“Tendência do INPE é Entrar em Decadência”, Adverte Fernando de Mendonça
Olá leitor!
Segue abaixo uma entrevista do Jornal do SincdCT com um
dos pioneiros do PEB, Fernando de Mendonça, postada na edição de nº 32
(Novembro) deste jornal. Vale a pena dar uma conferida.
Duda Falcão
Nosso Trabalho
“Tendência do INPE é Entrar em Decadência”,
Adverte
Fernando de Mendonça
Entrevista
Fernanda Soares
Jornal do SindCT
Edição nº 32
Novembro de 2014
Engenheiro
eletrônico, PhD em Radiociências em Stanford, fundador e primeiro diretor do
INPE e ex representante do Brasil na NASA, ele diz que não há reposição de
pessoal no instituto e critica o CBERS Ele foi diretor científico do Grupo de
Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), criado em
1961 pelo presidente Jânio Quadros e considerado o embrião do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Representou o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) junto à
NASA, a agência espacial norte- -americana, posto que lhe permitiu manter
contatos fundamentais, nos Estados Unidos, para o desenvolvimento do Programa
Espacial Brasileiro e para a futura fundação do INPE. Tais credenciais fizeram
do engenheiro eletrônico Fernando de Mendonça um dos fundadores do INPE — e seu
primeiro diretor. Em 1977, após deixar o instituto, Mendonça foi diretor-
executivo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), até 1982.
Apaixonado por
castelos medievais, esse PhD em Radiociências pela Universidade de Stanford
construiu dois em São José dos Campos, e foi numa torre que recebeu a
reportagem do Jornal do SindCT para esta entrevista. Aos 90 anos, Mendonça
sustenta que o segredo da longevidade e juventude é nunca parar de trabalhar,
nem de sonhar. “E tem que sonhar grande, porque o sonho pequeno e o sonho
grande têm o mesmo preço, então não vamos perder tempo sonhando pequeno”.
O sr. foi um dos fundadores do INPE e veio a se tornar o primeiro
diretor da instituição. Como começou sua história com a área espacial?
Quando eu
terminei o ITA, meu trabalho era uma estação para recepção de sinais de
satélite que ainda ia existir, não tinha programa espacial no mundo. A União
Soviética, em 1952, declarou que ia colocar um satélite em órbita. Os
americanos, ainda antes de criação da NASA, também anunciaram um programa para
colocar um satélite em órbita. Então fiz contato com o projeto, que era da
Marinha americana, e fiz a estação para coletar os sinais. Fui surpreendido
pela União Soviética, que lançou o satélite Sputnik em 1957, antes de os
americanos lançarem o Explorer 1, em 1948. Tive que readequar a estação para
receber os sinais do Sputnik. Acabei me envolvendo com o assunto. Depois fui
fazer doutoramento em Stanford e me envolvi com a NASA para realização de um
trabalho que duraria em torno de dois anos. Por esse motivo fui indicado pelo
professor Aldo Vieira da Rosa para formular um programa de pesquisas espaciais
para o Brasil. O presidente Jânio Quadros criou o Grupo de Organização da
Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE) e eu me tornei o
representante do Brasil junto à NASA. Quando terminei o trabalho para a NASA,
solicitei a doação do equipamento de pesquisa que utilizava e o pedido foi
aceito. Na volta ao Brasil, ainda não havia nada pronto para o INPE. Tinha
apenas a doação de um terreno do DCTA e um prédio para escritórios. Fiquei
decepcionado porque eu tinha apenas uma kombi velha, um telefone que não
funcionava, um cabo e um praça que eram os ajudantes do GOCNAE. Então fui
obrigado a batalhar, junto ao Ministério do Planejamento na época, recursos
para formatar o INPE.
Se ainda hoje, após 53 anos, o instituto sofre para resolver sua
carência de recursos humanos, como foi reunir os primeiros técnicos e
engenheiros para atuarem em atividades tão específicas como a área espacial no
início da década de 1960?
Eu tive que
montar o INPE com pesquisa a nível internacional, porque não existe ciência
subdesenvolvida. Qualquer país, por mais subdesenvolvido que seja, se fizer
ciência, tem que ser algo de fronteira, de desenvolvimento, de criatividade.
Então visitei cerca de 10 universidades brasileiras e solicitei aos professores
indicação dos melhores alunos que estivessem terminando seus cursos de
engenharia. Todo ano eu contratava entre 50 e 60 formandos, eliminava metade
depois de alguns meses, e contratava os melhores. Destes, os melhores eu
enviava para fazer doutoramento com bolsas da NASA. A bolsa cobria os estudos e
o transporte nos EUA, o restante era uma bolsa auxílio que eu enviava através
do INPE. A cada mês de recebimento da bolsa, o aluno assinava uma nota
promissória que seria paga no retorno. Para cada mês trabalhado no INPE, ele
recebia o salário e o cancelamento de uma nota. Se quisesse sair do INPE, teria
que pagar as notas promissórias. Dessa forma, eu garantia que o aluno que ficou
quatro anos se especializando fora do país ficaria, no mínimo, quatro anos
trabalhando no INPE. Esse sistema funcionou, só um funcionário saiu, tendo as
notas pagas pela empresa que quis contratá-lo. Enquanto eu esperava esse
pessoal se formar, eu precisava de mão de obra qualificada para atuar. Como não
tinha muita verba disponível, procurei um programa estabelecido na Índia, de
doutoramento na Inglaterra e EUA para 5 mil indianos por ano. De lá eu trouxe
26 famílias. Era um programa de dois anos que poderia ser renovado. Alguns
ficaram até hoje. E há também filhos desses indianos trabalhando
atualmente no INPE.
