Conheça Fernando Mendonça, o Primeiro Diretor do INPE

Olá leitor!

Segue abaixo uma interessante entrevista publicada na Revista Espaço Brasileiro (Jul, Ago e Set de 2011), com o primeiro diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Fernando Mendonça.

Duda Falcão

Entrevista

Fernando Mendonça

Márcia Vitória e Leandro Duarte


O Programa Espacial Brasileiro (PEB) completou, no dia 3 de julho de 2011, cinqüenta anos de história. Graças às atividades espaciais o Brasil possui um dos sistemas meteorológicos mais avançados do mundo, capacidade de monitoramento ambiental e tecnologia de ponta para acompanhar a existência de queimadas em diversas regiões, como a Amazônia. Todos esses benefícios foram desenvolvidos graças a um grupo de visionários que ajudou a fundar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Um desses homens, considerado o ‘pai’ do PEB, é Fernando Mendonça.

Doutor em ciências espaciais pela universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), o cearense de 77 anos, da cidade de Guaramiranga, já sonhava com o espaço desde a juventude. Em 1943, após conseguir o brevê de piloto privado, ingressou na Força Aérea Brasileira (FAB). Dois anos mais tarde, foi selecionado para ser aviador naval da Marinha americana. Em 1954, com 30 anos, já era Primeiro Tenente Aviador e ingressou no Instituto Tecnológico da Aeronáutica para cursar Engenharia Elétrica. No fim do curso desenvolveu uma estação para receber sinais do satélite americano Vanguard e depois foi para os Estados Unidos se especializar na área espacial.

Enquanto Mendonça estava nos EUA, o governo Brasileiro decidiu criar e implantar seu Programa Espacial. Considerado, naquela época, o mais experiente na área, ele foi convidado para elaborar um plano de pesquisa para o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE). Ele aceitou o desafio e colaborou diretamente para a criação do INPE, sendo, inclusive, o primeiro diretor do instituto.

Em entrevista à Revisa Espaço Brasileiro, Fernando Mendonça conta como foi a criação do INPE, e sua trajetória. Faz um raio-X das principais dificuldades que a instituição enfrenta e aponta possíveis soluções.

Conte um pouco de sua trajetória.

Depois de ter cursado a academia da força aérea, conhecida como Escola dos Afonsos, no Rio de Janeiro, eu fui fazer engenharia elétrica no ITA, na década de 50. Havia, naquela época, uma promessa dos americanos e dos soviéticos de lançarem satélites artificiais da Terra. Junto com um colega de turma, concluí uma estação para receber sinais do satélite americano Vanguard. Para nossa surpresa e de muita gente, no dia 4 de outubro de 1957, os russos lançaram o Sputnik 1 e nós tivemos que fazer mudanças na estação para receber o sinal “bip bib” que vinha do Sputnik. Dois ou três meses depois, foi lançado o Vanguard, e nossa estação voltou a receber os sinais desse satélite. Eu não conseguia interpretar alguns sinais. Fiquei tão curioso que resolvi continuar estudando. Terminado o curso no ITA, em 1958, me licenciei do Ministério da Aeronáutica, para fazer o doutorado, na universidade de Stanford, em Ciências Espaciais. Quando estava fazendo o curso, em 1961, recebi um telefonema dizendo que o então presidente da República, Jânio Quadros, havia criado a GOCNAE. Fui convidado para integrar o grupo de trabalho. Quando cheguei, não tinha quase nada. O que existia, de fato, era uma sala com duas mesas dentro do CTA, dois cabos e uma Kombi velha. Esse foi o início do Programa Espacial Brasileiro.

“Insisto, a
estrutura não é
o problema,
falta mão de
obra
qualificada”

Se por um lado, começar do zero é um desafio, por outro existem muitas dificuldades. O que vocês fizeram naquela época?

O País não possuía recursos suficientes. Tínhamos que fazer projetos que trouxessem benefícios econômicos ao Brasil, tendo como referência o que estava sendo feito pelas grandes potências da época. Só podíamos gastar 1% a 2% do que os americanos gastavam. Foi assim que se organizou o programa de pesquisas do INPE, na época GOCNAE. Em 1963 e 1964, desenvolvemos os planos para a estação de foguetes de sondagens atmosféricas no Rio Grande do Norte, com a colaboração da Aeronáutica, denominado Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI). Mas nossa preocupação principal era com a formação de recursos humanos qualificados. Visitamos diversas universidades brasileiras e selecionamos alguns alunos que estavam recém-graduados.

Como os profissionais foram selecionados?

Formar mão de obra qualificada era o principal desafio no início das atividades espaciais do País. Nós conversávamos com os professores, descobríamos quem eram os melhores alunos da turma de Engenharia, de Física e os convidávamos para ingressar na carreira espacial. A maioria aceitava o desafio. Depois de selecionados, esses alunos ganhavam bolsas de estudos. Primeiramente, faziam o curso preliminar dentro do GOCNAE. Depois eram enviados para os Estados Unidos, onde ganhavam bolsas da NASA e de universidades americanas para se especializarem e retornarem com uma bagagem significante.


Pode-se dizer que a NASA foi uma importante parceira do PEB?

Claro que foi. Sem a NASA não haveria o PEB. Esses alunos foram para os EUA. Na época não existia telefonia internacional, DDI. Nós nos comunicávamos por radioamador. Fazíamos contato via marinha americana. Eu tina entre 80 e 100 alunos fazendo doutorado nos EUA. Eles voltaram quatro anos depois do início do PEB. Nesse meio tempo, importei da Índia 26 famílias de pesquisadores da área espacial.

