Estudo de Estrelas de Formato Exótico Ajuda a Entender a Formação do Sistema Solar
Olá leitor!
Segue abaixo uma nota publicada ontem (21/09) no site da Agência FAPESP, destacando que estudo
de estrelas de formato exótico ajuda a entender a formação do Sistema Solar.
Duda Falcão
Notícias
Estudo de Estrelas de Formato Exótico Ajuda
a Entender a
Formação do Sistema Solar
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
21 de setembro de 2015
(Imagem: Daniel Moser Faes)
As estrelas do
tipo Be são objetos tão estranhos que até astrofísicos profissionais se
surpreendem com sua descrição. No entanto, essas estrelas são muitos comuns em
nossa galáxia, e há várias delas bem próximas do Sistema Solar, a distâncias da
ordem de 100 anos-luz – o que, em escalas astronômicas, é quase nada.
Além da
importância intrínseca que possui, o estudo das estrelas Be atende a mais um
objetivo: é que esse tipo de astro possui, ao seu redor, um disco de plasma
(átomos, íons positivos e elétrons) que, embora seja incapaz de formar
planetas, pode ser descrito pelos mesmos princípios físicos que regem os discos
protoplanetários, como aquele que deu origem ao nosso Sistema Solar.
A pesquisa
“Probing the physical characteristics of the disks surrounding Be stars” reuniu
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da University of Western
Ontario (UWO), do Canadá, com o objetivo de modelar o disco de plasma das
estrelas Be. O projeto recebeu apoio da
FAPESP.
O artigo que
melhor ilustra os resultados alcançados pela pesquisa foi aceito recentemente
para publicação pela revista Astronomy & Astrophysics e deverá vir a
público com o título “Multi-technique testing of the viscous decretion disk
model. I. The stable and tenuous disk of the late-type Be star β CMi”.
“Como essas
estrelas giram muito rapidamente, o material da superfície do equador estelar
fica fracamente ligado, em termos gravitacionais, à estrela e acaba sendo
ejetado. Esse material aglomera-se no plano equatorial, formando o disco que
estudamos em colaboração com os colegas canadenses”, disse, à Agência FAPESP, o
astrônomo Alex Cavaliéri Carciofi, professor do Departamento de Astronomia do
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
Carciofi foi o
pesquisador responsável pelo projeto e um dos signatários do artigo (a
pesquisadora responsável no exterior foi Carol Evelyn Jones, da UWO).
Estrela Oblata
Antes de
explorar as características do disco, é preciso saber um pouco sobre as
estrelas Be e o que as torna tão peculiares. “As estrelas de tipo Be são muito
massivas. Algumas chegam a ter massas equivalentes a 15 ou 20 vezes a massa do
Sol. Além disso, possuem períodos de rotação extremamente rápidos. Devido à
alta rotação, a Be perde a forma esférica e se torna rombuda [o termo técnico é
“oblata”]. Sua forma fica tão achatada que a distância do equador estelar ao
centro da estrela pode superar em 50% a distância de cada um dos polos
estelares ao centro”, descreveu o pesquisador.
Uma
decorrência da alta rotação e da consequente deformação da estrela é a grande
diferença de temperatura entre os polos estelares e o equador. Enquanto a
temperatura dos polos pode chegar a 30 mil graus, a temperatura do equador é da
ordem de 10 mil graus, ou até menos. Comparativamente, a temperatura da
superfície do Sol é estimada em 6 mil graus [no núcleo do Sol, onde ocorre o
processo de fusão nuclear que transforma hidrogênio em hélio e gera a energia
de nossa estrela, a temperatura alcança o patamar de 15 milhões de graus].
“Uma possível
explicação para essa marcante diferença de temperatura é que o transporte de
energia do núcleo para os polos se dá por meio de radiação, enquanto que o
transporte de energia para o equador ocorra por meio de convecção. Isso
decorreria da mudança das características internas da estrela devido à alta
rotação”, conjecturou Carciofi. Por efeito da diferença de temperatura, os
polos são muito mais brilhantes do que o equador.
De qualquer
modo, a estrela em seu conjunto é extremamente brilhante, porque, devido à alta
massa, o processo de fusão nuclear ocorre com grande intensidade em seu
interior. Em função disso, as Be têm ciclos de vida muito curtos, da ordem de
milhões de anos, enquanto uma estrela longeva como o Sol é capaz de alcançar a
idade de 10 bilhões de anos – mil vezes mais longa.
Braços Espirais
da Galáxia
O fato de
serem tão jovens explica por que há tantas Be próximas do Sol. É que as
estrelas novas se formam principalmente nos braços espirais da Galáxia, em um
dos quais o Sol e seu sistema planetário estão imersos.
Estrelas
massivas como as Be evoluem, regra geral, para eventos catastróficos,
explodindo como supernovas, ejetando formidável quantidade de matéria para o
espaço exterior, e colapsando finalmente como buracos negros.
