito, ou rejeitando-a como intromissão indevida em nossos assuntos
internos?
E se indagar como aguentamos tanta acumulação de renda
e desigualdade social(6), o que
dizer, meu Deus? Que isso é normal, que é melhor assim? Tomara não queira saber
também quem é esse tal de Mercado sem sobrenome, que manda e desmanda nos principais
setores da economia global, nem pedir para conhecê-lo pessoalmente e perguntar
sobre suas origens, seu curriculum vitae, suas principais realizações, tentando
entender como chegou a um poder tão assustador e incontrolável. Como contar-lhe
que o senhor Mercado é servidor abstrato, competente e abnegado de uma pequena
elite globalizada, riquíssima e ambiciosa?
A Carta da ONU, base do Direito Internacional,
facilitará os entendimentos. Seus
princípios, reunidos no Artigo 2, com certeza despertarão respeito e admiração:
igualdade soberana de todos os países; cumprimento, em boa fé, das obrigações
legalmente assumidas; solução exclusivamente pacífica das controvérsias que
ameacem a paz, a segurança e a justiça em todo o mundo; não-uso da força, nem ameaça
de uso da força contra qualquer Estado (proibição da guerra); assistência às
missões de paz da ONU e não-ajuda aos países contra quem a ONU atue de modo
preventivo ou coercitivo; não-intervenção nos assuntos internos dos países,
salvo se agredirem outros países, segundo avaliação do Conselho de Segurança.
Mas teremos que explicar à nova espécie por que, por exemplo, o Conselho de
Segurança mantém sua velha e obsoleta composição de 70 anos atrás e continua
impotente para prevenir e impedir as guerras, tão comuns e habituais hoje em
dia, e garantir a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável para todos
os países e povos. E igualmente por que seguimos mantendo e modernizando os
arsenais nucleares, que contam hoje com 15.850 ogivas, quando algumas já bastam
para arrasar o planeta.
Também o Direito Espacial Internacional da Terra pode
agradar os forasteiros. O Tratado
do Espaço de 1967 – o código maior do espaço e das atividades espaciais, hoje
ratificado por 104 países e assinado por 25 outros – já em seu Artigo I, § 1,
reza que “a exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais
corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países,
qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e
são incumbência de toda a humanidade”. O espaço, portanto, não é de ninguém. É
de todos e está aberto a todos, sem exceções.
Essa é a Cláusula do Bem Comum, pela qual o espaço e as atividades nele
exercidas devem beneficiar a totalidade dos países, sem qualquer discriminação,
como domínio (province) de toda a humanidade. A Cláusula é completada e
reforçada pelo Artigo 2, que determina: “O espaço cósmico, inclusive a Lua e
demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por
proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”
Obviamente, não se pode permitir a apropriação de um lugar que deve ser
acessível a todos.
O princípio da não-apropriação do espaço, fechado a
brechas e lacunas, vale não só para
os Estados, mas também para as corporações privadas – que, queiram ou não, são
dependentes do governo e das leis nacionais de seus Estados-sede, não adianta
espernear –, muito embora usem seu imenso poder global a fim de pressionar cada
vez mais para fazer o que bem entendem, livres de Estados, governos, princípios
éticos e legislações.
Mas então será preciso informar aos novos seres que o Direito Espacial ainda está longe de
tornar ilegal: I) a guerra no espaço, cuja preparação está hoje em pleno
andamento; e II) a extração de minerais e recursos naturais dos
asteroides e outros corpos celestes por empresas privadas, já sancionada em lei
nacional pelo governo da maior potência do planeta, os EUA.
São ações capazes
de afetar irreversivelmente tanto o espaço exterior, quanto direitos
fundamentais e interesses legítimos de todos os povos.
E se os novos seres decidirem ir embora, prometendo
voltar numa época mais propícia ao diálogo e a relações mútuas mais seguras e
confiáveis? Não estarão apenas
refletindo a crise geral, a raquítica governança global, o desmobilização e a
desesperança que reinam aqui na Terra?
O Papa Francisco
tem razão: “Precisamos de nova solidariedade universal.”(7) E esse “universal”
precisaria ser abrangente, incluindo mais de uma humanidade.
* Vice-Presidente
da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria
Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da
Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Mark
Williamson, jornalista inglês de ciência e tecnologia espaciais, consultante de
programas de tecnologia espacial, autor de mais de 350 artigos sobre a matéria.
Seu livro Space: The Fragile Frontier (Espaço: A Frágil Fronteira), publicado
em 2006 pelo Instituto Americano de Aeronáutica e Astronáutica (AIAA, na sigla
em inglês).
2) Nogueira,
Salvador, Cientistas acham planeta que pode ser habitável em sistema vizinho,
Folha de S. Paulo, Cotidiano, 25 de agosto de 2016, p. 4.
3) Artigo de
Alexandra Witze “Earth-sized planet around nearby star is astronomy dream come
true” (Planeta do tamanho da Terra girando em torno de estrela próxima é sonho
astronômico que se torna realidade). Ver www.nature.com/news/earth-sized-planet-around-nearby-star-is-astronomy-dream-come-true-1.20445.
4) Cálculo de
Salvador Nogueira; ver artigo citado no ponto 1.
5) Vakoch, Douglas A. (Ed.), Extraterrestrial
Altruism – Evolution and Ethics in the Cosmos, Springer-Verlag Berlin
Heidelberg, 2014, p. IX.
6) Stiglitz,
Joseph E., O grande abismo – Sociedades desiguais e o que podemos fazer sobre
isso, Rio de Janeiro, RJ: Alta Book, 2016. O autor é Prêmio Nobel de Economia
de 2001.
7) Papa
Francisco, Carta Encíclica LAUDATO SI' – Sobre o Cuidado da Casa Comum, São
Paulo: Editora Paulinas, 2015, p. 14.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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