Pesquisa Teórica de Brasileiros Prevê “Despertar” do Vácuo Com Efeitos Macroscópicos
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo postado dia (16/04) no site da “Agência
FAPESP” destacando que pesquisa teórica coordenada
por pesquisadores brasileiros prevê “despertar” do vácuo com efeitos
macroscópicos.
Duda Falcão
Especiais
Pesquisa Teórica
Prevê “Despertar”
do Vácuo Com Efeitos Macroscópicos
Por José Tadeu Arantes
16/04/2014
(ilustração de
uma colisão de
estrelas de
nêutrons: NASA)
Modelo, proposto por brasileiros em 2010, vem
recebendo
sucessivos aperfeiçoamentos e poderá
contribuir para uma explicação da “energia
escura”
|
Agência FAPESP –
O vácuo, para os físicos, é muito diferente daquele concebido pelo senso comum.
O espaço vazio possui estrutura e
apresenta intensa atividade, na forma de flutuações quânticas, que
se explicitam por meio da produção e do aniquilamento de partículas virtuais. Tal
concepção, que decorre diretamente da teoria quântica, é bastante familiar para
os cientistas da área. E uma das consequências das flutuações do vácuo, o
Efeito Casimir, já foi, inclusive, observada e mensurada em laboratório (veja o quadro 1: O Efeito Casimir).
A novidade é
que há uma possibilidade teórica de que essas flutuações, antes consideradas
muito pequenas para exercer qualquer efeito macroscópico, possam ser
amplificadas ao ponto de sua energia exceder a energia dos corpos materiais e
produzir resultados como a destruição de uma estrela, por exemplo.
A
descoberta, realizada a partir de uma abordagem puramente matemática da teoria
e ainda sem comprovação observacional, é um dos principais saldos do projeto
temático recém-concluído “Física em espaços-tempos curvos”, coordenado por
George Emanuel Avraam Matsas, professor titular do Instituto de Física Teórica
da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp), e apoiado pela FAPESP.
“Bem no meio
do período de vigência do projeto, por volta de 2010, Daniel Augusto Turolla
Vanzella, professor doutor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade
de São Paulo (IFSC-USP), e William Couto Corrêa de Lima, na época seu aluno de
doutorado, descobriram que, se existir uma certa classe de campos quânticos, a
densidade da energia de vácuo desses campos crescerá exponencialmente nas
vizinhanças de um corpo material muito denso”, disse Matsas à Agência FAPESP.
O trabalho
de Vanzella e de Lima foi publicado na Physical Review Letters, com o
título Gravity-Induced
Vacuum Dominance e estabeleceu as bases desse processo de
forma tão geral que tornava possível a aplicação de tal conhecimento em várias
área de investigação científica, como cosmologia, astrofísica etc.
“Posteriormente,
eu me juntei aos dois, quando aplicamos esse efeito no caso particular de um
campo gravitacional criado por uma estrela de nêutrons. Isso nos permitiu
entender o fenômeno com maior clareza”, acrescentou Matsas. Um novo artigo, Awaking the Vacuum in Relativistic Stars, desta vez
assinado por Lima, Matsas e Vanzella, foi publicado na Physical Review
Letters em seguida.
Estrela de Nêutrons
São
conhecidas atualmente cerca de 2 mil estrelas de nêutrons na Via Láctea (a
galáxia da qual o Sistema Solar faz parte) e nas Nuvens de Magalhães (que são
duas galáxias próximas da nossa). Elas consistem em objetos extremamente
densos, com massas superiores a uma vez e meia a massa solar, comprimidas em
corpos esféricos com raios de apenas algumas dezenas quilômetros. Seus campos
gravitacionais são tão intensos que curvam fortemente o espaço-tempo
nas regiões em que se encontram, conforme a predição da teoria geral de
relatividade. É esse encurvamento que perturba o vazio quântico, fazendo
com que a densidade da energia de vácuo cresça de forma exponencial.
“Se
existisse o campo hipotético no qual baseamos nosso modelo, quando a estrela de
nêutrons se tornasse suficientemente densa as flutuações do vazio cresceriam
tanto que, em pouquíssimo tempo, haveria, ponto a ponto, mais energia de vácuo
do que energia da própria estrela. E essa energia do vazio curvaria ainda mais
o espaço-tempo,
podendo, no limite, levar à destruição da estrela”, afirmou Matsas.