Mas, bem antes
desse final espetacular, as Be formam seus discos de plasma, que podem se
estender a distâncias comparáveis à da órbita da Terra ou até mesmo à da órbita
de Marte.
Sendo formados
de material ejetado pelas estrelas, os discos são compostos pelos mesmos
elementos que as constituem: basicamente hidrogênio e hélio, com quantidades
bem menores de carbono, nitrogênio, oxigênio e ferro. Devido à irradiação das
estrelas Be, os discos alcançam temperaturas muito elevadas, de 10 mil a 20 mil
graus, e também passam a emitir luz.
“Suas
densidades são altas comparativamente aos parâmetros astrofísicos. No entanto,
são mais baixas do que o mais extremo vácuo que pode ser produzido em
laboratório na Terra. Isso porque a nossa atmosfera é ultradensa em termos
astronômicos. Como seria de esperar, a densidade dos discos decai
expressivamente, da região contígua à estrela à borda exterior”, informou
Carciofi.
A pesquisa por
ele coordenada objetivou compreender a formação, a estrutura e a dinâmica do
disco, bem como seu ciclo de vida. “Estudamos o disco desde o ponto de vista
hidrodinâmico, usando a teoria dos fluidos para saber como ele se forma e se
organiza em torno da estrela. Também estudamos como a radiação da estrela
penetra o disco, transformando o gás em um plasma, que, por ficar muito
aquecido, passa a emitir luz própria”, disse.
Modelos
Numéricos Complexos
O estudo
envolveu uma física bastante sofisticada e modelos numéricos complexos.
“Utilizamos intensamente o Laboratório de Astroinformática (LAi), que faz parte
do rol de Equipamentos Multiusuários (EMU) financiados pela FAPESP. E
recorremos especialmente ao principal equipamento do LAi, o cluster
computacional Alphacrucis, que possui 2.304 núcleos de processamento
funcionando de forma integrada”, relatou o pesquisador.
“Por meio de
técnicas de espectroscopia, interferometria e polarimetria, podemos detectar a
presença do disco em uma dada estrela, estudar suas características e comparar
as observações com as previsões teóricas, verificando dessa forma quão boas ou
ruins são as teorias vigentes”, prosseguiu.
Um grande
passo na compreensão dos discos das estrelas Be fora dado por uma equipe de
pesquisadores japoneses no início dos anos 1990 [Lee, U., Osaki, Y., &
Saio, H. (1991) Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, vol. 250, p.
432]. Segundo o modelo proposto na época, uma vez excretado da estrela, o
material constituinte do disco seria empurrado para fora por forças viscosas. A
pesquisa brasileiro-canadense partiu do ponto em que os japoneses haviam
chegado.
“Entendemos
que o modelo proposto era suficientemente simples para que pudéssemos fazer
previsões com base nele. Escolhemos, então, estrelas Be para as quais já havia
um grande número de observações. E fizemos previsões relacionadas com a
hidrodinâmica dos discos, bem como sobre a abrangência do modelo, testando se
ele era capaz de explicar tudo o que diziam as observações”, detalhou Carciofi.
Segundo o
pesquisador, os resultados foram empolgantes. A partir do modelo original, foi
desenvolvido um novo modelo, bem mais sofisticado, o “modelo de disco de
decréscimo viscoso” [viscous decretion disk model]. “Quanto mais avançamos
na comparação das observações com esse modelo, mais ele se mostrou consistente
para explicar a estruturação dos discos. Além disso, a parceria possibilitou
que os modelos numéricos que desenvolvemos na USP fossem disponibilizados para
os colegas canadenses”, afirmou.
Os processos
viscosos estão presentes em vários sistemas astrofísicos. A formação de
planetas, por exemplo, ocorre em discos viscosos. Mas, neste caso, os discos
envolvidos são ditos de acréscimo, pois neles a matéria que forma a estrela e os
planetas flui de fora para dentro [isto é, da periferia para um ponto central].
No caso das estrelas Be, a matéria flui em sentido contrário: de dentro para
fora [isto é, da superfície da estrela para a borda exterior].
“Os discos
protoplanetários e os discos de estrelas Be são ambos keplerianos [isto é, a
matéria se movimenta neles de acordo com as leis de Kepler (1571 – 1630)] e
ambos viscosos. Por isso, o ferramental físico desenvolvido para os discos de
estrelas Be também pode ser utilizado na descrição dos discos protoplanetários.
Daí a grande utilidade de investigar em profundidade os discos de estrelas Be.
Os discos protoplanetários são muito mais difíceis de serem estudados porque em
geral estão mais distantes e obscurecidos por um material interestelar denso,
além de possuírem uma constituição química muito mais complexa. Em
contrapartida, é bem mais fácil estudar discos de estrelas Be, que estão
próximos e são bem mais simples do ponto de vista químico”, comentou Carciofi.
Fonte: Site da Agência FAPESP
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