Cube e Nano Satélites - Um Novo Conceito para o Setor Espacial
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo escrito pelo Dr.
Otávio Durão (INPE) publicado na edição de março da Revista Tecnologia &
Defesa e postado dia (11/05) no "Blog Panorama Espacial", do companheiro André
Mileski, tendo como destaque o universo de cubes e nanossatélites.
Duda Falcão
Cube e Nano Satélites -
Um Novo Conceito para o Setor Espacial
Dr. Otávio Durão (*)
Revista
Tecnologia & Defesa
Edição
nº 136
Março
de 2014
Blog
Panorama Espacial
11/05/2014
Projetos espaciais, historicamente, são vistos como uma
atividade para poucos. Poucos países e poucas instituições e indivíduos. Isso
porque seus custos são altos, sua tecnologia complexa e seus riscos também
altos. Esta noção foi corroborada no tempo da Guerra Fria que limitou mais
ainda os participantes do clube espacial, porque os detentores desta
tecnologia, por razões de defesa, não permitiam o acesso a ela por muitas
outras nações, e porque seus custos eram cobertos pelos orçamentos militares. E
orçamentos militares tendem a ser generosos quando a ameaça de conflitos
existe. Com o fim daquele período, estes orçamentos tenderam à diminuição.
Praticamente, todos os programas espaciais no mundo para o setor espacial
tiveram sua origem nesta época e se beneficiaram dos gastos com defesa,
inclusive o brasileiro, devido ao caráter dual desses programas. As empresas de
desenvolvimento de satélites e lançadores foram, na sua grande maioria, também
dimensionadas por aqueles investimentos, assim como suas infraestruturas e
custos fixos.
Mas este tempo parece estar terminando. As verbas
militares encolhem ou a se tornam mais eficientes, e empresas e governos já
sentem dificuldades para manter o mesmo nível de carteiras e projetos. O setor
espacial está sendo afetado por esta mudança e, claramente, busca saída de
redução de custos e maior eficiência, com uma melhor relação custo/benefício
dos dados gerados por seus produtos.
Em paralelo, o mundo assistiu nas últimas décadas à
revolução eletrônica que atingiu dramática e favoravelmente setores como o de
comunicações e computação, para citar dois dos mais visíveis. São componentes
mais eficientes, menores, mais baratos e com maior capacidade a cada dia. O
campo espacial viu este movimento sem nele se engajar, até aqui, como usuário,
por dois motivos. Primeiro, porque havia recursos para pagar por componentes
qualificados espacialmente, às vezes ordens de grandeza mais caros, e mais
antigos, e também porque o desenvolvimento de um projeto demorava vários anos
mantendo-se os componentes escolhidos na fase de especificação. Na presente
conjuntura, empresas e governos buscam agora projetos mais baratos, menores,
com o uso desses componentes e que possam assimilar/mitigar riscos associados
ao meio espacial (radiação notadamente) com esta mudança. Vale dizer que, em
muitos casos, não há perda de capacidade com isso, ao contrário.
Histórico
No início deste século, dois professores de Stanford e
Cal Poly, nos Estados Unidos, respectivamente Bob Twiggs e Jordi Puig-Suari,
“inventaram” (mas não patentearam) um padrão para o desenvolvimento de pequenos
satélites. Muito pequenos realmente, e o denominaram de cubesat, devido
ao formato de um cubo com 10 cm de aresta, volume de um litro e massa de um
quilo. O padrão foi instituído através de um documento de Conceptual Design
Specification (CDS), que teve sua 13ª revisão em 2013, ainda preliminar.
O padrão e o desenvolvimento de cubesats,
inicialmente, tinha o objetivo de permitir a alunos a praticar com projetos que
emulam os maiores, já que são lançados em órbita, transmitem dados a uma
estação de solo e possuem vários dos sistemas de um satélite de muito maior
porte, como computador de bordo, subsistemas de transmissão e recepção, de
energia, controle etc. São ainda capazes de transportar uma carga útil, como
uma câmera, um experimento científico ou um componente para ter seu desempenho
testado. E isso, a um custo de algumas centenas de milhares de dólares.
O cubesat mais antigo em operação tem mais de 10
anos no espaço, e foi desenvolvido pela Universidade de Tóquio. Vários outros
voam há mais de 5, 6 ou 7 anos. Como todos usam somente componentes eletrônicos
ditos “de prateleira” (COTS – components off the shelf), ou seja
industriais, sem especificação espacial ou mesmo militar, isso começa a criar o
que se chama no setor de “herança” espacial (heritage). Ou seja, muitos
componentes para radio e computador de bordo, antenas, e outros (exceto as
células dos painéis solares que possuem qualificação espacial) já se provaram
resistentes à radiação suficientemente para serem incorporados a diversos novos
projetos em curso.