Por que a
deformação do espaço-tempo amplifica as flutuações do vácuo, a ponto de elas
produzirem efeitos macroscópicos e até mesmo catastróficos? “Não temos uma boa
resposta e acredito que ninguém a tenha”, respondeu Vanzella. “Se houvesse uma
maneira intuitiva de entender esse efeito, outras pessoas teriam antecipado sua
descoberta há anos. Quando a gente faz as contas, o efeito aparece. Foi um
tratamento estritamente matemático das equações que nos levou a descobrir essa
possibilidade teórica”, prosseguiu.
O
pesquisador relatou que o primeiro resultado matemático que sinalizou tal
efeito apareceu em um cálculo lateral feito no trabalho realizado por ele na
época de seu doutorado. Esse achado intrigante ficou, por assim dizer,
hibernando na gaveta, até que, uma década mais tarde, ele conseguisse aplicá-lo
e perceber que uma de suas consequências era o crescimento das flutuações de
vácuo.
Aos dois
primeiros artigos na Physical Review Letters seguiu-se um terceiro
artigo, desta vez publicado na Physical Review D, escrito com a
colaboração de Andre Gustavo Scagliusi Landulfo, atualmente professor adjunto
na Universidade Federal do ABC (UFABC), intitulado Particle
creation due to tachyonic instability in relativistic stars.
“Esse
terceiro trabalho partiu da consideração de que o crescimento da densidade de
energia de vácuo desencadeado por uma estrela de nêutrons não pode continuar
indefinidamente, pois, como essa energia retroage no espaço-tempo, curvando-o
cada vez mais, isso, no limite, levaria ao colapso do universo. Em algum
momento, alguma coisa deve acontecer para estabilizar o sistema. Verificamos
teoricamente que, quando o processo é interrompido e uma nova situação de
equilíbrio ocorre, parte da energia de vácuo excedente é liberada na forma de
partículas reais, que escapam do sistema. Aconteceria então, nesse caso, uma
produção em profusão de partículas”, explicou Vanzella.
Segundo
Matsas, no caso concreto da colisão de duas estrelas de nêutrons, por exemplo,
o balanço energético dessa produção de partículas proporcionaria uma condição
observacional para a eventual confirmação do modelo proposto (veja o quadro 2: Campos escalares).
Dadas as
grandes dificuldades de cálculo, o modelo foi construído com base em várias
simplificações: o espaço-tempo foi concebido como uma realidade estática; a
retroação da energia de vácuo no espaço-tempo não foi computada; e a estrela
foi idealizada como um objeto perfeitamente esférico e sem rotação. Sabe-se
que, na realidade, nada disso é assim. Mas os pesquisadores verificaram que,
mesmo nesse cenário ultrassimplificado, o efeito já se manifestava. Trabalhos
posteriores, que contaram com a colaboração de Raissa Mendes, aluna de
doutorado de Matsas, procuraram aproximar um pouco mais o modelo da situação
real, investigando teoricamente o que ocorreria no caso de a estrela não ser
perfeitamente simétrica ou apresentar rotação.
Dois artigos
dessa etapa da pesquisa já foram publicados na Physical Review D: Awaking the
vacuum with spheroidal shells e Quantum
versus classical instability of scalar fields in curved backgrounds.
E um terceiro está passando por revisão matemática para publicação.
Contexto Cosmológico
A tarefa de
analisar esse efeito no contexto cosmológico como uma possível explicação para
a expansão acelerada do universo, que constitui atualmente um dos maiores
enigmas da cosmologia, é algo que está no rol de prioridades de Vanzella.
“Comecei a pensar nisso quando fiz meu pós-doutorado sob a supervisão de
Leonard Parker, na Universidade de Wisconsin em Milwaukee, nos Estados Unidos.
Parker foi quem fundou a área de teoria de campos em espaços-tempos curvos, na
qual trabalhamos. E considerava que a chamada ‘energia escura’, responsável
pela expansão acelerada do universo, poderia ser uma energia de vácuo."