Conseguiram alcançar os resultados esperados?

No final dos anos 70, tínhamos 80 PHDs, e havíamos lançado aproximadamente 90 foguetes de sondagem. Já havia coordenado no Brasil, a missão ‘Eclipse’, da NASA, que lançou foguetes para fazer medições da ionosfera e atmosfera durante o eclipse solar de 1966, no Rio Grande do Sul. Organizamos um congresso internacional de “Aeronomia Equatorial” que envolveu mais de 300 cientistas estrangeiros em São José dos Campos, no INPE. Ou seja, criamos uma massa crítica. Conseguimos estabelecer um programa de recursos naturais, via satélite, chamado de sensoriamento remoto, em 1968.

Quais eram os principais projetos, do INPE, nos primeiros anos?

Os projetos do início são os mesmos até hoje, 50 anos depois. O foco sempre foi a área ambiental. Afinal, meio ambiente envolve espaço. Um exemplo: como fazer o monitoramento das queimadas na Amazônia? É com satélite, é com o INPE. Quem é que fornece todos os dados para a meteorologia brasileira? Todas as estações de rádio e TV anunciam INPE e CPTEC/Cachoeira Paulista. Existe uma organização internacional que julga a classificação dos institutos internacionais. O INPE é o único instituto brasileiro que está entre os cem primeiros, em 42º lugar.

“Os projetos do
início do INPE, são
os mesmos até
hoje, 50 anos
depois

Qual a principal dificuldade enfrentada, atualmente, pelo instituto?

A burocracia aumentou. Hoje é quase impossível ter esperança de que o INPE progredirá sem a renovação de pessoal qualificado. O quadro está pequeno e pode piorar nos próximos anos já que muitos estão próximos da aposentadoria. Para trabalhar no INPE é preciso fazer concurso público. Se passar, o profissional deve esperar um ou dois anos para ser admitido. Os que passam no concurso não são, necessariamente, os mais adequados, pois os critérios do concurso não são condizentes com as necessidades do INPE.

Você pode dar um exemplo prático?

Uma das dificuldades geradas pela falta de mão de obra qualificada no PEB é a operação do Supercomputador Tupã, que faz previsão meteorológica. Esse computador, o maior do hemisfério sul, custou dezenas de milhões de dólares. Ele vem sendo manuseado, a meu ver por provedores de serviços de meteorologia. No entanto, grandes trabalhos científicos podem ser feitos com o Tupã. Mas não houve condições de preparar pesquisadores. Ou seja, é fácil construir prédios, comprar equipamentos, mas é muito difícil preparar equipes adequadas para resolver os problemas da área de Ciência e tecnologia.


Como resolver esse problema?

Somente o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação poderá alterar essa situação. Tudo dependerá de esforço político. Não tem outro jeito.

O INPE se especializou em monitoramento ambiental. O senhor acha que a instituição deve priorizar outras áreas?

No âmbito da Ciência e Tecnologia tudo é moda. A energia nuclear foi moda nos anos 50. Depois, veio a moda espacial nas décadas de 1060, 1970 e 1980. Hoje em dia, a tendência são os estudos na área de energia. O século XXI vai ser a época dos problemas energéticos. O INPE terá que fazer uma junção entre meio ambiente e energia. Há uma associação muito grande entre essas matérias.

O recente programa do Governo “Ciência sem Fronteiras” que oferece 75 mil bolsas poderá ajudar?

Sem dúvida alguma. O INPE deve aproveitar essa excelente oportunidade para mandar uma centena de profissionais estudar lá fora e viabilizar o casamento do instituto com o setor de energia.

O que o senhor vislumbra para o futuro da instituição?

O INPE tem o maior laboratório de testes de equipamentos da América do Sul. Deve prosseguir construindo satélites e sensores mais modernos , alem de desenvolver na indústria nacional a capacidade de produzir mais equipamentos associados a esses satélites, para não ter que importar. Mais insisto, a estrutura não é o problema, falta mão de obra qualificada para operar esses equipamentos.


Fonte: Revista Espaço Brasileiro - num. 12 - Jul Ago e Set de 2011 - págs. 05, 06 e 07

Comentário: Essa entrevista nos traz informações sobre os primórdios do “Programa Espacial Brasileiro” que até nós desconhecíamos, como por exemplo, o caso da importação das 26 famílias indianas de pesquisadores da área espacial. Desconhecíamos também que o Dr. Fernando Mendonça fosse considerado o pai do PEB, já que achávamos que esse título pertencesse ao Brig. Hugo Piva. Realmente a revista Espaço Brasileiro está de parabéns pela entrevista com esse pioneiro de nosso programa espacial.

Comentários

  1. Do guaramiranga e de Campos Belos tambem. Xico Luiz.

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  2. SABEM ME DIZER SE HÁ POSSIBILIDADE DE ENTRAR EM CONTATO COM O DOUTOR FERNANDO???

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    1. Olá Nádia!

      Infelizmente não temos o contato do Dr. Fernando.

      Duda Falcão
      (Blog Brazilian Space)

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  3. Excelente Matéria. Vc sabe se o Dr. Mendonça ainda está vivo ou faleceu. E seus familiares.

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  4. Caro Duda. Vc sabe se o Dr. Fernando Mendonça ainda vive.

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    Respostas
    1. Olá Unknown!

      Infelizmente não sei lhe informar.

      Duda Falcão
      (Blog Brazilian Space)

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