Quais as principais dificuldades enfrentadas na época?
O INPE era
subordinado ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, mais tarde Conselho de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Os presidentes desse Conselho eram
sempre ou um general ou professor de universidade sem base suficiente para
desenvolver o plano de pesquisas que a gente idealizava. Mas o Brasil era mais
simples. Um bom exemplo foi a base do sensoriamento remoto. Eu falei ao
presidente do CNPq que precisaria de US$ 5 milhões para construir a base. Ele
negou, pois não conseguia nem para o próprio CNPq uma verba tão alta. Solicitei
permissão para falar diretamente com o ministro do Planejamento e recebi de
imediato, pois ele não acreditou que o ministro pudesse conceder. Mas consegui
convencer o ministro e realizar a construção da base.
E os principais projetos desenvolvidos?
O Brasil era um
país pobre. Eu tinha que escolher programas científicos que dessem nascimento a
tecnologias e serviços. Os programas estabelecidos eram modelados pela NASA,
mas tinham aplicabilidade ao crescimento econômico do Brasil. Tínhamos o
Projeto SACI, a educação via satélite, com 150 pessoas (50 estrangeiros
especializados na área) e foi realizado no interior do Rio Grande do Norte, na
época, a região mais pobre do Brasil. Ajudou a diminuir a taxa de evasão e
repetência. Foi uma revolução. Outro projeto foi o levantamento de recursos
naturais. O Brasil não tinha nem mapas adequados, então foi criado o projeto
SERE, de sensoriamento remoto. Os projetos do INPE, hoje, são derivados desses
programas.
Hoje, qual o principal problema que a instituição enfrenta?
O INPE é uma
instituição de pesquisa, não de serviços. E está virando um instituto de
serviços. É serviço sobre queimadas, desmatamento... O INPE era para ser um
órgão de altíssimo nível em pesquisa científica.
Que futuro espera para o instituto?
Acho que a
tendência do INPE é entrar em decadência. A mão de obra era muito qualificada.
Esse pessoal se aposentou e a reposição não foi no mesmo nível. E os concursos
públicos, normalmente, não admitem os elementos necessários para a função que
se precisa. É muito difícil o concurso selecionar exatamente o que é
necessário. Infelizmente, a qualidade do pesquisador do INPE tende a decair.
Outro ponto é a falta de recursos, parecem altos, mas não são. Temos também, a
meu ver, programas inúteis como o CBERS. O CBERS é um programa chinês e o
chinês não nos dá acesso à tecnologia. O governo gasta mais com o CBERS do que
com o orçamento anual do INPE. Isso não faz sentido pra mim.
Desde 2007 o governo já investiu mais de meio bilhão de reais para
capitalizar a ACS. No mesmo período, investiu pouco mais de R$100 milhões no
desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites (VLS). Como o sr. vê a criação
da ACS? É um empreendimento viável economicamente?
Alcântara é um
certificado de incompetência. Gastaram em Alcântara, somado ao VLS, quase US$
500 milhões e continua na estaca zero. Houve aquele acidente com o VLS e o
Brasil se associa com a Ucrânia, que está falida. A ACS não é economicamente
favorável ao Brasil e não oferece transferência de tecnologia.
O governo criou também a Visiona, empresa integradora responsável pela
aquisição do satélite geoestacionário SGDC. Só neste satélite o governo irá
investir cerca de R$ 700 milhões. Enquanto isso, passados 53 anos, o INPE nunca
desenvolveu seu próprio satélite geoestacionário. Como o sr. vê a criação da
Visiona e o papel dela no setor espacial brasileiro?
É certo criar a
empresa. Mas a primeira coisa que eu penso é: prepararam recursos humanos para
isso? Os japoneses e os chineses enviaram várias pessoas para trabalharem
nos EUA em empresas da área. Depois de três anos, voltavam com conhecimento
necessário para desenvolver a tecnologia em seus países.
O INPE, assim como o DCTA, serviu como indutor da florescente indústria
aeroespacial do país. Muitos ex-servidores destas instituições acabaram por
criar suas próprias empresas e passaram a fornecer equipamentos e serviços de
alto valor agregado e elevado nível tecnológico para os programas de satélites
e foguetes do país. Na sua opinião, qual deveria ser a relação dessas empresas
com os institutos públicos de pesquisa?
Não há o risco
de essas empresas acabarem se apropriando da maioria dos projetos, esvaziando
as atribuições do INPE e DCTA? Eu acho que não. Instituto de pesquisa não é
indústria. Criar indústrias não esvazia as instituições, pelo contrário, as
instituições podem crescer se houver mais indústrias no setor.
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 32ª - Novembro de 2014
Comentário: Pois é leitor, sempre é bom beber da fonte, principalmente
de alguém como o Dr. Fernando de Mendonça, apesar de discordar de alguns pontos
apresentado por ele, comungo com a maioria. Aproveitamos para agradecer ao leitor Brehme de Mesquita pelo envio dessa três matérias publicadas pelo Jornal so SindCT.
Na verdade, se considerarmos o seu início, o INPE já está em decadência a muitos anos. As pessoas que deveriam comandá-lo com isenção e principalmente PATRIOTISMO, foram tomadas por outros interesses não tão nobres.
ResponderExcluirAlém de ter tomado algumas decisões no mínimo questionáveis no passado recente. Já a um bom tempo, só sabe dizer "amém" para as determinações do "governo".
Eu volto a dizer. Vai chegar uma hora que os "contribuintes pragmáticos" vão começar a questionar: porque manter uma instituição como essa? Só pelo seu valor histórico?
Acordem !!!