Alemanha é “Nosso Único Parceiro” no Tocante a Foguetes, Diz Dolinsky

Olá leitor!

Segue abaixo uma matéria publicada na edição de nº 52 de novembro de 2016 do “Jornal do SindCT”, tendo como destaque interessantíssimas declarações feitas pelo engenheiro Mauro  Melo Dolinsky (DCTA) sobre a parceria Brasil-Alemanha na área de foguetes, declarações estas feitas com exclusividade em entrevista à jornalista Shirley Marciano antes do lançamento do VSB-30 da “Operação Rio Verde”. Vale a pena conferir.

Duda Falcão

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Operação Rio Verde

Alemanha é “Nosso Único Parceiro”
no Tocante a Foguetes, Diz Dolinsky

Em declarações feitas com exclusividade ao Jornal do SindCT antes do lançamento
de 7/12 em Alcântara, Mauro Dolinsky, engenheiro do DCTA e um dos precursores
do VSB-30, explica a parceria com a Alemanha

Por Shirley Marciano
Jornal do SindCT
Edição 52ª
Novembro de 2016

Foto: Assessoria de Imprensa do CLA
Equipes do IAE, DLR e responsáveis por experimentos
com a carga útil MICROG2 pronta para voo.

Embora inovadora, a parceria com a Alemanha em torno do VSB-30 resultou de um processo  decisório  “relativamente   simples”.  Assim  entende  o  engenheiro  Mauro  Melo  Dolinsky,  do  Departamento  de  Ciência  e Tecnologia  Aeroespacial  (DCTA),  que  participa  do  projeto  desde  seus  primórdios.  Ao  responder  às  perguntas  que  lhe  foram  encaminhadas    com    exclusividade   pelo   Jornal do  SindCT,  ele  historia  os  principais passos do projeto  de  desenvolvimento  do  veículo lançador, inclusive os “três dias exaustivos de reunião”  com  autoridades  espaciais e empresas europeias  para  aprovação  dos  lançamentos   na   Europa,   em 2005.

Dolinsky avalia que o “único” parceiro real do Brasil no programa  espacial,  em  matéria  de  lançadores,  é  o Centro  Aeroespacial  Alemão  (DLR):  “Quanto  às  parcerias,  em  minha opinião, o DLR é o único que temos. Com outras organizações e países, no que se refere a foguetes, só podemos até agora falar de acordos comerciais”.

Ainda no campo das parcerias com o DLR, o engenheiro  aponta  diferenças entre o VSB-30 e o VLM-1, “um projeto bem mais complexo e caro”, no qual são aplicados recursos dos dois  países com partição de responsabilidades e é outra a ideia inicial de participação da indústria.  “No  VSB-30, a indústria participa da fabricação de cerca de 80% do produto, mas sempre sob o comando do IAE”, ao passo que “a indústria nacional terá muito mais atribuições no projeto VLM-1 que no VSB-30, o que pode ser um ganho, mas também é um risco”.

Como foi o processo de decisão, à época, para firmar essa parceria com a Alemanha para o VSB-30?

Dolinsky -  Na minha percepção, embora o processo tenha sido inovador, a decisão foi relativamente  simples, sobretudo porque contou com o apoio imediato das autoridades acima   do IAE. Melhor explicar um pouco os antecedentes que levaram esse processo de decisão ser visto por mim como simples:

1.  Nossa  parceria  com  o DLR-Moraba [sigla para Mobile Raketenbasis, ou “Base Móvel de  Foguetes”] da  Alemanha  vinha de longa data não apenas por meio de lançamentos conjuntos, mas, também por meio de formação de pessoal em diversas áreas de conhecimento;

2. Em 1996, essa organização nos procurou porque tinha um lançamento compromissado (experimento  “Ronald”),  em  que  os  estudos  preliminares  indicavam que o propulsor S-30 do IAE (primeiro estágio do biestágio Sonda III), caso viesse a ser utilizado como propulsor  único em um veículo de sondagem, permitiria cumprir a missão desejada de forma mais  adequada que os foguetes disponíveis na Europa;

3. Isso foi viabilizado rapidamente pelo IAE e em 1997, depois de um lançamento no Brasil do veículo  que  recebeu  o nome de VS-30, foi realizado, com êxito, o primeiro lançamento do experimento  “Ronald”, a  partir do Centro Espacial de Andoya, na Noruega;

4. A partir daí, esse tipo de veículo e um dele derivado (VS-30/Orion), também  a  pedido  e  com  cooperação  do  DLR,  passaram a ser utilizados tanto aqui no Brasil como na Europa  e os  trabalhos  conjuntos envolvendo veículos de sondagem com o DLR mostravam-se altamente eficientes, além de permitir manter nossos profissionais treinados e motivados com os desafios superados; e

5. Além disso, os lançamentos na Europa funcionavam como marketing da nossa capacitação, o que também é motivador, inclusive para a sociedade brasileira.

