Governo Temer Corre Para Tentar Acordo Com EUA Sobre Base de Alcântara: O Que Está em Jogo?
Olá leitor!
Segue abaixo uma notícia postada ontem (20/07) no site
“UOL Notícias” destacando que o Governo Temer está correndo para tentar Acordo
com EUA Sobre Base de Alcântara.
Duda Falcão
UOL NOTÍCIAS - Ciência e Saúde
Governo Temer Corre Para Tentar Acordo
Com EUA Sobre Base de Alcântara:
O Que Está em Jogo?
Por Mariana Schreiber
@marischreiber
Da BBC Brasil em Brasília
20/07/2018 - 09h11
Foto: Agência Espacial Brasileira via BBC
Se acordo com os EUA prosperar, acesso a determinadas
áreas do centro de lançamento será restrito.
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São quase quarenta anos de promessas desde que, em 1979,
a ditadura militar lançou a Missão Espacial Completa Brasileira prevendo a
criação de um centro espacial no país. Após três tentativas frustradas de
lançamento de foguetes VLS (veículos lançadores de satélites), umas dais quais
resultou em 21 mortes, o governo do presidente Michel Temer busca tornar a
proposta realidade por meio de um controverso acordo com os Estados Unidos
ainda este ano.
O objetivo é viabilizar o uso comercial do Centro de
Lançamento de Alcântara (CLA), no litoral do Maranhão, o que em outras palavras
significa gerar recursos alugando a base para países e empresas colocarem seus
satélites em órbita. O CLA pertence ao Estado brasileiro e é gerido pela Aeronáutica.
O local - escolhido nos anos 80 em detrimento de outra
região no Amapá por influência do então senador maranhense José Sarney, depois
presidente da República - é celebrado como uma das melhores zonas de lançamento
do mundo, já que sua localização muito próxima da linha do equador permite uma
economia de cerca de 30% no combustível necessário para essas operações. O
Brasil, no entanto, nunca conseguiu por meios próprios realizar lançamentos
para colocar satélites em órbita. Já uma parceria com a Ucrânia consumiu desde
2007 R$ 480 milhões sem alcançar seu objetivo.
Um primeiro acordo de salvaguarda, cujo objetivo é evitar
que a tecnologia de um país seja roubada por terceiros, foi firmado com os EUA
em 2000, mas a iniciativa não foi pra frente devido às acusações de ameaça à
soberania nacional. O texto previa espaços de acesso restrito aos americanos,
entrada de contêineres lacrados que não sofreriam inspeção e também proibia que
determinados países laçassem foguetes do Brasil.
O governo negocia agora um texto mais palatável que possa
superar as resistências políticas, já que o acordo só entrará em vigor se
aprovado no Congresso Nacional. O Brasil enviou uma sugestão para os EUA em
2017 e recebeu uma contraproposta em maio. Agora, diversos órgãos como
Itamaraty, Agência Espacial Brasileira e Aeronáutica trabalham em uma nova
versão. Há expectativa de um acordo final ainda neste ano.
Os documentos estão em sigilo - autoridades envolvidas
ouvidas pela BBC News Brasil reconhecem que os americanos mantêm diversas
exigências que geraram controvérsia no início da década passada, mas sustentam
que houve avanços principalmente de "redação", de modo a explicar
melhor as intenções do acordo e gerar menos "sensibilização
política".
Foto: Agência Força Aérea / Sgt. Rezende
Países como China, Índia e Argentina deixaram
o Brasil
para trás na exploração espacial.
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"Hoje nós temos um texto que consideramos melhor que
aquele dos anos 2000", afirma o diretor da Agência Espacial Brasileira
(AEB), José Raimundo Braga Coelho, no comando da instituição desde a
administração Dilma Rousseff.
Defensores da proposta na AEB e na Aeronáutica dizem que
é "impossível" viabilizar o uso comercial de Alcântara sem o acordo
com os Estados Unidos, porque o país domina boa parte da tecnologia espacial. É
comum que outros países usem componentes americanos em seus lançadores e
satélites - sem o acordo de salvaguarda, eles não poderiam acessar o espaço a
partir de Alcântara.
Esses entusiastas querem que os recursos usados com a
comercialização do centro sirvam para desenvolver o programa espacial
brasileiro, hoje bem atrás do de países como China, Índia e Argentina, que há
algumas décadas estavam em estágio semelhando ao nosso. Durante as entrevistas,
eles pediram que a reportagem procurasse usar o termo "centro de
lançamento" ao invés de "base de Alcântara", preocupados em
dissipar a imagem de projeto militar.
