Contratos Comerciais na Era Espacial
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo escrito pelo Sr. José Monserrat
Filho e postado dia (31/03) no blog “Panorama Espacial” do companheiro
jornalista André Mileski, dando destaque aos Contratos Comerciais na Era
Espacial.
Duda Falcão
Contratos Comerciais na Era
Espacial
José Monserrat Filho*
31/03/2013
“É importante assegurar que
a comercialização [do espaço exterior]
não se torne sinônimo de
baixos padrões, como já se testemunhou
em outras áreas do direito
internacional, nomeadamente
como efeito da ‘bandeira de conveniência’ no
sector marítimo
” Lesley Jane Smith1
A comercialização e a
privatização das atividades espaciais ganharam grande impulso a partir dos nos
90. Hoje, após muitos avanços, os negócios privados no setor buscam manter o
ritmo de crescimento, apesar da grave crise financeira e econômica que assola,
sobretudo, os países mais desenvolvidos. Não por acaso, o Presidente dos EUA,
Barak Obama, fez questão de dizer, ao falar sobre a nova política espacial
norte-americana, em 28 de junho de 2010, que “um setor espacial comercial
robusto e competitivo é vital para o progresso contínuo no espaço”.2
H. L. Van Traa-Engelman, da
Holanda, já previra no início dos anos 90, que “considerações baseadas em
perspectivas comerciais são hoje muitas vezes decisivas no processo que
antecede a apropriação dos recursos financeiros necessários à abertura de novas
áreas de aplicações espaciais, ou para cobrir avanços nas áreas existentes”.3
Sintonizado com a época, o novo
Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE 2012-2021)4 adotou como
prioridade maior o objetivo de “impulsionar o avanço industrial”. Trata-se,
frisa o documento, de “um grande apelo à inventividade e ao empreendedorismo no
Brasil”.
A diretriz estratégica nº 1 do
novo PNAE é, justamente, “consolidar a indústria brasileira, aumentando sua
competitividade e elevando sua capacidade de inovação, inclusive por meio do
uso do poder de compra do Estado, e de parcerias com outros países”.
E a diretriz nº 3 é “ampliar as
parcerias com outros países, priorizando o desenvolvimento conjunto de projetos
tecnológicos e industriais de interesse mútuo”.
Uma das ações estratégicas
previstas no PNAE de apoio à indústria é “incrementar a participação em projetos
de cooperação internacional”.
E o Programa enfatiza:
“Precisamos de empresas prime-contractors – aquelas competentes para projetar e
desenvolver sistemas completos. Elas têm tudo para adensar as cadeias
produtivas, atraindo pequenas e médias empresas; promover o surgimento de novos
fornecedores; cativar parceiros em outras áreas industriais; e buscar novos
mercados no exterior”.
O PNAE afirma ainda:
“Precisamos conquistar clientes no Brasil e no mundo para os serviços e
sistemas espaciais completos, saídos das cadeias produtivas de nossa indústria.
Este é o principal desafio de longo prazo do Programa Espacial Brasileiro.”
Eis a grande novidade no
cenário espacial do país. Ela exige a preparação de empresários e executivos
para enfrentarem de forma competente o mercado internacional e realizar ali
negócios de sucesso, capazes de beneficiar tanto os empreendedores como o desenvolvimento
nacional no setor.
Isso significa negociar e
assinar programas, instrumentos e contratos que expressem de forma efetiva a
igualdade das partes no reconhecimento de seus interesses legítimos e no compartilhamento
de benefícios.
Esse desafio inclui,
necessariamente, conhecimentos sobre direito espacial, o ramo jurídico que
estabelece o estatuto legal do espaço exterior e dos corpos celestes (a começar
pela Lua) e regula as atividades espaciais, sejam elas realizadas por entidades
públicas ou privadas.
Francis Lyall e Paul B. Larsen
alertam: “O uso comercial do espaço, em especial por entidades
não-governamentais [empresas privadas], exige regulamentação consistente com o
direito internacional. Os requisitos vão desde a licença para lançamento, a
mitigação de detritos espaciais e a atribuição de frequências de rádio, até as
restrições que cada Estado pode impor por razões de segurança nacional. Além
disso, usuários comerciais privados do espaço exterior celebram contratos de
direito privado sobre, por exemplo, a construção e o lançamento de seus
satélites, o seguro de seus ativos espaciais e a solução de controvérsias. Os
operadores comerciais, portanto, são regulados tanto por leis privadas, quanto
por leis públicas.” 5
O princípio básico das
atividades espaciais privadas está descrito no Artigo 6º do Tratado do Espaço
de 1967: “Os Estados (...) têm a responsabilidade internacional das atividades
nacionais realizadas no espaço exterior, inclusive na Lua e demais corpos
celestes, quer sejam elas exercidas por organismos governamentais ou por
entidades não governamentais (...). As atividades das entidades não
governamentais no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes,
devem ser objeto de autorização e de vigilância do competente
Estado-Parte do Tratado”.
Ou seja, as empresas privadas
podem realizar atividades espaciais, mas estão sempre sujeitas à permissão e ao
controle do respectivo Estado, que responde por elas internacionalmente, isto
é, perante os demais Estados. Em caso de queixa contra uma empresa em matéria
de atividade espacial, cabe ao Estado onde surgiu a queixa acionar não a
empresa acusada, mas o Estado onde a empresa alvo da queixa está registrada.
Depois, internamente, se assim decidir, o Estado afetado pode acionar a empresa
registrada em seu território que deu origem a queixa.
