"Por que o Turismo Espacial Voo Mais Depressa Que o Direito Espacial?"
Olá leitor!
Segue abaixo um
interessante artigo escrito pelo Sr.
José Monserrat Filho e postado
pelo companheiro André Mileski ontem (30/06) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
"Por que o Turismo Espacial Voo Mais
Depressa Que o
Direito Espacial?"
José Monserrat Filho*
"O
Estado assume e cuida de interesses gerais, enquanto no
mercado
atuam interesses particulares.” Sabino Cassese,
professor
da Faculdade de Direito de Roma1
O Prof. Gbenga
Oduntan, nigeriano que leciona na Universidade de Kent, no Reino Unido, em
recente artigo intitulado “O turismo espacial voa mais rapidamente que o
Direito Espacial”2, diz que tudo vai bem com o turismo espacial – “conduzido
por capital privado de risco com fins lucrativos” –, menos seu ordenamento
jurídico.
Ele destaca
que “estudos de mercado indicam haver hoje mais de mil passageiros por ano para
voos suborbitais” e que essa cifra poderá gerar “um bilhão de dólares até o
final da década”. Só a empresa norte-americana Virgin Galactic já teria
assinado contrato com mais de 200 pessoas interessadas em visitar o espaço, num
universo potencial de 30 mil. Já existem projetos adiantados de veículos suborbitais,
como o XCOR e o Space Adventure, construídos especialmente para voos
turísticos. E os 10 milhões do Ansari X-Prize continuam sendo acenados como
estímulo à criação de novas soluções, ainda mais econômicas, nessa nova
indústria turística para minorias ricas e aventureiras. Centenas de milionários
já compraram passagem para o espaço pela módica quantia de 100 mil dólares
cada. Só nos EUA cinco estados – Novo México, Oklahoma, Texas, Wisconsin e
Flórida – já contam com Centros de lançamento de veículos espaciais para
turistas. Os Emirados Árabes Unidos e Cingapura também planejam estabelecer
tais centros. Ainda segundo o Prof. Oduntan, o Reino Unido planeja ter oito
dessas bases, além de investir 90 milhões de dólares no desenvolvimento da nave
híbrida, Skylon, que alguns alardeiam como “revolucionária”. A crise econômica
nos países desenvolvidos não parece impedir a aplicação de fortunas em novos
planos e equipamentos para alavancar o negócio do turismo espacial, que promete
gordas recompensas.
O que poderia
atrapalhar essa generosa perspectiva, na opinião do Prof. Oduntan? O Direito
Espacial. A seu ver, “o Direito Espacial, no qual o turismo espacial deve se
basear, continua desajeitado, feito, em geral, apenas para ser aplicado entre
Estados soberanos”.
Neste sentido,
para o Prof. Oduntan, “raro espírito do socialismo científico e jurídico
internacional tem sido incutido no Direito Espacial desde sua criação por
estadistas, burocratas internacionais e consultores científicos”. “Daí que –
aduz ele – o Direito Espacial se origina louvavelmente em ideias fraternas,
como 'incumbência de toda a humanidade' e 'patrimônio comum da humanidade',
princípios fixados, respectivamente, no Tratado do Espaço, de 19673, e no
Acordo da Lua, de 1979”4. Lembra ele também que: 1) pelo Acordo de Salvamento,
de 19685, os astronautas e os objetos espaciais devem ser devolvidos a seus
respectivos Estados, mesmo se caídos em território hostil; e 2) pela Convenção
de Responsabilidade, de 19726, os Estados é que respondem pelos acidentes e
danos causados por seus objetos espaciais, públicos ou privados.
Essas seriam,
no dizer do Prof. Oduntan, as “ideias fraternas” do Direito Espacial, ao ser
criado nos anos 60 e 70, em plena Guerra Fria. Os tratados da época, frisa ele,
“pareciam todos bem estabelecidos no mundo pouco conhecido dos juristas
espaciais, até o advento do turismo espacial”.
“Concebido
amplamente em torno da ideia de participação privada nas atividades espaciais”,
o turismo espacial teria vindo mudar a natureza dessas atividades. Isso gera
“inquietação” entre “os conceitos e categorias jurídicas que exigiram grande
esforço para serem postos em prática ao longo dos últimos 60 anos de
regulamentação internacional das questões espaciais”.
O Prof.
Oduntan sabe que “os Estados desempenham os papeis predominantes no espaço” e
que eles respondem pelas atividades espaciais de suas entidades públicas ou
privadas, conforme determina o Art. 6º do Tratado do Espaço. Mas ele entende
que “isso é apenas o início da confusão terminológica, ideológica e social
jurídica que aflige o direito e a prática do turismo espacial”.
Que confusão
seria esta? O Tratado do Espaço é o código maior das atividades espaciais. Foi
elaborado e aprovado por consenso pelo Comitê das Nações Unidas para o Uso
Pacífico do Espaço Exterior (UNCOPUOS). As duas principais potências espaciais
nos anos 60 e 70, Estados Unidos e União Soviética, assim como todos os demais
Estados membros do UNCOPUOS votaram a favor do Tratado, como fonte legal
obrigatória para todos eles, definindo o que deve e pode ser feito no espaço ou
a caminho do espaço, e nos corpos celestes.
