Os Raios e o Programa Espacial Brasileiro

Olá leitor!

Segue abaixo um artigo/opinião publicado na Revista Espaço Brasileiro (Abr, Maio e Jun de 2011), destacando os Raios e o Programa Espacial Brasileiro.

Duda Falcão

OPINIÃO

Os Raios e o Programa Espacial Brasileiro

Osmar Pinto Jr.*
e Marco Antônio da Silva Ferro **

Osmar Pinto Jr.

Os raios podem interferir e até comprometer temporariamente o sucesso de qualquer programa espacial. Acidentes com raios no setor aeroespacial, atualmente, são raros, em função das precauções tomadas nos centros de lançamento. Tais precauções resultam, em boa parte, de acidentes que ocorreram no passado, sendo alguns deles conhecidos publicamente, particularmente no programa espacial americano. O caso mais comentado aconteceu, em 1969, quando o foguete Saturno V levando a Apollo 12 foi atingido por dois raios logo após o seu lançamento no Centro Espacial Kennedy, na Flórida (EUA). Os raios, aparentemente, foram gerados pela passagem da nave nas nuvens, em um processo similar aquele utilizado em Cachoeira Paulista, em 1999, para gerar o primeiro raio artificial no hemisfério sul ao ser lançado um pequeno foguete desenrolando um fio condutor em direção a uma tempestade. Logo após o Saturno V ser atingido pelos raios, sua plataforma de orientação inercial e seu sistema de telemetria pararam de funcionar. Felizmente, uma vez em órbita, os sistemas voltaram a operar e a nave seguiu sua jornada rumo à Lua. Outro caso famoso ocorreu, em 1987, quando um foguete Atlas/Centauro apresentou falhas após a ocorrência de um raio próximo a ele momentos antes de seu lançamento e teve de ser destruído em seguida.

Marco Antônio
da Silva Ferro

No Brasil, não existem, até o momento, registros de acidentes com raios durante uma campanha de lançamento nos Centros de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, e no da Barreira do Inferno (CLBI), em Natal (RN). Isso se deve em parte ao pequeno número de lançamentos realizados. Contudo, caso lançamentos venham a ser realizados com maior freqüência a partir da base de Alcântara, acidentes deste tipo podem ocorrer. Para região de Alcântara, o único parâmetro disponível para estimar o número de raios é o índice ceráunico – o número de dias com tempestade. Um dia de tempestade é definido como o dia no calendário no qual um observador escuta um trovão. Existem, contudo, limitações relacionadas ao uso das informações dos dias de tempestade. Trovões raramente são ouvidos a distâncias que excedem 25 km do canal do raio e o limite médio de audibilidade prático é de 15 km. Um segundo problema com as informações do índice ceráunico é que elas não contêm informações sobre a duração de uma tempestade, ou se uma ou várias tempestades ocorreram num mesmo dia. Portanto, embora o número de dias de tempestade em Alcântara não seja muito alto (em torno de 30), outros dados climatológicos da região mostram-se relevantes do ponto de vista da segurança durante um lançamento. Como conseqüência, o número de dias com nuvens eletrificadas capazes de induzir uma descarga durante a passagem de um foguete é maior que um terço dos dias do ano. O rápido deslocamento de linhas de tempestades na região pode também mudar de forma rápida as condições atmosféricas durante os preparativos de lançamento, o que, caso não seja previsto com certa antecedência, pode ocasionar acidente.

Essa imagem mostra um raio atingindo o ônibus espacial Challenger
em 1983 no Centro Espacial Kennedy na Flórida, Estados Unidos

O Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) ligado ao INPE e a Divisão de Ciências Atmosféricas (ACA) do IAE, vem trabalhando juntos, há alguns anos, para instalar e operar sistemas de monitoramento da atividade elétrica e de raios em Alcântara e no Vale do Paraíba. Isso permitirá, com base em critérios específicos para cada região, identificar com antecedência, a possibilidade de um descarga vir a ocorrer durante um período de testes, de preparação, ou mesmo durante um lançamento, evitando um possível acidente. Alguns instrumentos de abrangência local já foram instalados, entre eles um detector de campo elétrico e um sistema de monitoramento local de raios no CLA. Em 2012, um novo sistema de monitoramento de raios numa região de 300 km em torno do centro de lançamento deverá ser instalado. Outro mecanismo importante está sendo implantado no Vale do Paraíba (SP). Cinco de dez detectores previstos de uma rede de monitoramento do campo elétrico atmosférico já foram instalados e distribuídos em cidades próximas a região de São José dos Campos. Estas tecnologias permitirão o desenvolvimento de adequados critérios de segurança, específicos para as condições atmosféricas locais, que deverão ser utilizados para evitar, ou minimizar, futuros acidentes. Tais acidentes, caso ocorram, poderão atrasar ou mesmo comprometer temporariamente algumas metas do programa espacial brasileiro.

*Coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)

**Divisão de Ciências Atmosféricas (ACA), do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).


Fonte: Revista Espaço Brasileiro - num. 11 - Abril, Maio e Junho de 2011 - pág. 28

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