Ocorre que hoje, mais do que
nunca, as empresas espaciais privadas – em geral, mais poderosas e ricas que
muitos Estados nacionais – recebem apoio total de seus Estados. Neste contexto,
a autorização e a vigilância do Estado em relação às atividades empresariais no
espaço tornam-se mera formalidade, embora o Estado continue juridicamente
responsável por tais atividades perante os demais países.
Assim, a internacionalização
dos empreendimentos e negócios espaciais é uma realidade que urge levar em alta
conta. Por isso, as empresas brasileiras do setor precisam conhecer, com
urgência e em seus detalhes operacionais mais decisivos, as normas e práticas
internacionais que hoje movimentam as atividades e transações espaciais, tanto
no âmbito público, quanto, em especial, no âmbito privado. Dominar o mais
possível as principais teorias, técnicas e fórmulas jurídicas usadas nas
negociações e nos mercados globais é de extrema relevância para nossas empresas
poderem defender com máxima eficácia seus interesses neste campo profundamente
competitivo.
Daí a ideia que estamos maturando
na AEB de organizar um curso de Direito Espacial especialmente dedicado a
empresários e executivos de indústrias espaciais brasileiras que planejem
ingressar e alcançar sucesso no mercado mundial.
Como aperitivo a essa
iniciativa que surge como indispensável a esta altura do jogo na arena
espacial, ofereço aos virtuais interessados no assunto uma relação de livros
sobre as demandas e necessidades jurídicas referentes ao comercio, à indústria,
aos contratos, enfim, aos negócios a serem realizados na Terra, mas que
envolvem necessariamente as benesses e vantagens exclusivas do espaço exterior.
Eis a lista, que está longe de ser exaustiva:
1) Law and Space Communication, by Francis Lyall, 1989.
2) Space Commerce (Frontiers of Space), by John McLucas, 1991.
3) Commercial Utilization of Outer Space, by H. L. Van Traa-Engelman,
1993.
4) Droit Spatial Économique – Régimes applicables à l'exploitation de l'espace,
Mireille Couston, 1994.
5) The Future of the Space Industry: Private Enterprise and Public
Policy, by Roger Handberg, 1995.
6) Mining The Sky: Untold Riches From The Asteroids, Comets, And Planets,
by John S. Lewis, 1997.
7) EC Competition and Telecommunications Law, by Christian Koenig,
Andreas Bartosch, Jens-Daniel Braun, 2002.
8) The Commercial Space Age – Conquering Space Though Commerce, by
Andrew M. Thorpe, 2003.
9) Commerce in Space: Infrastructures, Technologies and Applications, by
Phillip Olla, 2007.
10) Space Enterprise: Living and Working Offworld in the 21st Century
(Springer Praxis Books/Space Exploration), by Phillip Harris, 2008.
11) Rocketeers: How a Visionary Band of Business Leaders, Engineers, and
Pilots is Boldly Privatizing Space, by Michael Belfiore, 2008.
12) Space Law – A Treatise, Francis Lyall and Paul Larsen, 2009.
13) The Privatization of Space Exploration: Business, Technology, Law
and Policy, by Lewis D. Solomon, 2011.
14) Space Security Law, by Ruwantissa Abeyratne, 2011.
15) Contracting for Space, by Lesley Jane Smith and Ingo Baumann, 2011.
16) International Cooperation for the Development of Space (Vol. 1), by
Langdon Morris, 2012.
17) Commercial Space Industry: Manufacturing, Suborbitals and
Transportation (Space Science, Exploration and Policies, by Steve O. Freeman
and Kimberly I. Butler, 2012.
Um dos livros mais importantes
desta lista é Contracting for Space, que oferece as seguintes partes, cada uma
com inúmeros capítulos, escritos por diferentes especialistas: O quadro
jurídico para os projetos espaciais na Europa; Aspectos gerais dos contratos da
indústria espacial; Aspectos específicos dos contratos da indústria espacial; e
Aspectos específicos dos contratos de serviços de satélites. Sua conclusão é
claramente desafiadora: “O quadro jurídico geral para projetos espaciais é
altamente complexo. E novos atores, leis e regulamentos são acrescentados
constantemente a essa complexidade. Dependendo do projeto específico, os
juristas terão que lidar com a amplitude de um regime jurídico que abrange
tratados internacionais, legislações espaciais domésticas, direito das telecomunicações,
leis sobre controle de exportações, direitos de propriedade intelectual,
direitos da tecnologia da informação, seguro, normas de segurança, dispositivos
do direito comercial internacional e problemas de contratos.”6
Parece que estamos condenados a
entrar fundo nesta – para nós – novíssima seara, com cara de buraco negro. Não
importa. Precisamos
é dominá-la o quanto antes.
* Chefe da Assessoria de
Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB)
Referências:
1) Smith, Lesley Jane, The Principles of International Law and their
relevance to Space Industry Contracts, in Smith, Lesley Jane, and Baumann,
Ingo, Contracting for Space – Contract Practice in the European Space Sector,
UK: Ashgate, 2011, p. 56.
2) See.
3) van Traa-Engelman, H. L., Commercial Utilization of Outer Space – Law
and Practice, The Netherlands: Martinus Nijhoff Publishers, 1993, p. 17.
4) Ver os textos completos em
português e em inglês no site
5) Lyall, Francis, and Larsen, Paul, Space Law – A Treatise, UK: Ashgate,
2009, p. 468.
6) Smith, Lesley Jane, and Baumann, Ingo, Conclusions and Outlook,
in Contracting for Space – Contract Practice in the European Space Sector, p.
422.
Fonte: Blog “Panorama Espacial“ – André Mileski
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