Em Nova Frequência
Olá leitor!
Segue abaixo um outro interessantíssimo artigo publicado na
edição de maio de 2014 da “Revista Pesquisa FAPESP” tendo como destaque o telescópio desenvolvido por universidades paulistas
para detectar explosões solares na faixa de tera-hertz a partir de um balão
estratosférico.
Duda Falcão
TECNOLOGIA
Em Nova Frequência
Telescópio desenvolvido em
São Paulo vai detectar explosões
solares na faixa de
tera-hertz a partir de um balão estratosférico
EVANILDO DA SILVEIRA
Revista Pesquisa FAPESP
Edição 219 - Maio de 2014
© LÉO RAMOS
Telescópio Solar-T passa
pelos últimos ajustes na empresa Propertech,
de Jacareí (SP), antes de seguir
para os Estados Unidos.
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Depois de 10
anos de trabalho, está pronto o primeiro equipamento brasileiro para medir e
estudar um dos aspectos menos conhecidos e mais misteriosos da atividade do
Sol: as radiações emitidas na origem das explosões que ocorrem na estrela na
faixa do infravermelho distante, conhecida também como tera-hertz (THz).
Trata-se do Solar-T, um telescópio que não forma imagens como seus congêneres
ópticos. Ele identifica e mede as radiações emitidas pelos objetos observados.
Funciona como um fotômetro ao medir a intensidade dos fótons, que são as
partículas associadas às ondas eletromagnéticas, como a luz. A previsão é que o
aparelho faça seu primeiro voo sobre a Antártida, a bordo de um balão
estratosférico a 40 quilômetros (km) de altitude em conjunto com um experimento
da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, no verão de
2015, em uma missão com duração de duas semanas.
O aparelho
foi desenvolvido, com financiamento de R$ 590 mil da FAPESP, pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, em colaboração com o Centro de
Componentes Semicondutores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A
medição das radiações emitidas pelo Sol ocorre na faixa dos tera-hertz do
espectro eletromagnético que, entre outras, abrange as ondas de rádio,
infravermelho e luz visível. “Não há equipamento igual no mundo até o momento
para operar nas frequências de THz, com o objetivo de estudar as explosões
solares”, garante o pesquisador da equipe Rogério Marcon, do Laboratório de
Difração de Raios X do Instituto de Física da Unicamp e criador do Observatório
Solar Bernard Lyot, uma instituição privada de Campinas que participou do
projeto Solar-T. “A faixa dos THz é utilizada na medicina e segurança, mas na
astrofísica solar é inédita.”
Para Marcon,
o trabalho do grupo do Mackenzie e da Unicamp coloca o Brasil na linha de
frente das pesquisas em detectores na faixa de THz e sobre a natureza das
explosões solares. “Tudo é novidade”, diz. A mesma equipe desenvolve o projeto
Hats (high altitude terahertz solar telescope), um telescópio de solo,
com objetivos semelhantes aos do Solar-T, mas com diferenças tecnológicas e de
operação. Esse novo equipamento deverá ficar pronto até o fim de 2014, para ser
instalado provavelmente no Parque Astronômico do Atacama, a 5.100 metros de
altitude, nos Andes chilenos. “Até agora conseguimos financiamento de R$ 300
mil do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e
do Mackenzie”, conta Pierre Kaufmann, do Centro de Radioastronomia e
Astrofísica Mackenzie (CRAAM), coordenador dos dois projetos.
A história
que culminou nesses dois equipamentos começou em 1984, quando Kaufmann detectou
os primeiros sinais de que explosões solares poderiam emitir radiação na faixa
de tera-hertz, também chamados de raios T. De acordo com ele, até os anos 1970
acreditava-se que as explosões emitiam radiação com frequências até micro-ondas
no máximo e aí decaíam. Depois disso, alguns pesquisadores, como o inglês David
Croom e o norte-americano Fred Shimabukuro, mostraram que nas explosões solares
havia um tipo de radiação de intensidade crescente, que, imagina-se hoje,
poderia chegar aos tera-hertz. Mas devido às limitações e à baixa sensibilidade
de seus telescópios, eles não conseguiram determinar que frequência máxima essa
radiação atingia.