Eles afirmam ainda que acordos de salvaguarda entre
países são praxe nessa área e negam que comprometam a soberania nacional. Sua
esperança é que, passados 18 anos da primeira tentativa de entendimento com os
EUA sem que o programa espacial brasileiro tenha apresentado desenvolvimento
relevante, a oposição ao acordo arrefeça.
"Em aviação, a gente costuma dizer: se você quer um
risco zero, não decole, porque, se você decolar, é baixa a probabilidade (de
acidente), mas pode acontecer. Então, a soberania hoje em Alcântara é 100%, não
tem ninguém lá, mas não tá acontecendo nada", afirma o presidente da
Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE), órgão
responsável pela implantação dos sistemas espaciais de Defesa, o
major-brigadeiro do ar Luiz Fernando de Aguiar.
Pontos Polêmicos do Acordo Com os EUA
Entre os pontos polêmicos do acordo, Aguiar diz que há
avanços por exemplo na entrada dos componentes americanos no Brasil, que,
segundo o texto de 2000, poderiam ingressar em contêineres lacrados, sem
qualquer inspeção.
"Saberemos o que está sendo transportado. 'Ah, está
sendo transportado um pedaço de um satélite?' Confere o satélite. 'Ah eu quero
ligar esse satélite e ver em que frequência ele opera'. Infelizmente isso no
acordo de salvaguarda tecnológica não é previsto. 'Mas eu não estou trazendo
uma bomba, algo diferente do que esta reportado no relato de importação'. 'Ok,
conferido, obrigado'", exemplificou.
Foto: Agência Força Aérea / Sgt. Rezende
O governo agora tenta gerar recursos permitindo que
a
base de Alcântara (MA) seja usada por outros países.
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Por outro lado, a atual negociação mantém a previsão de
que os EUA terão acesso restrito a algumas áreas do centro, onde estiver sendo
operada tecnologia americana. Durante esse processo, pessoas não autorizadas
pelos americanos não poderão ingressar no local. O presidente da AEB, Braga
Coelho, argumenta que isso ocorreria temporariamente, não representando uma
cessão definitiva de território brasileiro aos americanos.
Também foi alvo de críticas em 2000 o artigo que proibia
o uso de recursos gerados pelo centro de Alcântara no desenvolvimento de
lançadores (foguetes) brasileiros. Braga Coelho explica que o governo americano
tem regras internas que o proíbem de investir em foguetes de outros países e
por isso não é possível retirar esse ponto. Ele diz, porém, que "dinheiro
não tem cor" e, como os recurso iriam para o Tesouro (caixa comum da
união), poderiam depois ser destinados para qualquer área. A Agência Espacial
Brasileira também estuda no momento modelos de negócios para exploração
comercial do centro - uma das possibilidades é fazer uma operação em parceria
com o setor privado e, nesse caso, não há restrição para que empresas invistam
os recursos em foguetes, afirma ele.
Outro ponto que gerou resistência e que deve ser mantido
no novo acordo é a restrição para que a base de Alcântara seja usada por países
considerados terroristas ou que não tenham aderido a um acordo internacional
chamado MTCR (Missile Technology Control Regime), cujo objetivo é evitar o
desenvolvimento "sistemas de distribuição não tripulados capazes de
entregar armas de destruição em massa".
A China, que é parceira do Brasil desde os anos 80 em um
programa de desenvolvimento de satélites, não aderiu a esse acordo. Por isso, o
Brasil não poderia lançar de Alcântara esses satélites, os CBERS.
"Esse acordo a princípio não nos permitiria, a não
ser que a gente tivesse uma discussão entre Brasil e Estados Unidos que
autorizasse o lançamento. Mas poderíamos continuar lançando da China, que tem
várias centros", ressaltou Coelho.
Foto: Cícero Bezerra / Acervo Pessoal
Celso Amorim (PT): 'Durante a minha época, eu mesmo
me
encarreguei de barrar (o acordo com os EUA)'.
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Ministro das Relações Exteriores durante todo o governo
Lula (2003-2010) e da Defesa no primeiro mandato da Dilma (2011-2014), Celso
Amorim continua crítico do acordo. Segundo ele, durante sua gestão, o uso de
Alcântara nunca foi uma prioridade trazida pelos americanos para a agenda
bilateral. De acordo com o ex-chanceler, a demanda partia mais de setores
técnicos do governo brasileiro que viam o uso comercial de Alcântara como forma
de gerar recursos para investir no programa espacial brasileiro. Na sua
avaliação, porém, o setor deve ser desenvolvido a partir de investimentos do
Estado, sem que isso signifique acordos que "firam a soberania
brasileira".