Seu Art. 6º é
claríssimo: “Os Estados-Partes do Tratado têm a responsabilidade internacional
das atividades nacionais realizadas no espaço exterior, inclusive na Lua e
demais corpos celestes, sejam elas exercidas por organismos governamentais ou
por entidades não-governamentais... As atividades das entidades
não-governamentais no espaço exterior, inclusive na Lua e demais corpos
celestes, devem ser objeto de autorização e vigilância contínua pelo respectivo
Estado-Parte.”
Por que
acusá-lo de “desajeitado”? Por que ele não reconhece as empresas como sujeitos
do Direito Espacial? O turismo espacial pode estar se desenvolvendo mais
depressa graças à iniciativa de empresas privadas, que viram nessa atividade a
oportunidade de bons negócios. Mas isso não é suficiente para alterar
automaticamente o Tratado do Espaço, a começar por suas normas “fraternais”,
que, não por acaso, tornaram-se princípios aceitos universalmente.
O próprio
Tratado, claro, prevê possíveis emendas em seu texto. É um processo simples e
democrático. Baseia-se na vontade expressa da maioria dos Estados-Partes. Hoje
essa maioria é de 52 Estados-Partes, pois o Tratado já foi ratificado por 103
países. Segundo seu Art. 15, “qualquer Estado-Parte do Tratado pode propor
emendas. As emendas entrarão em vigor para cada Estado-Parte que as aceite,
após a aprovação da maioria deles, na data em que tiver sido recebida”.
O espaço e os
corpos celestes são um bem público. Por isso, estão abertos à exploração e uso
de todos os países, sem qualquer discriminação, em condições de
igualdade, e, coerentemente, não podem ser objeto de apropriação nacional por
proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio, de
acordo com os Art. 1º, § 2, e Art. 2º do Tratado do Espaço.
Isso não quer
dizer que as empresas privadas não possam ou não devam participar ativamente da
exploração e uso do espaço e dos corpos celestes, inclusive a Lua e os
asteroides. Em muitos casos, elas são dinâmicas, bem organizadas, criativas e
muito produtivas. Mas devem ser autorizadas e vigiadas por seus Estados, e
orientadas por leis internacionais capazes de beneficiar toda a comunidade
global. Daí que o interesse privado pode, deve e precisa se submeter ao
interesse público. O interesse público tem prioridade e prevalece sobre o
privado, e não o contrário. Há quem venda a ideia do “mercado acima de tudo”,
sob o argumento de que “o mercado resolve todos os problemas”. Isso é falso.
Numa análise desinteressada e sensata, o mercado é apenas um meio, um
instrumento, um item de planejamento, jamais um fim em si mesmo. Convertido em
objetivo de vida, pode causar desastres sociais. Felizmente, a civilização
humana já descobriu que o mercado, quanto mais desregulamentado e solto, mais
irracional e desvairado fica, e vira fera, com consequências nefastas para toda
a sociedade. Tal conhecimento ainda está longe de ser aplicado, de uma forma ou
de outra, na maior parte dos países, embora alguns deles já estejam trabalhando
neste sentido. Quem sabe não estará aí a grande revolução deste século?
A luta entre
os interesses públicos e privados pela liderança dos processos econômicos,
sociais e políticos globais está no cerne da corrida espacial e do Direito
Espacial. O espaço exterior e os corpos celestes serão predominantemente
públicos ou privados, conforme o resultado dos embates que se travam diante de
nossos olhos, ainda que a maioria dos habitantes da Terra ainda não consiga enxergar
nada disso. Impossível prever quem sairá vencedor. Mas talvez o espírito
humanista e solidário, desenvolvido nos últimos séculos, possa pesar mais do
que pesa hoje.
*
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA),
Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno
da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de
Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo
expressa exclusivamente a opinião do autor.
Referências
(1) Cassese,
Sabino, A Crise do Estado. Campinas, SP: Saberes Editora, 2010, p. 145.
(2) Space
Daily, 25/06/2015.
(3), (4), (5)
e (6) Ver no site <www.sbda.org.br>,
seção “Textos”.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
Comentário: Muito interessante o tema abordado pelo Sr. José Monserrat Filho, e também e principalmente, o comentário do Prof. Sabino Cassese da Faculdade de Direito de Roma citado no artigo, pois no que diz respeito a primeira parte de sua frase, a mesma nunca se aplicou a um país como o Brasil. Aquela história de Governo do Povo para o Povo, rsrsrsrsrsrs, nas bandas de Brasília ou por todos os quatro cantos do território brasileiro (e em todos os níveis de governo) nunca realmente passou de fantasia, e os únicos interesses que o Estado Brasileiro até hoje se preocupou foram os interesses dos grupos de populistas de merda que infestaram a história política deste país. Odorico Paraguaçu, cadê você? Rsrsrsrs, é como diz o refrão da musica de Bezerra da Silva: "Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão". (https://www.youtube.com/watch?t=137&v=teyJC_DPqK0)
"Voo"?
ResponderExcluirCoitado do português...
Pois é Rodrigo, veja como são as coisas, o artigo é de autoria do Sr.José Monserrat Filho, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Assim sendo caro Rodrigo não podia alterá-lo, e dessa forma foi postado em nosso Blog.
ExcluirAbs
Duda Falcão
(Blog Brazilian Space)