Em 2001, houve uma consulta do DLR sobre a possibilidade de desenvolver um propulsor a ser utilizado como booster (denominado como propulsor S31 pelo IAE) para o foguete VS-30, de forma a incrementar seu desempenho para um possível  emprego no Programa Europeu de Microgravidade, em substituição a um foguete utilizado pelo DLR--Moraba  (Skylark  7), que havia deixado de fabricado e do qual possuíam poucas unidades em estoque.

Considerando que tal desenvolvimento era também de interesse para o Brasil, não somente por um possível incremento de recursos financeiros, mas, sobretudo, pela possibilidade de emprego no Programa  Brasileiro de Microgravidade da AEB, havia uma boa oportunidade para se firmar um acordo em que os dois lados ganhassem.

Assim, contando com o apoio da AEB, nossas autoridades (CTA e DEPED, na  época), conhecedoras dos antecedentes citados acima, ficaram sensíveis aos argumentos do IAE e do DLR, permitindo que fosse firmado um compromisso onde, com a utilização de recursos oriundos do exterior (e, portanto, não orçamentários) e com a realização de trabalhos técnicos conjuntos poderia ser viabilizado o desenvolvimento do VSB-30, com um primeiro lançamento em prazo curto e a entrega de um VSB-30 para uso do DLR, em caso de êxito.

A pesquisa e o desenvolvimento dos motores, os testes e, por fim, a qualificação fluíram de forma tranquila ou os senhores tiveram de enfrentar dificuldades técnicas ou mesmo de orçamento na parte brasileira naquele momento?

Dolinsky - Creio que hoje podemos dizer que todas as etapas vencidas foram tranquilas, mas os requisitos para o desenvolvimento eram bastante rigorosos, como as limitações de distância para a queda dos propulsores e da carga útil (o Centro Espacial de Esrange, previsto como principal lançador do VSB-30, está localizado próximo da fronteira com a Noruega).

Ocorreu, também, que algumas hipóteses iniciais, como o aproveitamento de impulsores de rotação que estariam disponíveis na Europa, não se concretizaram, ampliando nossas tarefas de desenvolvimento ou de adequação de produtos inicialmente destinados a outras finalidades. Esses e diversos outros obstáculos foram vencidos pela fortíssima equipe técnica disponível no IAE nessa  época e o próprio propulsor S30 teve seu sistema de ignição modernizado, inclusive com a utilização de Dispositivo Mecânico de Segurança (DMS). Naturalmente, isso foi estendido ao propulsor S31 e a todos outros propulsores dos  veículos  do  IAE.  Assim, após a qualificação em solo do novo propulsor S31 (em  2003), o primeiro VSB-30 foi lançado em 2004 e acabou se tornando o principal veículo de sondagem brasileiro com mais de vinte lançamentos  realizados, a grande maioria no exterior, e todos cumprindo o esperado pelos diversos clientes.

Com relação à qualificação, a primeira ocorreu para atender aos requisitos da Agência Espacial Europeia (ESA), com a participação de pessoal da ESA, do DLR, da Agência Espacial Sueca e de empresas europeias participantes da fabricação de plataformas de microgravidade. Após três exaustivos dias de reunião, em  2005, o VSB-30 foi aprovado para lançamentos a partir da Europa, tendo sido elogiada a documentação técnica apresentada, assim como as facilidades do IAE para o carregamento de motores com propelente sólido. A qualificação brasileira, mais  conhecida, também foi realizada por meio de também exaustivos trabalhos envolvendo o IAE e o IFI e, em 2009, o VSB-30 se  tornou o primeiro veículo certificado brasileiro.

Com relação à parte financeira, o projeto VSB-30 não teve problemas, pelo menos enquanto permaneci  no  IAE, uma vez que foram utilizados principalmente recursos  do  DLR, tanto para o desenvolvimento,  como para as primeiras fabricações.

Não resta dúvida de que o VSB-30 é um grande  sucesso  para  o  Brasil  na  área  espacial,  até  mesmo por ser o único  foguete-sonda  qualificado. Como poderia o nosso país viabilizar mais experiências exitosas como essa? A parceria com a Alemanha seria o fiel da balança?