"Durante a minha época não houve nenhum avanço, eu
mesmo me encarreguei de barrar. Nunca houve uma formulação que me satisfizesse
do ponto de vista da preservação da soberania nacional", contou à BBC News
Brasil.
"Um acordo que diz que não podemos lançar nosso
satélite (desenvolvido com os chineses) de Alcântara, isso é um absurdo total.
Há valores mais altos do que o ganho imediato comercial que você possa ter. E
você não deve ceder nenhum espaço do território brasileiro. Começa ali em
Alcântara, depois vai pra Amazônia", criticou ainda.
Amorim ressaltou também que o acordo não prevê qualquer
transferência de tecnologia. As autoridades envolvidas na atual negociação
reconhecem isso e enfatizam que o acordo serve exatamente para proteger os
investimentos tecnológicos feitos pelos americanos, o que argumentam ser algo
natural. Sustentam, porém, que o uso do centro após esse acordo pode criar
oportunidades de futuras parcerias.
"Esse não é o melhor acordo do mundo, mas é um
acordo bom. O melhor acordo do mundo seria: eu ganho tecnologia, eu ganho tudo,
não pago nada, eles pagam muito, isso não existe. Tecnologia não se dá de
graça, você tem que gramar", afirma o major-brigadeiro do ar Luiz Fernando
de Aguiar.
Os entusiastas da negociação com os americanos argumentam
ainda que acordos do tipo são comuns no mundo, e citam tratados dos EUA com
Rússia e Nova Zelândia, por exemplo.
Foto: Agência Força Aérea / Sgt. Johnson
O centro lançou foguetes de sondagem, mas as três tentativas
de lançar VLS (Veículo Lançador de Satélites) fracassaram.
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A BBC News Brasil comparou os textos desses acordos com aquele
negociado em 2000. O acordo com a Rússia, de 2006, é diferente já que não trata
de lançamentos em território russo, mas do desenvolvimento de um centro
marítimo, para lançamentos do meio do oceano, desenvolvido por empresas da
Noruega, Ucrânia, Rússia e Estados Unidos. Nesse caso, o texto prevê as
garantias de proteção da tecnologia russa, já que o centro ficava ancorado na
costa da Califórnia. O acordo não previa, por exemplo, a entrada de contêineres
lacrados nos EUA, permitindo que os americanos, sempre em conjunto com os
russos, realizassem a inspeção do material.
Já o acordo firmado com a Nova Zelândia em 2016 para uso
de um centro de lançamento no país tem termos parecidos com os negociados com o
Brasil, estabelecendo áreas cujo acesso é controlado pelos americanos, por
exemplo.
Qual o Potencial da Base de Alcântara?
Após anos tentando desenvolver um foguete VLS (Veículo de
Lançamento de Satélites), o Brasil abandonou esse projeto. Foram três
tentativas frustradas de lançá-lo de Alcântara - na última delas, em 2003, o
foguete explodiu em solo e provocou 21 mortes.
O governo decidiu focar então no desenvolvimento do VLM
(Veículo Lançador de Microsatélite), que hoje apresenta potencial comercial
mais promissor e cuja conclusão está prevista para até 2020. Mais baratos, os
satélites menores tem se tornado cada vez mais importantes para a produção de
imagens da terra, vigilância, navegação por GPS e comunicação por internet.
O Space Enterprise Council, que representa a indústria
espacial norte-americana, estima que até 2022 podem ocorrer até 600 lançamentos
de satélites de até 50 quilos e que o Centro de Lançamento de Alcântara poderia
abocanhar 25% desse mercado.
Apesar disso, as autoridades brasileiras dizem que não é
possível ainda estabelecer qual o potencial econômico do centro da Alcântara.
Michele Melo e Carolina Pedroso, analistas em Ciência e Tecnologia da AEB,
estão estudando quais os modelos de negócios possíveis. Elas explicaram à BBC
News Brasil que não há hoje uma base de lançamento no mundo focada em
microsatélites que possa servir de parâmetro para o brasileiro.
