Espaço e Desenvolvimento
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski ontem (29/11) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Espaço e Desenvolvimento
José Monserrat Filho *
“Quando a capacidade
criativa do homem se volta para a descoberta de suas potencialidades, e ele se
empenha em enriquecer o universo que o gerou, produz-se o que chamamos
desenvolvimento.” Celso Furtado¹
O Centro Internacional Celso
Furtado de Políticas para o Desenvolvimento,
fundado no Rio de Janeiro em 2005, completa 10 anos. Sua missão é “enriquecer o
debate sobre estratégias para o desenvolvimento – especialmente no caso do
Brasil e da América Latina –, seguindo a linha de pensamento do seu patrono”².
O economista Celso Furtado viveu 84 anos (1920-2004) e foi um dos mais
importantes intelectuais brasileiros ao longo do século XX. Seu nome está
indelevelmente ligado ao estudo do subdesenvolvimento e do desenvolvimento como
fenômenos distintos em várias fases da história, inclusive e sobremodo na etapa
atual da avassaladora globalização econômica.
“Garantir o desenvolvimento
nacional” é um do “objetivos fundamentais
da República, Federativa do Brasil” – reza a Constituição de 19883 –, junto com
“construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, e “promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”. Esses objetivos funcionam como vasos
comunicantes. A realização de um depende da dos demais. Celso Furtado
participou dessa construção jurídica.
Nas primeiras décadas da Era
Espacial, iniciada pelo Sputnik-1 em 4 de
outubro de 1957, não se relacionava diretamente a exploração (estudo) e uso do
espaço com o desenvolvimento nacional dos países, nem mesmo das potências
pioneiras nas atividades espaciais. Enaltecia-se o avanço científico de modo
genérico, como anunciavam à época os principais jornais do mundo.
O Tratado do Espaço de 19674,
em pleno vigor, não fala em desenvolvimento, mas em seus Artigos I e II fixa
três princípios fundamentais capazes de gerá-lo em escala mundial: o do bem
comum (common good5), o da liberdade de acesso ao espaço e o da não-apropriação
do espaço, da Lua e dos demais corpos celestes – entre os quais os asteroides
hoje em destaque.
O princípio do bem comum está claramente exposto no § 1 do Artigo I:
“A exploração e o uso do espaço
cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e
interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu
desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a
humanidade.”
O princípio da liberdade de
acesso tem base nos § 2 e § 3 do mesmo
Artigo I:
§ 2) “O espaço cósmico,
inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado
livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de
igualdade e em conformidade com o direito internacional, devendo haver liberdade
de acesso a todas as regiões dos corpos celestes”; e
§ 3) “O espaço cósmico,
inclusive a Lua e demais corpos celestes, estará aberto às pesquisas
científicas, devendo os Estados facilitar e encorajar a cooperação
internacional naquelas pesquisas.”
E o princípio da
não-apropriação consta com absoluta
clareza do Artigo II:
“O espaço cósmico, inclusive a
Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por
proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio.”
Tais princípios básicos são
intrinsecamente inter-relacionados e interdependentes. O bem comum é propiciado e estimulado pela liberdade de
acesso para todos os países, que, por sua vez, é garantida pela total e
completa não-apropriação do espaço e dos corpos celestes. O bem comum e a
liberdade de acesso justificam a não-apropriação, que, por sua vez, permite e
enseja o bem comum, assim como a liberdade de acesso para todos os países.
O bem comum inclui, claro, a
busca do desenvolvimento econômico e social
– nacional e geral (global) –, sobretudo do desenvolvimento sustentável,
comprometida com metas altamente racionais e profundas, como beneficiar as
gerações de hoje e amanhã.
O Acordo da Lua, de 19796 – debatido e aprovado no Comitê das Nações Unidas para o
Uso Pacífico do Espaço (UNCOPUOS) e depois endossado por unanimidade pela
Assembleia Geral das Nações Unidas – refere-se ao desenvolvimento econômico e
social, em seu Artigo 4º, § 1, que detalha o Artigo I, § 1, do Tratado do
Espaço, a “Cláusula do Bem Comum”: “A exploração e o uso da Lua são incumbência
de toda a humanidade e se realizam em benefício e no interesse de todos os
países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico ou
científico. Especial atenção deve ser dada aos interesses das gerações
presentes e futuras, bem como à necessidade de promover níveis de vida mais
elevados e melhores condições de progresso e desenvolvimento econômico e
social, em conformidade com a Carta da Organização das Nações Unidas.”