A eventual
aplicação do efeito descoberto pelos brasileiros no cenário cosmológico seria
uma façanha espetacular. Mas o efeito em si já é uma descoberta notável. “A
possibilidade de a curvatura do espaço-tempo exacerbar as flutuações do vácuo
não é nada trivial, nem intuitiva. Ficamos surpresos ao descobri-la”, comentou
Matsas.
“Apesar de a
energia total do vácuo ser zero e manter-se em zero, as flutuações fazem com
que, localmente, essa energia apresente variações extremas, crescendo ou
decrescendo de forma exponencial. Efeitos de vácuo quântico eram esperados, mas
com expressão muito sutil. O que Vanzella e Lima mostraram foi que esses
efeitos podem assumir proporções catastróficas”, disse o pesquisador.
Quadro 1
O Efeito Casimir
O Efeito Casimir foi
previsto teoricamente em 1948, a partir de uma abordagem matemática da teoria
quântica. No cenário ideal de um sistema isolado, esvaziado de toda matéria e
energia, o físico holandês Hendrik Casimir (1909-2000) imaginou duas placas metálicas
paralelas, sem carga elétrica e com massas desprezíveis.
Se suas massas eram
desprezíveis e se as placas estavam descarregadas, haveria algum motivo pelo
qual elas devessem se atrair? Nos marcos da física clássica, a resposta para
essa pergunta seria “não”.
Mas, levando em
consideração a Física Quântica, Casimir constatou que aparecia entre as placas
uma força por área inversamente proporcional à quarta potência da distância, e
proporcional à Constante de
Planck (o que mostrava sua natureza quântica) e à velocidade da luz
(o que mostrava sua natureza relativística). A fórmula é F/A = ħ.c / 240 d4 .
“Isso ocorre porque o
vácuo, que é o estado de mínima energia, ainda assim possui energia, que se
expressa na forma de partículas
virtuais. Embora surjam e desapareçam aos pares, em velocidades tão
altas que a própria teoria quântica diz ser impossível observá-las, essas
partículas exercem um efeito colateral. Pois, pelo princípio de minimização de
energia, fazem com que as placas se aproximem, uma vez que, quanto mais
próximas as placas, menor a energia de vácuo existente entre elas”, explicou
Matsas.
Uma maneira menos
sofisticada de descrever o fenômeno é dizer que a pressão das partículas
virtuais externas às placas é maior do que a pressão das partículas confinadas
entre elas. E que essa diferença de pressão empurra as placas uma de encontro à
outra.
O Efeito Casimir foi
confirmado experimentalmente em laboratório. E medido no final dos anos 1990.
“Ele demonstra a estrutura do vácuo. Mas seu valor é diminuto. Nossa pergunta
foi se existiria alguma condição em que o vácuo quântico pudesse ter efeitos
macroscópicos e até mesmo catastróficos”, comentou Matsas.
Quadro 2
Campos Escalares
O modelo que prevê o
“despertar do vácuo” pressupõe a existência de uma classe específica de campos
quânticos chamados de “campos
escalares não minimamente acoplados à gravitação”.
“Esses campos ainda não
foram observados. Mas são uma possibilidade teórica. E podem estar presentes na
natureza. Lembremos que 95% da matéria/energia do universo é desconhecida”,
disse Matsas.
As “partículas
escalares”, que expressam esse campo, seriam semelhantes aos fótons (as
partículas associadas ao campo eletromagnético), porém não teriam spin. Tais partículas
interagiriam muito pouco com a matéria, por isso sua detecção seria dificílima,
e precisaria ser feita por meios indiretos.
O conceito de campo é
dominante na teoria quântica. “Genericamente, campo é qualquer entidade que
possibilite associar a cada ponto do espaço-tempo um valor (ou conjunto de
valores). Nos marcos da teoria quântica, as partículas não são corpúsculos
diminutos, tais como foram concebidas na Física Clássica. Partículas são apenas
excitações do campo, isto é, maneiras de descrever o comportamento do campo.
Diferentes observadores extraem em geral diferentes conteúdos de partículas do
mesmo campo”, explicou Matsas.
A existência dos campos
escalares não minimamente acoplados à gravitação poderia ser comprovada
observacionalmente no caso específico do choque entre duas estrelas de
nêutrons.