Foto: Cícero Bezerra / Acervo Pessoal
Governo
quer ampliar base para exploração comercial, o que exigiria novas remoções de unidades quilombolas. |
Segundo as analistas, hoje, a infraestrutura de
lançamentos em Alcântara está quase pronta para ser explorada comercialmente,
graças aos investimentos feitos na época do acordo com a Ucrânia e dos
lançamentos de foguetes de treinamento e de satélites suborbitais com
experimentos científicos curtos (89 nos últimos dez anos) que são realizados
para manter a estrutura do centro funcionando. A parte logística, porém,
exigirá investimento em um novo porto, melhoria do aeroporto e da rede
hoteleira. Algumas estruturas da época do acordo com a Ucrânia ficaram
incompletas e estão "abandonadas", segundo lideranças quilombolas da
região.
Resistência Contra Novas Remoções
Além da polêmica em torno do possível acordo com os
Estados Unidos, outra questão delicada envolvendo o centro de Alcântara é o
impacto sobre comunidades tradicionais locais. A região foi ocupada no período
colonial por produtores de cana-de-açúcar e algodão que usavam mão de obra
escrava - após o declínio dessas atividades, os ex-escravos tomaram posse das
terras e fundaram os quilombos.
Quando o CLA foi criado, 312 famílias de 24 povoados que
viviam da pesca foram removidas da costa e fixadas no interior em agrovilas, o
que modificou completamente seu modo de vida. Agora o governo diz que precisa
realizar novas remoções para ampliar o potencial de uso do centro de lançamento
Foto: Cícero Bezerra / Acervo Pessoal
Movimentos sociais da região estão apreensivos com
a
possibilidade de mais remoções de moradores.
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Segundo Danilo da Conceição Serejo Lopes, representante
do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), as
lideranças não foram formalmente comunicadas sobre a intenção do governo de
expandir o centro. Ele diz que as comunidades acompanham com
"apreensão" a retomada das negociações com os EUA e afirma que
nenhuma família foi indenizada na primeira remoção.
"Houve toda uma desestruturação cultural e social das
famílias removidas. Não existe nenhuma possibilidade de sair (mais famílias
agora), não tem negociação", afirmou, criticando ainda a intenção de
"entregar a base para os estrangeiros".
De acordo com Lopes, em 2008 houve um acordo, mediado
pelo Ministério Público Federal, com a Advocacia Geral da União (AGU), que
reconhecia os territórios quilombolas e interditava novas remoções. Questionada
pela BBC Brasil, a Casa Civil, órgão que está responsável pela questão das
comunidades, disse por email que "em 2008 foi aberto via AGU um canal de
diálogo com as comunidades quilombolas locais" e que "tal processo
não resultou em maiores definições até o presente momento".
"O governo federal está estudando medidas envolvendo
políticas públicas e questões sociais na região de forma concomitante",
ressaltou ainda a Casa Civil
Foto: Cícero Bezerra / Acervo Pessoal
Historiadora que mora na região diz que a população
local
viu mais impactos negativos do que positivos
desde a chegada da base.
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Já o major-brigadeiro do ar Luiz Fernando de Aguiar disse
que é possível operar inicialmente Alcântara com três bases de lançamento
considerando suas dimensões atuais. Ele defendeu que o uso comercial seja
iniciado sem essa ampliação pois acredita que isso trará benefícios para a
comunidade, facilitando no futuro convencê-las sobre a expansão.
Até agora, ao menos, a população de Alcântara viu mais
impactos negativos do que positivos com a vinda da base, diz a historiadora
Karina Scanavino, que há 30 anos vive na região e é diretora do Museu Casa
Histórica de Alcântara (MCHA). A pobreza foi reduzida nos últimos anos muito
mais pelos programas sociais do que por atividades econômicas relacionadas ao
CLA, já que a população em geral não tem qualificação para trabalhar lá.
"Não é que a população seja contra a base, mas não
vê benefícios. Nesses 30 anos, Alcântara não prosperou, patinou", lamenta.
Fonte: Site UOL Notícias – https://noticias.uol.com.br
Comentário: Pois é leitor, tá ai a visão da BBC Brasil
sobre este assunto. Aproveito para agradecer a leitora Mariana Amorim Fraga
pelo envio desta notícia.
Boa matéria, obrigado por compartilhar. Curioso é que o pragmatismo (indispensável, dadas as condições atuais de investimento no Brasil) parta do Major-Brigadeiro, e a rigidez (em nome de uma suposta soberania, conceito obsoleto em se tratando de C&T) parta do ex-Ministro do MRE - em tempos passados, era diferente. Esperemos que as questões pendentes sejam elucidadas e o centro venha a funcionar a todo vapor!
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