Em nova frequência. (clique em coma para ampliar) |
Em 1984, uma
descoberta do próprio Kaufmann e equipe aumentou o conhecimento nessa área de
pesquisa. “Com um telescópio com maior sensibilidade, do Rádio Observatório de
Itapetinga, em Atibaia [no interior paulista], detectamos uma explosão solar
com uma radiação com intensidade crescente, até 100 giga-hertz [GHz]”, conta.
“Na época, produzimos um artigo científico, publicado em 1985 na revista
Nature, no qual propusemos a existência de radiações solares com frequências
superiores a 100 GHz. A descoberta teve um tremendo impacto. A partir desse
trabalho, corroborado pelo de outros autores, nós começamos a tentar detectar
radiações em faixas mais altas.”
Kaufmann
conta que, para isso, a FAPESP aprovou, em 1997, um projeto para pesquisas sobre
radiações solares nas frequências de 200 e 400 GHz, ou 0,2 e 0,4 THz,
respectivamente. O financiamento permitiu a construção do Telescópio Solar para
Ondas Submilimétricas (SST) que foi instalado no Complexo Astronômico El
Leoncito (CASLEO), localizado nos Andes argentinos a 2.600 metros de altitude.
“Em novembro de 2003 detectamos essa radiação em duas frequências: 212 GHz e
crescente até 405 GHz”, conta o pesquisador do Mackenzie. Até então, a maior
frequência que se media no mundo era 100 GHz. “Com esse telescópio, nós
detectamos a existência de duas componentes de radiação nas explosões solares,
uma em micro-ondas, bem conhecida, e outra na faixa THz simultânea e nunca
vista. Mas devido às limitações das observações feitas a partir do solo, não
conseguimos determinar até que frequências essa radiação poderia chegar. Mesmo
em elevadas altitudes, a atmosfera é opaca para quase toda a faixa THz do
espectro.”
Agora, com o
Solar-T e o telescópio de solo, o pesquisador pretende ir mais longe. O
primeiro é subdividido em dois aparelhos, um para detectar radiação de três THz
e o outro de sete THz. Cada um deles é feito de duas partes: o primeiro é o
sistema coletor, ou os telescópios propriamente ditos, para captar a radiação
solar, e o sistema sensor. Cada telescópio tem configuração óptica tipo
Cassegrain com dois espelhos, o principal, côncavo com 7,6 centímetros de
diâmetro, e outro convexo, menor, além de filtros especiais para bloquear
radiações indesejáveis, como as ondas eletromagnéticas na faixa do infravermelho
próximo e no visível, que poderiam superaquecer e até incendiar o equipamento,
além de mascarar o fenômeno procurado nas frequências THz. Outros filtros e
malhas metálicas delimitam a frequência que se quer detectar, no caso três e
sete THz. Embora não formem imagens, os espelhos são necessários para captar e
concentrar as radiações eletromagnéticas.
A segunda parte
do Solar-T é o sistema sensor, composto por uma Célula de Golay, equipamento
fabricado pela empresa Tydex, de São Petersburgo, na Rússia. Trata-se de um
detector optoacústico que registra as variações da intensidade da radiação. O
Solar-T tem ainda um sistema de aquisição, armazenamento, transmissão e
recepção de dados, produzido pelas empresas brasileiras Propertech Tecnologia,
de Jacareí, e Neuron, de São José dos Campos, no interior de São Paulo. A
primeira também é responsável pela integração de todos os componentes e a
montagem final do equipamento.
© LÉO RAMOS
A
configuração do Solar-T será em parte aplicada ao Hats, um
telescópio de solo
para ser instalado nos Andes chilenos.
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Os dois telescópios têm duas
inovações. A primeira está no espelho maior, que é rugoso. “O objetivo dessa
rugosidade é difundir a radiação infravermelha”, explica Kaufmann. “Ela
consegue difundir 80% dessa luz. Os outros 20% são suprimidos pelos filtros,
com isso eliminamos o infravermelho e a luz visível.” A outra inovação, que foi
objeto de um pedido de patente, é um dispositivo que capta qualquer explosão do
disco solar. Para isso, é preciso que a imagem do disco completo esteja focada
na superfície do sensor. Os dados obtidos do Solar-T são armazenados e enviados
para satélites da rede Iridium, que os transmitem para uma estação terrestre e
dali, pela internet, para os pesquisadores.