“Se ocorresse tal evento
e as medições de energia das emissões resultantes ficassem muito abaixo do
esperado pelas teorias convencionais, então poderíamos explicar esse
diferencial pelo fato de uma parte da energia ter sido codificada nessas
partículas escalares, que, por interagirem muito pouco com a matéria, não
seriam detectadas”, disse Matsas.
Glossário
Vácuo Quântico /
Partículas Virtuais
Na Física Quântica, o
vácuo é o estado de mínima energia. Mas sua energia não é necessariamente nula
e manifesta-se na produção e aniquilamento de partículas, ditas virtuais. Estas
surgem e desaparecem tão rapidamente que não podem ser observadas de modo direto.
Deve-se levar em conta que a concepção de partícula da Física Quântica não
corresponde à de corpúsculos diminutos da Física Clássica. Partículas são
excitações do campo.
Flutuações Quânticas
Flutuações quânticas são
variações no valor das grandezas físicas, que flutuam ao redor de valores
médios. Em decorrência do chamado Princípio da Incerteza, de Werner Heisenberg
(recebedor do Prêmio Nobel de Física de 1932), tais flutuações são consideradas
inevitáveis pela teoria quântica.
Espaço-Tempo / Deformação
do Espaço-Tempo
Nas teorias especial e
geral da relatividade, espaço-tempo é o conjunto de todos os eventos –
presentes, passados e futuros. Cada evento, que corresponde a um ponto do
espaço-tempo, é definido por quatro coordenadas: x, y, z, ct.
As três primeiras (x, y, z) definem a posição espacial do evento. E a
quarta (ct), que é o produto do tempo (t) pela velocidade da luz
no vácuo (c), define o instante temporal. O conceito relativístico de
espaço-tempo substituiu o conceito clássico de éter, como uma espécie de pano
de fundo para todos os entes e fenômenos da natureza. Matéria e energia
distorcem, em geral, o espaço-tempo. E a ação gravitacional entre os corpos,
que na Física Clássica é explicada por meio de uma força atrativa, foi
reinterpretada pela teoria da relatividade como decorrência da distorção ou
curvatura do espaço-tempo.
Constante de Planck
A Constante de Planck,
representada pela letra h, é uma das constantes fundamentais da Física,
associada ao quantum de energia. Sua dimensão é de “energia X tempo”. E seu
valor, diminuto, é de 6,62606957 × 10−34 J.s, com uma incerteza de 0,00000029 ×
10−34 J.s (sendo J símbolo de Joule, unidade de medida de energia, e s
símbolo de segundo, unidade de medida de tempo). Por uma conveniência de notação,
algumas equações da física quântica, ao invés da Constante de Planck, utilizam
a chamada Constante Reduzida de Planck, representada por ħ (agá cortado), e
igual a h/2π.
Campos Quânticos /
Campos Escalares / Campos Escalares Não Minimamente Acoplados à Gravitação
O conceito de campo, que
surgiu na Física Clássica, foi incorporado pela Física Quântica. Mas as
equações variam de um contexto teórico para o outro. O campo será dito clássico
ou quântico dependendo se for estudado no contexto da Física Clássica ou da
Física Quântica, respectivamente. Um campo escalar é uma estrutura na qual um
número – isto é, uma grandeza escalar (e não vetorial, tensorial etc.) – é
atribuído a cada ponto do espaço-tempo. Exemplo simples de campo escalar é um
campo de temperaturas, no qual a cada ponto está associada uma temperatura.
Dependendo de como o campo se relaciona com a gravitação, ele será minimamente
acoplado ou não. “Campos escalares não minimamente acoplados à gravitação” são
campos teóricos, cuja existência ainda não foi comprovada pela observação. A
“partícula” que descreve a excitação desse campo é semelhante ao fóton (a
partícula do campo eletromagnético), mas sem spin.
Spin
A ideia de que as
partículas sejam corpúsculos diminutos, tais como os concebeu a Física
Clássica, faz com que o spin seja interpretado como o momento angular
intrínseco que define a rotação da partícula em torno de seu próprio eixo. Mas,
sendo a partícula apenas uma representação da excitação do campo, como afirma a
Física Quântica, o conceito de spin torna-se bem mais abstrato. Pode-se dizer
que spin é um dos números que define o estado quântico dessa excitação.
Fonte: Site da Agência FAPESP
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