Brasil Desenvolve Braço Mecânico Para o Maior Observatório de Raios Gama do Mundo.
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo publicado na edição
de setembro de 2015 da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que o Brasil está desenvolvendo braço mecânico
para o maior observatório de Raios Gama do mundo.
Duda Falcão
TECNOLOGIA
Made in Brazil
Universidades e empresa do interior paulista desenvolvem
braço mecânico
para telescópios que serão instalados no maior observatório de
raios gama
MARCOS PIVETTA
Revista Pesquisa FAPESP
ED. 235 - SETEMBRO 2015
© DESY/MILDE SCIENCE COMM. / EXOZET
O braço metálico responsável por dar sustentação e
posicionar a câmera de 2 toneladas dos telescópios de médio porte do Cherenkov
Telescope Array (CTA), iniciativa internacional que pretende construir o maior
observatório de raios gama até 2020, será fabricado de acordo com as
especificações de um protótipo dessa estrutura desenvolvido no estado de São
Paulo. Concebido ao longo dos últimos quatro anos pela equipe de Luiz Vitor de
Souza Filho, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo
(IFSC-USP), em parceria com a Universidade Federal do ABC (UFABC) e uma empresa
de São José dos Campos, a Orbital Engenharia, o suporte mecânico made in Brazil bateu um projeto
rival francês, que também criou uma estrutura semelhante, e foi escolhido para
equipar 40 telescópios que devem ser montados e operados pelo observatório.
“Nosso protótipo cumpriu todas as exigências pedidas”, afirma Souza Filho, que
contou com dois financiamentos da FAPESP para o desenho e construção do braço
metálico.
Composta pela junção de 84 peças distintas, a estrutura,
de formato tubular, é feita de aço-carbono, pesa 4,5 toneladas e tem 16 metros
(m) de altura. Em novembro do ano passado, foi enviada desmontada à Alemanha
para ser instalada nas demais partes do protótipo do telescópio de 12 m de
diâmetro e submetida a testes. O suporte se mostrou extremamente estável, como
é exigido de um componente cuja principal função é conectar a base onde está o
espelho à câmera do telescópio e manter essas duas partes no alinhamento
correto. “Ele funciona bem”, diz o físico de partículas Stefan Schlenstedt, do
Deutsches Elektronen-Synchrotron (Desy), centro de pesquisa nos arredores de
Berlim, responsável pelo desenvolvimento dos telescópios de médio porte do CTA.
“Esperamos que o Brasil possa bancar ao menos 25 dessas estruturas.” As demais,
mesmo se construídas fora do país ou com verba de outros parceiros do CTA,
deverão ser idênticas ao desenho e ter a mesma qualidade do protótipo feito no
interior paulista, segundo Schlenstedt. O custo de fabricação do braço mecânico
criado pelo IFSC e a Orbital, empresa dedicada essencialmente à construção de
painéis solares para satélites, é de cerca de R$ 500 mil por unidade. O projeto
de desenvolvimento do protótipo da estrutura de apoio da câmera do telescópio
foi objeto de um pedido de patente por parte de seus criadores.
© RONALD NONES BORDUNI / ORBITAL
… Protótipo do telescópio de 12 m: estrutura criada no
Brasil,
formada por tubos prateados, conecta o espelho à câmera.
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Com um
orçamento total estimado em € 270 milhões, o CTA é um consórcio internacional
formado por 1.200 cientistas e engenheiros de 170 instituições de pesquisa e 31
países. Seu objetivo é instalar cerca de 120 telescópios do tipo Cherenkov,
ideal para realizar observações em raios gama dos fenômenos mais energéticos do
Universo, como a colisão de partículas de matéria escura, a natureza de eventos
capazes de acelerar os raios cósmicos (como o choque de estrelas e a ação de
buracos negros supermassivos) e ocorrências que violam a constância da
velocidade da luz. Os telescópios serão de três tamanhos: os maiores terão 24
m, os de porte médio chegarão a 12 m e os menores medirão 4 m. Aproximadamente
70 telescópios serão do tamanho pequeno e 40, do tipo intermediário. Os
grandões provavelmente não chegarão a uma dezena de unidades.
Cada tipo de
telescópio observa eventos em diferentes faixas de energia, entre poucas
dezenas de gigaelétron-volt (GeV) e 100 teraelétron-volt (TeV), e apresenta um
campo de visão distinto. “As maiores energias são captadas pelos pequenos
telescópios e as menores pelos grandes”, explica Souza Filho. Quando estiverem
100% operacionais, os instrumentos de observação do CTA deverão aumentar em 10
vezes a capacidade dos físicos e astrofísicos de registrar eventos de alta
energia nas frequências de raio gama, argumentam os apoiadores do consórcio.
Sítios em
Atacama e La Palma
Os
telescópios do CTA serão distribuídos em dois sítios astronômicos, um no
hemisfério Sul e outro no Norte. Em julho deste ano, o consórcio internacional
decidiu os prováveis lugares onde eles serão montados. Um conjunto ou array de
100 telescópios (dos quais 25 de porte médio) será instalado em Paranal, no
deserto de Atacama, no Chile, onde funciona uma das unidades do Observatório
Europeu do Sul (ESO). Um segundo set, menor, com 20 telescópios (15
deles de tamanho intermediário), será erigido no Observatório del Roque de los
Muchachos, em La Palma, um concorrido ponto de observações astronômicas nas
Ilhas Canárias, na Espanha, situado a 2.400 metros acima do nível do mar.