O telescópio de solo, o Hats,
tem basicamente o mesmo objetivo, mas seu tamanho e configuração são
diferentes. Ele tem um espelho côncavo, com 46 centímetros de diâmetro, e foco
curto, de acordo com o mesmo conceito óptico usado no Solar-T em que a radiação
solar é refletida para o sensor. O objetivo é detectar radiação em “janelas” de
850 giga-hertz e 1,4 tera-hertz. “Ele é inteiramente robótico, com sistema
próprio de rastreio e de manobras usadas para calibrar e determinar a opacidade
atmosférica. Possui também uma redoma retrátil automática comandada por estação
meteorológica para protegê-lo em regimes de intempéries locais”, explica. “Além
disso, terá estação geradora de energia própria, por painéis solares, e
facilidades para transmissão remota de dados.
Essas tecnologias usadas nos
dois equipamentos vão possibilitar avanços científicos importantes no
conhecimento dos mecanismos, principalmente na produção de energia, que estão
por trás das explosões solares. Segundo Kaufmann, quase não existiram avanços
conceituais nessa área nos últimos 60 anos. “Sabemos tanto hoje quanto quando
elas foram descobertas”, diz. “Há vários modelos que tentam explicar o
fenômeno, mas nenhum foi confirmado.” Entender o papel da radiação na faixa dos
tera-hertz não é mera curiosidade científica. Esses fenômenos, que se repetem
com maior intensidade a cada 11 anos mais ou menos, têm implicações diretas no
dia a dia da atual civilização. Em 1989, por exemplo, quando ocorreu uma das
mais fortes explosões solares de que se tem registro, houve queda da
transmissão de eletricidade em alguns países, como no leste do Canadá e costa
leste dos Estados Unidos, e na Suécia. Atualmente se sabe que tais eventos
podem afetar satélites, sistemas de navegação como GPS e telecomunicações
incluindo os celulares. Como consequência, danos em satélites podem ocorrer
levando ao mau funcionamento dos sistemas de comunicação e navegação de aviões
e navios. Entender o fenômeno é a melhor maneira de prevenir tudo isso.
O Solar-T vai voar num balão
estratosférico até 40 km de altitude, para se livrar do manto opaco das
radiações em tera-hertz da atmosfera. A equipe de Kaufmann recebeu duas propostas
para voar quase sem custos. Na Universidade da Califórnia o Solar-T deve voar
com o experimento de raios gama Grips (gamma-ray imager-polarimeter for solar flares), que tem um sistema automático de apontamento e rastreio
do Sol. Primeiro seria feito um voo de teste, de um dia no Texas, em setembro
deste ano por um grupo de lançamento de balões da NASA (com 80% de
probabilidade de confirmação). O outro convite é para uma missão de 7 a 10 dias
sobre a Rússia, em colaboração com o Instituto de Física Lebedev de Moscou.
Nesse caso será necessário desenvolver um novo sistema de direcionamento para o
Sol, o que exigiria mais recursos.
Projeto
Solar flare THz measurements
from space: phase I (2012-2013) (nº 2010/51861-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Pierre Kaufmann (Universidade
Presbiteriana Mackenzie); Investimento R$ 429.972,33 e US$ 64.000,00 (FAPESP).
Artigo científico
Kaufmann, P. et al.; Correia,
E.; Costa, J.E.R.; Vaz, A.M.Z.; Dennis, B.R. Solar burst with
millimetre-wave emission at high frequency only. Nature. v. 313, p. 380. 1985.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 219 – Maio de
2014
Comentário: Pois é, já havíamos abordado esse projeto
aqui no blog anteriormente e ele é um exemplo do que podemos realizar se houver
seriedade e compromisso com o país. Felizmente esse projeto vem se juntar aos
poucos que já existem no Brasil nessa área, em grande parte mais pelo esforço
de abnegados pesquisadores do que por uma política de ciência e tecnologia eficiente
e comprometida com o desenvolvimento do país como deveria ser. Uma pena, mas felizmente para nós
existem pesquisadores no Brasil que tentam apresentar resultados nesse caos político
administrativo em que somos obrigados a viver por causa desses energúmenos que
não largam o osso.
Apesar de tudo,tem alguém fazendo alguma coisa.
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