Novo Modelo Físico Explica de Onde Veio a Água da Terra
Olá leitor!
Segue abaixo uma matéria publicada hoje (16/10) no site
da Agência FAPESP, destacando que uma parceria internacional com participação
brasileira acabam de propor um Novo Modelo Físico que explica de onde veio a Água
da Terra.
Duda Falcão
Notícias
Novo Modelo Físico Explica de
Onde Veio a Água da Terra
Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
16 de outubro de 2017
(Imagem: NASA)
Objetos deslocados para o interior do Sistema Solar
devido ao crescimento de Júpiter teriam levado à região
a maior parte do acervo
hídrico atualmente existente.
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Munidos da lei da gravitação universal de Newton (cuja
publicação completou 330 anos em 2017) e de pesados recursos computacionais
(para poder aplicar a lei a mais de 10 mil corpos em interação), um jovem
pesquisador brasileiro e seu antigo supervisor de pós-doutorado acabam de
propor um novo modelo físico para explicar a origem da água na Terra e nos
demais objetos de tipo terrestre do Sistema Solar.
O artigo assinado por ambos, Origin of water in the
inner Solar System: Planetesimals scattered inward during Jupiter and Saturn's
rapid gas accretion, foi publicado na revista Icarus.
Os autores são André Izidoro, da Faculdade de Engenharia
de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – bolsista FAPESP na
modalidade Apoio a Jovens Pesquisadores –, e o astrofísico
norte-americano Sean Raymond, do Laboratoire d'Astrophysique de
Bordeaux, na França.
“A ideia de que a água da Terra veio predominantemente
por meio de asteroides não é nova. Ela é praticamente consensual entre os
pesquisadores. Nosso trabalho não é pioneiro em relação a isso. O que
conseguimos foi associar esse aporte de asteroides ao processo de formação de
Júpiter. E, com base no modelo resultante, ‘entregar à Terra’ quantidades de
água consistentes com os valores estimados atualmente”, disse Izidoro à Agência
FAPESP.
O valor de água existente na Terra varia muito de uma
estimativa a outra. Usando como unidade de medida o “oceano terrestre”, o que
corresponde a toda a água dos oceanos da Terra, alguns falam em três a quatro
“oceanos terrestres”. Outros, em dezenas. A variação decorre do fato de não se
saber quanta água existe no manto do planeta. E nem mesmo na crosta,
aprisionada no interior das rochas. De qualquer forma, o modelo proposto dá
conta do amplo leque de estimativas.
“Convém afastar logo a ideia de uma Terra que recebeu
toda a sua água por meio do impacto de cometas oriundos de regiões muito
distantes. Tais ‘entregas’ também ocorreram, mas sua contribuição foi posterior
e percentualmente muito menos importante. A maior parte da água chegou à região
atualmente ocupada pela órbita da Terra antes que o planeta tivesse se
constituído”, disse Izidoro.
Para entender “como”, vale recapitular o cenário definido
pelo modelo convencional de formação do Sistema Solar, acrescentando o novo
modelo relativo ao aporte de água. A condição inicial é uma gigantesca nuvem de
gás e poeira cósmica. Devido a algum tipo de perturbação gravitacional ou
turbulência local, essa nuvem entra em colapso e passa a ser atraída por uma
determinada região de seu interior, que configura um centro.
Com o aporte de matéria, o centro torna-se tão massivo e
aquecido que, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, entra em processo de fusão
nuclear, transformando-se em estrela. Enquanto isso, a nuvem remanescente
continua a orbitar o centro e seu material se aglutina, formando um disco, que
posteriormente se fragmenta, definindo os nichos protoplanetários.
“Estima-se que, nesse disco, a região rica em água se
localizava a partir de algumas unidades astronômicas de distância do Sol. Na
região interior, mais próxima da estrela, a temperatura era alta demais para
que a água pudesse se acumular, exceto talvez em muito pequena quantidade, na
forma de vapor”, explicou Izidoro.
Por definição, a unidade astronômica (AU) é a distância
média da Terra ao Sol. Entre 1,8 AU e 3,2 AU localiza-se atualmente o Cinturão
de Asteroides, com centenas de milhares de objetos. Nessa faixa, os asteroides
que ocupam a região entre 1,8 AU e 2,5 AU são predominantemente pobres em água,
enquanto a maioria daqueles situados além de 2,5 AU são ricos. O processo de
formação de Júpiter pode explicar a origem dessa divisão, de acordo com o
pesquisador.
“O tempo transcorrido entre a formação do Sol e a
completa dissipação do disco gasoso foi bastante curto, na escala cosmogônica:
de apenas 5 milhões a no máximo 10 milhões de anos.
E a formação de planetas gasosos tão massivos quanto
Júpiter e Saturno só pode ter ocorrido durante essa fase de juventude do
Sistema Solar. Então, foi durante essa fase que o rápido crescimento de Júpiter
perturbou gravitacionalmente milhares de planetesimais ricos em água,
deslocando-os de suas órbitas originais”, disse Izidoro.
Estima-se que Júpiter possua um núcleo sólido, com massa
equivalente a algumas vezes a massa da Terra. Esse núcleo sólido é recoberto
por um extenso e massivo envoltório gasoso. Júpiter só pode ter adquirido tal
envoltório durante a fase da nebulosa solar, quando o sistema estava em
formação e havia enorme quantidade de material gasoso disponível.