Na América do Sul, a Colômbia possui um cubesat em
operação há cerca de cinco anos. Peru, Argentina e Equador já lançaram os seus
mais de uma vez. Em novembro passado, houve um lançamento simultâneo de 32 cubesats
“de carona” em um lançador russo, DNEPR, e cerca de 15 dias após, outros 28
foram lançados por um lançador Minotauro, norte-americano. Ou seja, somente
naquele mês, mais de 60 cubesats foram lançados. Um recorde que dá uma
ideia do que vem por aí.
O padrão 1U cubesat (cubo de 10 cm de aresta, 1
kg. de massa e 1 litro de volume) começou a ser expandido para 2U, 3U, 6U, 8U,
12U, e assim sucessivamente, simplesmente “montando-se” cubesats maiores
com a unidade inicial 1U como se fosse um Lego montado a partir da mesma e
preservando-se o padrão cubesat em cada U. Isso proporcionou o
desenvolvimento de nano satélites com maiores capacidades operacionais e com
objetivos, inclusive comerciais, e científicos. Foi expandida a possibilidade
desses engenhos para além da sala de aula e do ambiente acadêmico, passando
para os campos industrial e comercial. Muitos dos cubesats lançados em
novembro têm essas características e dimensões.
Desenvolvimento, Lançamento e Operação
Um cubesat 1U segue os padrões mencionados acima e
é montado como em um sistema “marmita”, com seus subsistemas colocados em
paralelo na estrutura, em um padrão conhecido como PC-104. A figura 1 ilustra
um cubesat 1U sem os painéis solares laterais que recobrem todo o cubo.
Usualmente, as frequência de transmissão e recepção são em faixas de
rádio-amadores (VHF/UHF), mas cubesats mais modernos usam banda S e
outras de maior capacidade.
Da mesma forma, a interface com o lançador também é
padronizada e denominada POD (Picosatellite Orbit Deployer). O documento
CDS também apresenta o padrão para o POD.
Com isso, cubesats podem ser lançados por
diferentes vetores por ser padrão a sua interface com eles. Vários lançadores
já fizeram isso como PSLV (Índia), Minotauro (Estados Unidos), Vega (Comunidade
Europeia) e DNEPR (Rússia), para citar alguns.
O lançamento de um cubesat é sempre feito “de
carona”. Aproveita-se um lançamento já existente de um satélite de grande ou
médio portes, e adaptam-se POD´s no último estágio do lançador, carregados de cubesats.
Essas interfaces estão aumentando de tamanho e capacidade, de forma a levar
satélites maiores e em maior número. As estações são, em geral, de baixo custo
como todos os itens. Um cubesat 1U pode ser desenvolvido, lançado e ter
sua própria estação por cerca de R$ 700 mil.
Projetos Nacionais
O primeiro cubesat nacional está previsto para ser
lançado em maio/junho deste ano. É o NanosatC-Br1, feito em cooperação entre o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). É do padrão 1U e sua missão científica é medir dados do
campo magnético da Terra, com um magnetômetro, principalmente na região
conhecida como Anomalia Magnética do Atlântico Sul. Dois outros experimentos
tecnológicos voarão juntos, sendo os dois primeiros circuitos integrados
projetados no Brasil com características de resistência à radiação, para uso espacial.
O primeiro, projetado pela Santa Maria Design House, da UFSM, foi fabricado na
Alemanha, pois ainda não havia possibilidade de produzi-lo localmente. O
segundo, um produto do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), é um software que será colocado em um componente FPGA
industrial com característica de tolerância a falhas causadas por radiação.
Optou-se por adquirir a plataforma do cubesat de uma empresa
internacional, a holandesa ISIS, e oferecer a possibilidade de testes com
cargas úteis desenvolvidas no Brasil. Esta é uma das grandes utilidades dos cubesats.
Servir de plataforma de testes no espaço de novos componentes, produtos e
experimentos.
As cargas úteis do NanosatC-Br1 foram integradas à
plataforma, tendo elas e todos os seus subsistemas, performances nominais após
a operação. O NanosatC-Br1 passou por testes de vibração e ambientais na
segunda quinzena de março, antes de ser enviado para o seu lançamento, já
contratado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), e será feito em território
russo, com o DNEPR. Duas estações de solo foram montadas e encontram-se
operacionais recebendo dados de outros cubesats na UFSM e no Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA).
O mesmo grupo do INPE e da UFSM que atua no NanosatC-Br1 também trabalha, no
momento, no NanosatC-Br2, desta vez um 2U, com dois litros de volume e,
portanto, praticamente o dobro da capacidade para cargas úteis, que serão uma
sonda de Langmuir, para obtenção de dados da ionosfera (experimento de cientistas
do INPE), e o primeiro subsistema de determinação de atitude desenvolvido no
Brasil, e com tripla redundância (uma cooperação entre o INPE, a Universidade
Federal de Minas Gerais, e a Universidade Federal do ABC). O NanosatC-Br2 tem
seu lançamento previsto para 2015. Tanto o NanosatC-Br1 quanto o Br-2 são
projetos originários do Centro Regional Sul do INPE, localizado em Santa Maria
(RS), no campus da UFSM.