Dolinsky - De certa forma está sendo tentado algo semelhante para o VLM-1, também com o DLR. A diferença é que no caso do VLM-1, um projeto bem mais complexo e caro, são aplicados recursos dos dois países com uma partição de responsabilidades. Assim, na parte nacional,  teremos que conviver com as dificuldades conhecidas de  licitação, de contratação e problemas decorrentes, geralmente resultando em prazos longos. A ideia inicial de participação da indústria também é diferente. No VSB-30, a indústria participa da fabricação de cerca de 80% do produto, mas sempre sob o comando do IAE, que cuida do carregamento com  propelente, dos testes de aceitação, da inspeção dimensional, do controle de qualidade, da documentação técnica e da integração final. Até onde sei a indústria nacional terá muito mais atribuições no projeto VLM-1 que no VSB-30, o que pode ser um ganho, mas também é um risco.

Quanto às parcerias, em minha opinião, o DLR é o único que temos. Com outras organizações e países, no que se refere a foguetes, só podemos até agora falar de acordos comerciais.

Acredito que o modelo poderia se estender a outras organizações e países desde que esses tenham  realmente interesse em utilizar nosso conhecimento ou produtos e que possam nos dar em troca algo equivalente.

Qual é a participação do senhor na Operação Rio Verde e qual a sua expectativa? Será que num futuro próximo conseguiremos comercializar o foguete e também os lançamentos  a partir do CLA?

Dolinsky-  Minha participação na Operação Rio Verde será  como adjunto do coordenador-geral da Operação, coronel-aviador Santana  Junior, e a minha expectativa é que ela transcorra de forma tranquila e que os resultados agradem a todos os clientes e demais profissionais  envolvidos, presencialmente ou à distância.

O VSB-30 pode ser comercialmente viável, mas depende de demanda nacional para a realização de experimentos em ambiente de microgravidade. Atualmente há cadência pequena  porque mesmo o mercado internacional  é restrito e tem a concorrência de veículos que se utilizam de propulsores oriundos do arsenal militar dos EUA e da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], fornecidos sem custo para  aplicações científicas. Além disso, o IAE tem que se dedicar mais à pesquisa e desenvolvimento que à produção. Já se tenta há algum tempo passar o VSB-30 para a indústria, mas com esse mercado de poucas encomendas o preço do produto pode não se tornar competitivo, levando-se  em  conta os custos internos  de uma indústria, substancialmente maiores que no IAE.

Uma solução seria aumentar o número de lançamentos nacionais, estimulando as universidades e centros de pesquisa a criarem experimentos a serem embarcados em cargas úteis de nossos veículos de sondagem. Essa solução também seria favorável a uma maior utilização do CLA.

Com relação ao uso do CLA por estrangeiros, embora  eu  acredite que isso possa ser mais bem estimulado, temos lá uma dificuldade em relação ao Centro Espacial de Esrange, da  Suécia, o principal ponto de partida do VSB-30 para experimentos de microgravidade: lá a carga útil cai em terra, sobre a neve, e o resgate é mais simples, mais rápido e menos arriscado. No CLA temos  que resgatar a carga útil no mar a uma razoável distância da costa maranhense, uma operação complexa,  demorada  e com alto risco de perda.  Outro problema é a corrosão causada pela água salgada, que dificulta a reutilização de parte da carga útil em outro voo, prática comum na Europa, por baratear os custos dos experimentos.

Por outro lado, para experimentos que não necessitem de resgate (ou em que problemas apontados para o resgate não se constituam empecilhos), o CLA é tão bom ou até melhor que a maioria dos centros disponíveis da Europa e nos EUA para lançamento de veículos de sondagem.


Fonte: Jornal do SindCT - Edição 52ª – Novembro de 2016

Comentário: Entrevista muito interessante e esclarecedora e parabenizo a jornalista Shirley Marciano por tê-la realizada. Nesta entrevista o Eng. Mauro Dolinsky apresenta algumas dificuldades que desconhecíamos (na realidade que não havíamos visualizado ainda) quanto ao uso estrangeiro do Centro de Lançamento de Alcântara, como no caso da carga útil cair no mar invés de cair em terra, como em Esrange e outros centros espalhados pelo mundo. Entretanto, eu acredito que essas dificuldades são contornáveis desde que haja compromisso do governo com o PEB (deixe de brincar de fazer programa espacial), buscando soluções que tornem o centro ainda mais competitivo barateando custos e assim atraindo o interesse estrangeiro, principalmente da comunidade científica latino-americana.

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