© IMAGEM ESO / L. CALÇADA
Ilustração de buraco negro supermassivo: CTA deve estudar
ação
desses sugadores de matéria, que podem acelerar os raios cósmicos.
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Quem olha a
grande estrutura tubular não se impressiona com sua aparência simples. Um leigo
diria que ela parece ser formada pela junção de dois tripés gigantes dotados de
algumas singularidades. Em sua parte inferior, é composta por seis pés, quatro
grossos e dois finos, que se encaixam no painel onde fica o espelho do
telescópio. Na porção superior, 10 pontos de apoio, quatro principais e seis
auxiliares, fixam-se na câmera ou no suporte da câmera. “Não se trata de uma
estrutura convencional, fácil de ser projetada e fabricada”, explica o
engenheiro mecânico Celio Costa Vaz, presidente da Orbital, que participou
diretamente do desenvolvimento do protótipo. “Ela tinha de preencher uma série
de pré-requisitos específicos.”
A mais
draconiana das exigências dizia respeito à estabilidade e à precisão do braço
mecânico depois de ser instalado no telescópio. A estrutura tinha de suportar
as 2 toneladas da câmera sem deformar mais do que 19 milímetros (mm), resistir
à neve e aguentar ventos de até 200 quilômetros por hora. Com o telescópio em
funcionamento, sua vibração não podia ultrapassar 3 mm. “Em 50 segundos, o
telescópio gira para qualquer posição e a estrutura de suporte da câmera tem de
se manter estável”, comenta Ronald Cintra Shellard, pesquisador da área de
física experimental de altas energias do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
(CBPF), do Rio de Janeiro, que representa o Brasil no conselho financeiro do
CTA.
Uma
estrutura fechada, sólida, seria mais fácil de ser projetada, mas limitaria o
campo de visão do espelho do telescópio. Isso fez com que os pesquisadores da
USP e os engenheiros da Orbital optassem por criar um braço mecânico tubular,
vazado. “Dessa forma, a sombra gerada pela estrutura afeta menos de 10% da área
do espelho”, diz o físico Marcelo Leigui da UFABC, outro pesquisador envolvido
no projeto.
Outras exigências menores também guiaram o trabalho de
concepção e fabricação do braço mecânico. Os telescópios do CTA serão
instalados em dois sítios de acesso relativamente difícil. Nesse contexto, a
estrutura de sustentação da câmera precisava ser de fácil transporte e
montagem, prescindir de manutenção constante e apresentar uma vida útil de ao
menos duas décadas. “Por isso criamos uma estrutura do tipo plug and play”, diz, em tom de
brincadeira, Vaz, da Orbital. As partes do suporte tubular são montadas com o
emprego de 584 parafusos. As peças de aço-carbono foram galvanizadas a quente
por imersão, técnica que garante a proteção até das faces internas dos tubos.
Se o cronograma inicial for mantido, o protótipo de braço mecânico para
telescópios de 12 m desenvolvido no eixo São Carlos-São José dos Campos será
mandado provavelmente no segundo semestre de 2016 para o sítio austral do CTA,
no deserto de Atacama.
Segundo o físico Souza Filho, do IFSC, não foi fácil
encontrar no Brasil um parceiro privado disposto a participar do processo de
criação do braço mecânico. “Além da Orbital, outras empresas têm capacidade
técnica para conceber um projeto com essas características”, afirma o
pesquisador da USP de São Carlos. “Mas a maioria delas não tem como abrir espaço
em sua linha de produção, voltada à fabricação de produtos comerciais, para
investir no desenvolvimento de uma estrutura destinada a um fim muito
específico.” Em seus contatos com firmas de engenharia, Souza Filho conta que
conheceu uma empresa que, como a Orbital, teria todas as condições de conceber
e construir o projeto de braço mecânico para o telescópio do CTA. Só havia um
problema: sua linha de produção é praticamente toda monopolizada pela
fabricação de antenas parabólicas, um mercado com boa demanda no país.
Além de ter desenhado e fabricado o protótipo de braço
mecânico que deverá equipar os telescópios de 12 m do CTA, o Brasil também
colabora nos projetos dos telescópios de pequeno e grande porte do futuro
observatório de raios gama. Pesquisadores do CBPF e da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) trabalham no desenvolvimento e construção das placas de
interface dos dispositivos mecânicos que fazem o alinhamento dos espelhos dos
telescópios de 24 m. A astrofísica Elisabete de Gouveia Dal Pino, do Instituto
de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, coordena a
atuação nacional no Astri Mini-Array, iniciativa que prevê a instalação de nove
telescópios de 4 m no sítio do CTA em Paranal, no Chile, entre 2016 e 2017. Ao
custo de cerca de € 3 milhões, a FAPESP banca a construção na Itália de três
telescópios pequenos destinados a esse primeiro array
do CTA, baseados em um protótipo concebido pelo Instituto Nacional
de Astrofísica da Itália, e a participação de engenheiros brasileiros na
iniciativa.
Projetos
1. Design e
construção do protótipo do Cherenkov Telescope Array Observatory (n° 2010/19514-6); Modalidade: Auxílio
à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável:
Luiz Vitor de Souza Filho (IFSC-USP); Investimento:
R$ 128.568,00.
2.
Desenvolvimento e construção de protótipo da estrutura dos telescópios do
CTA (n° 2012/22540-4); Modalidade:
Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável:
Luiz Vitor de Souza Filho (IFSC-USP); Investimento:
R$ 406.449,00.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 235 - Setembro de
2015
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