Devido à vultosa massa do embrião de Júpiter, o processo
de aquisição do gás, por atração gravitacional, foi muito rápido. Nas
vizinhanças do planeta gigante em formação, situados além da “linha de gelo”,
milhares de planetesimais [corpos rochosos semelhantes a asteroides] orbitavam
o centro do disco, atraindo-se, simultaneamente, uns aos outros.
O rápido aumento da massa de Júpiter rompeu o precário
equilíbrio gravitacional desse sistema de muitos corpos. Vários planetesimais
foram engolidos pelo Proto-Júpiter. Outros, enviados para os confins do Sistema
Solar. E uma pequena fração, arremessada para a região interior do disco,
entregando água para o material que, mais tarde, formaria os planetas
terrestres e constituiria o Cinturão de Asteroides.
“O período de formação da Terra é datado entre 30 milhões
e 150 milhões de anos após a formação do Sol. Quando isso ocorreu, a região do
disco onde nosso planeta se constituiu já dispunha de bastante água, entregue
pelos planetesimais deslocados por Júpiter e também por Saturno. Admite-se que
uma pequena fração da água existente na Terra tenha chegado mais tarde,
mediante o choque de cometas e asteroides. E que uma fração ainda menor possa
ter-se formado localmente, por meio de processos físico-químicos endógenos. Mas
a maior parte da água veio com os planetesimais”, disse Izidoro.
A afirmação sustenta-se no modelo construído por ele e
seu antigo supervisor. “Com o emprego de supercomputadores, simulamos a
interação gravitacional entre os múltiplos corpos por meio de integradores
numéricos, em linguagem Fortran. E introduzimos uma modificação para incluir os
efeitos do gás presente no meio durante a época de formação dos planetas. Isso
porque, além de todas as interações gravitacionais em cena, os planetesimais
sofreram também a ação do chamado ‘arrasto gasoso’, que é, basicamente, um
‘vento’ em sentido contrário ao do movimento – o mesmo tipo de efeito que um
ciclista percebe ao se deslocar, decorrente da colisão das moléculas do ar com
seu corpo”, descreveu o pesquisador.
O “arrasto gasoso” fez com que as órbitas dos
planetesimais deslocados por Júpiter, inicialmente muito alongadas, fossem,
pouco a pouco, “circularizadas”. Foi tal efeito que implantou esses objetos na
zona que corresponde atualmente ao Cinturão de Asteroides.
Um parâmetro fundamental para esse tipo de simulação é a
massa total da nebulosa solar no início do processo. Para chegar a esse número,
Izidoro e Raymond utilizaram um modelo proposto no início da década de 1970.
Ele parte do levantamento da massa de todos os objetos atualmente observados no
Sistema Solar.
Para compensar as perdas decorrentes da ejeção de matéria
durante a fase de formação do sistema, o modelo corrige as massas atuais dos
diferentes objetos, fazendo com que suas proporções de elementos pesados
(oxigênio, carbono etc.) e de elementos leves (hidrogênio, hélio etc.) fiquem
iguais às do Sol. Isso com base na hipótese de que o disco de gás e o Sol
tinham a mesma composição. Feitas as alterações, obtém-se a massa presumível da
nuvem primitiva.
“Além disso, nosso novo modelo considerou também os
diferentes tamanhos dos atuais asteroides, que vão de quilômetros a centenas de
quilômetros de extensão, porque o gás tende a afetar mais os asteroides
menores”, disse Izidoro.
A simulação feita a partir destas considerações pode ser
vista no vídeo a seguir:
No eixo horizontal, foram marcadas as distâncias dos
objetos ao Sol, em unidades astronômicas (AU). No eixo vertical, foram marcadas
as excentricidades das órbitas dos objetos. A progressão da animação mostra
como o sistema evoluiu em sua fase de formação. Os dois pontos pretos, situados,
respectivamente, a pouco menos de 5,5 AU e mais de 7,0 AU, são, pela ordem,
Júpiter e Saturno. Durante a animação, esses corpos crescem pelo acréscimo de
gás da nuvem protoplanetária. E seu crescimento desestabiliza os planetesimais
e os lança em várias direções. As diferentes cores atribuídas aos planetesimais
servem apenas para mostrar onde eles estavam no início e para onde foram
lançados. A área cinzenta assinala a posição atual do Cinturão de Asteroides. E
o cômputo do tempo, em milhares de anos, aparece na porção superior do gráfico.
A segunda animação acrescenta um importante ingrediente,
que é a migração de Júpiter e Saturno para mais perto do Sol durante o processo
de crescimento.
Todos os cálculos de interação gravitacional entre os
corpos em presença foram feitos a partir da Lei de Newton. O integrador
numérico possibilitou calcular a posição de cada corpo em vários momentos –
algo que, dado o número de corpos, da ordem de 10 mil, seria impossível fazer
sem os recursos computacionais utilizados.
O artigo Origin of water in the inner Solar System:
Planetesimals scattered inward during Jupiter and Saturn's rapid gas accretion
(doi: 10.1016/j.icarus.2017.06.030), de Sean N. Raymond e André Izidoro, pode
ser lido em http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0019103517302592?via%3Dihub
e em https://arxiv.org/abs/1707.01234.
Fonte: Site da Agência FAPESP
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