Cabe, pois, aos Estados, em
suas atividades na Lua e nos demais corpos celestes (entre eles os asteroides), dar especial atenção aos
interesses das gerações presentes e futuras, bem como à necessidade de promover
níveis de vida mais elevados e melhores condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social, em linha com a Carta das Nações Unidas.
Essa visão ampla e
abrangente do desenvolvimento econômico e
social resultante das atividades espaciais é, mais que nunca, imprescindível no
mundo atual, marcado pela concentração de riquezas e do poder financeiro em
alguns países e suas corporações transnacionais – em número cada vez menor –,
bem como pela crescente desigualdade entre as nações e entre as pessoas.
São oportunas aqui duas
observações de Celso Furtado7, feitas em
1998:
1) “A esfera econômica tende a
ser crescentemente dominada pelas empresas internacionais, as quais balizarão o
espaço a ser ocupado por atividades de âmbito local e/ou informais. A
importância relativa destas últimas definirá o grau de subdesenvolvimento de
cada região: áreas desenvolvidas e subdesenvolvidas estarão assim
estruturalmente imbricadas numa compartimentação do espaço político que cristaliza
as desigualdades sociais.”
2) “A estrutura internacional
de poder evolui para assumir a forma de grandes blocos de nações sedes de
empresas transnacionais que dispõem de rico acervo de conhecimentos e pessoal
capacitado. O intercâmbio internacional de serviços, particularmente os
financeiros e tecnológicos, cresce em detrimento do de bens tradicionais. Na
dinâmica desse sistema, prevalecem as forças tendentes a reproduzir a atual
clivagem desenvolvimento/subdesenvolvimento.”
Exemplo inequívoco dessas
forças, hoje, é a lei8 pleiteada por
empresas americanas, aprovada pelo Congresso dos EUA e promulgada em 25 de
novembro último pelo Presidente Obama, que confere o direito de propriedade aos
cidadãos do país (e obviamente suas empresas) sobre os recursos de asteroides
por eles (elas) obtidos no espaço, e estimula a exploração comercial dos
recursos espaciais. Assim, uma questão global, que afeta a todos os países, é
regulada de modo unilateral, para o bem e no interesse de um grupo nacional de
empresas. Algo indefensável.
Também na área espacial,
“quiçá o aspecto mais negativo da tutela das transnacionais sobre os sistemas de produção na periferia esteja na
transformação dos quadros dirigentes em simples correias de transmissão de
valores culturais gerados no exterior. O sistema dependente perde a faculdade
de conceber os próprios fins”, como Celso Furtado escreveu, em 19789.
Neste contexto adverso à
superação do subdesenvolvimento em
qualquer área, o próprio Celso Furtado pergunta: “Como preservar a identidade
cultural e a unidade política em um mundo dominado por grupos transnacionais
que fundam seu poder no controle da tecnologia da informação e do capital
financeiro?” E afirma: “É esse o desafio.”
Para superar o
subdesenvolvimento no setor espacial, as
dificuldades certamente são ainda maiores. O setor espacial de fato sempre foi
– e hoje o é mais ainda – liderado por grandes potências e poderosas empresas
transnacionais, sobretudo em vista da relevância geopolítico estratégico das
atividades espaciais. Seus planos militares de defesa ou ataque – que na
prática já no se distinguem – promovem impetuosos e contínuos avanços
tecnológicos. É o que ocorre atualmente na chamada “nova Guerra Fria”, com
armas mais modernas e certeiras que a anterior.
Como enfrentar o desafio de
alcançar o desenvolvimento econômico e social em tal situação? Ainda sim, não é o caso de abandonar o jogo e
isolar-se. Celso Furtado propõe a estratégia de “ganho de autonomia externa”
para superar o subdesenvolvimento com “uma posição ofensiva nos mercados
internacionais”, que tenha ao mesmo tempo “um efeito indutor interno”, como “motor
da formação do mercado interno”. Claro, “o controle por empresas transnacionais
das atividades produtivas com potencial de exportação, ao limitar a capacidade
de ação na esfera internacional, pode criar obstáculos a esse tipo de
estratégia”.