Um outro projeto surgiu no Centro Regional Nordeste do
INPE, localizado em Natal (RN), no campus da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Trata-se do CONASAT, de maior porte, com o uso de um nano
satélite 8U, no padrão cubesat. Suas pretensões são substituir o atual
sistema SCD (Satélite de Coleta de Dados), lançados em 1993 e 1998, e ainda em
operação. Enquanto os SCD-1 e 2 têm massa superior a 100 kg cada e consistem em
um prisma octogonal com cerca de um metro de altura, o CONASAT tem 8,4 kg, com
redundância em todos os seus subsistemas e carga útil, e consiste de um cubo de
20 cm de aresta. O transponder de carga útil, desenvolvido em cooperação
com a UFRN, utiliza os padrões cubesat e constitui-se de três placas de
10X10 cm com massa inferior a 300 g. Seu modelo de engenharia está em testes e
a plataforma do satélite poderá estar disponível no final deste ano.
Vários outros projetos de cubesats estão em
andamento no Brasil, como o do Instituto Federal Fluminense (IFF), em parceria
com uma universidade espanhola, e aceito para fazer parte da missão da Agência
Espacial Europeia chamada QB50, que lançará simultaneamente 50 cubesats
para medidas atmosféricas. O ITA, em conjunto com o INPE, também trabalha em um
cubesat, o AESP-14, com o intuito de desenvolver os subsistemas de uma
plataforma 1U. Algumas outras universidades brasileiras também atuam ou estão
em processo de se iniciar no campo dos cubesats, como a Universidade de
São Paulo, a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade Federal de
Minas Gerais.
Assim como o meio civil busca aplicações em que cube e
nano satélites possam ser utilizados por seus baixos custos, o setor de defesa
também o faz. A Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) lançou, no fim do ano
passado, os seus primeiros cubesats para comunicação de pacotes de voz
para áreas remotas. O Brasil participa, através do Comando da Aeronáutica, do
rastreio desses sobre o território nacional em cooperação com a USAF.
Sensoriamento remoto e infravermelho estão em análise. Uma outra aplicação em
testes é para sistemas de identificação de navios (AIS – Automatic Identification
Systems), como o Tríton, cujo primeiro cubesat da constelação foi
lançado em novembro de 2013 para prova de conceito. O Programa Estratégico de
Sistemas Espaciais (PESE), do Ministério da Defesa, não prevê a utilização de
cube e nano satélites, o que pode ter sido um erro, em virtude da necessidade
do requisito do uso de satélites com Estoque de cubesats. Até onde se
poderá ir? Esta é a grande questão que o setor espacial, indústria e academia
tentam responder. Que tipo de aplicações esses satélites poderão suprir? As
perspectivas hoje eram inimagináveis há dois ou três anos. Devido aos custos,
muitos países antes não relevantes na corrida espacial poderão participar.
Entretanto, ali são previstos recursos para estimular o desenvolvimento desse
tipo de satélites.
Possibilidades Futuras e Dificuldades
Nem todos os projetos espaciais poderão ser substituídos
por cube e nano satélites. Há limites de geração e armazenamento de energia a
bordo para certas aplicações que inviabilizarão o seu uso em algumas
aplicações. Mas, ainda nesses casos, eles podem ser complementares e cobrir
estágios intermediários.
Há também dificuldades a serem superadas como o excesso
de debris que causarão no espaço, a maior agilidade do setor de
regulamentação, principalmente para a concessão de frequência (em comparação
com o prazo para o seu desenvolvimento) e a oferta de pequenos lançadores para
lançamentos dedicados, em que não se tenha que utilizar a mesma órbita do
lançamento principal.
Por outro lado, o uso de constelações desses satélites,
além do aumento em massa e volume do uso do padrão cubesat para
satélites na classe de 10 a 20 kg., aumentará em muito a capacidade e o
potencial de uso. Empresas como a Planet Labs pensam em grandes constelações.
Assim, já assinou um contrato com a Google que prevê constelações de até 1.600
satélites cubesat! Este número é o dobro do total de satélites lançados
até hoje. E, a produção já começou.
(*) Otávio
Durão é engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Fonte: Revista Tecnologia & Defesa (T&D), Março
de 2014, Edição Nº 136 via Blog Panorama Espacial - 11/05/2014
Comentário: Pois é leitor, o Dr. Otávio Durão é um dos
maiores especialistas nesses tipos de satélites no Brasil e um dos pioneiros de
quando ainda se realizava ações significativas no Programa Espacial Brasileiro.
Excelente artículo.
ResponderExcluirSaludos desde Argentina
Hola Gustavo!
ExcluirMéritos son el Dr. Otávio Durão que es el autor del artículo y un gran profesional del Programa Espacial Brasileño y el INPE.
Saludos desde Brasil
Duda Falcão
(Blog Brazilian Space)