Por isso, “o problema que se
coloca de imediato é o da identificação das bases sociais de uma estrutura de poder apta a levá-lo à prática”, com o
“objetivo estratégico” de “assegurar um desenvolvimento que se traduza em
enriquecimento da cultura em suas múltiplas dimensões e permita contribuir com
criatividade própria para a civilização que se mundializa. No fundo está o
desejo de preservar a própria identidade na aventura comum do processo
civilizatório”.
O êxito dessa estratégia
“pressupõe, evidentemente, o exercício de forte vontade política apoiada em amplo consenso social”10, hoje inexistente, mas
que provavelmente logo poderá ressurgir ante a persistência da crise com o
aumento vertiginoso da globalização da desigualdade. E “o desenvolvimento,
gerado endogenamente, requer criatividade no plano político, e esta se
manifesta quando à percepção dos obstáculos adiciona-se forte ingrediente de
vontade coletiva”, pois “somente uma liderança política criativa será capaz de
conduzir as forças criativas para a reconstrução de estruturas avariadas e para
a conquista de novos avanços na direção de formas superiores de convivência
social”¹¹.
O Brasil já tem decisões
internas positivas. O Programa Nacional de
Atividades Espaciais (PNAE – 2012-2021)12, elaborado pela Agência Espacial
Brasileira e aprovado por seu Conselho Superior – onde estão representados os
principais ministérios – proclama: “Prioridade maior: impulsar o avanço
industrial”. E justifica: “O Brasil tem especial vocação espacial. Com mais de
8,5 milhões de km² de extensão territorial, deve cuidar, ao todo, de 13 milhões
de km², incluídos os 4,5 milhões de km² de território marítimo. É um patrimônio
rico em recursos naturais de toda ordem, que precisa ser cada vez mais
conhecido, estudado, controlado, administrado, explorado e vigiado da melhor
forma possível. A ciência e a tecnologia espaciais são vitais para isso. A
indústria tem papel histórico a cumprir.” E mais: “Eis um grande apelo à
inventividade e ao empreendedorismo” para tornar o país “capaz de usufruir,
soberanamente e em grande escala, dos benefícios das tecnologias, da inovação,
da indústria e das aplicações do setor em prol da sociedade brasileira”. Entre
as diretrizes estratégicas do PNAE estão: Consolidar a indústria espacial,
aumentando sua competitividade e elevando sua capacidade de inovação, inclusive
por meio do uso do poder de compra do Estado, e de parcerias com outros países;
Desenvolver intenso programa de tecnologias críticas, incentivando a
capacitação no setor com maior participação da academia, das instituições
governamentais de C&T e da indústria; Ampliar parcerias com outros países,
priorizando o desenvolvimento conjunto de projetos tecnológicos e industriais
de interesse mútuo (que, no mínimo, propiciem absorção tecnológica ao Brasil);
Fomentar a formação e capacitação de especialistas para setor espacial, no país
e no exterior; Promover a conscientização da opinião pública sobre a relevância
do estudo, do uso e do desenvolvimento do setor espacial.
Como superar os impasses de hoje
sem levar em conta estas ideias?
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria
Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da
Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa apenas a opinião do
autor.
Referências
1) Furtado, Celso, O
Capitalismo Global, Paz e Terra, 1998, p. 47.
5) Bens Públicos Globais –
Cooperação Internacional no Século XXI, editado por Inge Kaul, Isabelle
Grunberg and Marc A. Stern, Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
(UNDP), Rio de Janeiro, Ediora Record, 2012. (Publicado pela Oxford University
Press em 1999.)
7) Furtado, Celso, Id Ibid, pp.
37-39.
9) Furtado, Celso, Criatividade
e dependência na civilização industrial, 1ª edição, Paz e Terra, Rio de
Janeiro, 1978; edição Companhia das Letras, São Paulo, 2008, p. 162.
10) Furtado, Celso, Id Ibid,
pp. 5354.
11) Furtado, Celso, Em busca de
novo modelo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, pp.32-33.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
Comentários
Postar um comentário